Na próxima semana, a doutora Dilma entrará na segunda metade de seu mandato e são poucas as pessoas dispostas a dar a volta no quarteirão para aporrinhá-la.
Ela deve esse êxito a algumas qualidades pessoais e a dois patronos: Lula e Fernando Henrique Cardoso, com seus 16 anos de estabilidade democrática e econômica.
Um restabeleceu o valor da moeda, o outro batalhou para reduzir as desigualdades sociais. Sem FHC não haveria Lula e, graças aos dois, o país pode se dar ao luxo de ter uma governante que chega cedo ao trabalho, toca o barco e não se vê obrigada a dar a impressão de que precisa salvar o país.
Parece pouco, mas, em quase meio século, todos os presidentes foram obrigados a dar essa impressão. Uns pretendiam salvá-lo dos perigos da democracia, outros da ruína econômica.
As circunstâncias (percebidas por Lula) deram-lhe a oportunidade. Seu desempenho comprovou a eficácia da ideia, e Dilma vestiu o papel com a naturalidade com que veste seu medonho casaquinho de renda branca. Afastou-se da rotina do Congresso, deixando-o deslizar para um papel perigosamente banal. Mantendo-se longe das tensões provocadas pelo contencioso dos cleptocompanheiros, ela foi um fator relevante no engrandecimento do Judiciário.
Colocou na surdina a diplomacia de atabaques que herdou. Meteu-se numa estudantada com o Paraguai, mas saiu dela exercitando o silêncio. Resta saber como justificará uma eventual quebra da ordem constitucional na muy amiga y compañera Venezuela.
Há algo de impessoal na doutora. Afora os destemperos que afligem seus ministros, não se deu ao folclore. Resta a imagem da gerentona, que é tudo o que um país precisa. Seus pibinhos, associados à incerteza criada na gerência das concessões de petróleo, energia e transportes mostram que ela terá os próximos dois anos para confirmar a expectativa. Por enquanto, nas áreas de saúde e educação, produziu mais do mesmo, um mesmo de baixa qualidade.
Se a doutora Dilma for avaliada pelo que prometeu, os dois primeiros anos de governo foram apenas médios. Para quem ofereceu 6.000 creches até 2014 e entregou apenas sete, nem médio foi, mas atire a primeira pedra quem acreditou nessa parolagem da campanha.
Dois governos que prometeram realizar dois exames anuais do Enem, até hoje não cumpriram a meta. Em vez de discutir o fracasso, saiu-se com uma nova oferenda: o Enem por computador. Para uma ex-ministra de Minas e Energia, é uma humilhação governar um país onde o presidente do Operador Nacional de Sistemas diz que Pindorama tem que aprender a conviver com apagões.
Fica a impressão de que há no Planalto uma gerentona apertando os botões de uma máquina que não funciona. E não adianta dar bronca porque, se acessos de fúria ajudassem os presidentes, o general João Batista Figueiredo teria sido um campeão.
Como diria o ministro Aldo Rabelo, quem fazia o certo era o marechal Floriano Peixoto, com seu cigarrinho de palha no canto da boca e o revólver no coldre. Foi a alma de Floriano quem deu à doutora a maior vitória de seus primeiros dois anos: o enquadramento da banca e a queda dos juros.
Seu êxito é simples: pela primeira vez em décadas há poucas pessoas no Brasil querendo que a presidente se dane.
Elio Gaspari, nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por "As Ilusões Armadas". Escreve às quartas-feiras e domingos na versão impressa de "Poder".
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