domingo, 1 de dezembro de 2024

Não existe complô da Faria Lima contra Lula, Samuel Pessôa- FSP

 O ministro Fernando Haddad divulgou em um discurso à nação, na quarta-feira (27), um conjunto de medidas para ajustar as contas públicas.

As medidas são corretas, mas insuficientes. Não houve grandes novidades. A reação, no entanto, foi muito ruim.

Ocorre que, conjuntamente com as medidas de ajuste fiscal, o ministro anunciou que o governo isentará do Imposto da Renda da Pessoa Física (IRPF) as rendas até R$ 5.000.

A imagem mostra três homens sentados em uma mesa durante um evento social. O homem ao centro, com cabelo castanho e um sorriso, parece estar conversando com os outros dois. À esquerda, um homem com cabelo grisalho e óculos, e à direita, um homem com cabelo curto e grisalho. O ambiente é iluminado com luzes azuis ao fundo.
André Esteves, do BTG, o ministro Fernando Haddad e Milton Maluhy, CEO do Itaú, durante almoço da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) na sexta-feira (29) - Zanone Fraissat/29.nov.24/Folhapress

A perda de receita com a desoneração, de aproximadamente R$ 50 bilhões, será financiada por um imposto sobre as altas rendas. É correto elevar a carga tributária sobre as rendas elevadas no país. O ideal, porém, é que o aumento de receita seja empregado para complementar o esforço fiscal.

O que foi anunciado pareceu somente uma medida eleitoreira. Adicionalmente, ficou claro para todos que o ministro Haddad perdeu a disputa interna e prevaleceram os interesses dos diversos grupos abrigados no atual governo.

É muito ruim que, em meio a uma crise fiscal —o aumento do endividamento entre dezembro de 2022 e dezembro de 2026 será de 14 pontos percentuais do PIB—, a prioridade do presidente da República seja a reeleição.

A situação é ainda pior porque o presidente e seu entorno mais próximo têm interpretado a reação dos preços de mercado como uma conspiração de um grupo de traders para desestabilizar o governo, entendendo-os como pessoas politicamente antagônicas a ele.

A Faria Lima é um conjunto imenso —milhares— de operadores que tomam a melhor decisão que conseguem com as informações disponíveis. Ao contrário do que o núcleo político do governo imagina, não há um cartel de operadores com o objetivo de desestabilizar o Executivo nacional.

O mercado reagiu muito positivamente ao bom desempenho do governo e do ministro Haddad em 2023. Assim, não passa no teste de realidade a ideia de que há um complô contra o Executivo nacional.

Adicionalmente, mesmo que houvesse um cartel de traders contra a política econômica do atual governo, o mundo é muito grande. Há inúmeros fundos de investimento que poderiam aproveitar as oportunidades de ganho que há no Brasil hoje. O real está muito desvalorizado. Provavelmente, uns 30%. A Bolsa está baratíssima. Por que o mundo todo não corre para ganhar dinheiro aqui? Claramente os operadores mundo afora também enxergam riscos grandes.

Ou seja, o argumento conspiratório do presidente e de seu núcleo duro não sobrevive a dois minutos de reflexão.

O presidente Lula assumiu risco grande no início do mandato. Inverteu a ordem natural do ciclo político da despesa pública. Começou o governo com o pé no acelerador da política fiscal. Agora, no meio de mandato, precisa administrar uma economia a pleno emprego, inflação de serviços e alimentos acelerando, salários elevando-se além da produtividade, exportações líquidas em queda e dívida explosiva.

Não é a minha área de atuação, mas parece que essa leitura conspiratória, além de não ser boa companheira, fará com que o presidente chegue a 2026 pior do que imagina.

Projeto no Nordeste busca expandir energia solar para pequenos agricultores, FSP

 Leandro Machado

PIRANHAS (AL)

Na fronteira entre Alagoas e Sergipe, centenas de organizações de agricultores, movimentos sociais e ativistas de todo o Nordeste lançaram um projeto que propõe "descentralizar" a produção de energia solar no semiárido, território com 1.262 municípios que nos últimos anos se tornou o principal alvo de empresas de energias renováveis.

O plano Um Milhão de Tetos Solares foi anunciado durante o 10º Encontro Nacional da Articulação Semiárido Brasileiro (EnconASA), evento que não ocorria desde 2016 e que teve como sede as cidades vizinhas de Piranhas (AL) e Canindé do São Francisco (SE).

Um homem está posando ao lado de um conjunto de painéis solares. Ele usa um chapéu e uma camisa de manga curta, sorrindo para a câmera. Ao fundo, há vegetação e árvores, indicando um ambiente rural.
Agricultor Claudio Gonzaga tornou-se um exemplo da produção em pequena escala de energia solar no Nordeste - Divulgação/ASA

Inspirado no programa Um Milhão de Cisternas, que nas últimas duas décadas espalhou pelo sertão essas estruturas para armazenar água, o projeto de geração de energia fotovoltaica foi anunciado como uma "resposta do semiárido à proliferação de grandes empreendimentos" de energia renovável, segundo a ASA (Articulação Semiárido Brasileiro).

Ainda sem fonte de financiamento confirmada, a ideia é instalar placas solares na casa de agricultores. Na fase piloto, que começa em 2025, cerca de 4.000 famílias de 60 municípios serão beneficiadas, um investimento de R$ 78 milhões.

Segundo o projeto da ASA, cada família conseguiria gerar 500 kw de energia elétrica por mês —150 kw para consumo e 150 kw para produção agrícola, e o excedente será vendido e integrado ao SNI (Sistema Nacional Interligado).

De acordo com o projeto, as placas fotovoltaicas serão produzidas em pequenas fábricas a serem instaladas pelo sertão, tendo como referência a experiência da Escola Agrícola Familiar de Monte Santo, no sertão da Bahia, cujo estudantes receberam treinamento e hoje produzem o equipamento para agricultores da região.

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PRODUÇÃO AGROFLORESTAL

No município de Água Branca, a cerca de 300 km de Maceió, o agricultor Claudio Gonzaga, 46, conhecido como Gia do Morango, tem sido divulgado como um exemplo da produção em pequena escala de energia solar para a produção agrícola no semiárido.

O sítio de Gia, de apenas um hectare, fica a 200 metros de um canal construído durante a transposição do rio São Francisco, que abastece a região extremamente seca. O problema é que a energia elétrica que chegava a sua casa não dava conta de alimentar as bombas que puxam a água do canal para a irrigação.

"Cheguei a queimar seis bombas porque a energia era fraca demais. Minha roça só deu certo quando ganhei as placas solares", conta Gia, que recebeu os equipamentos do Instituto Terra Viva. "Quando consegui água e energia, vi que podia plantar mais coisas."

Hoje, Gia do Morango é referência na região pela diversidade de sua produção agroflorestal em uma área cuja escassez de água é a regra: planta e comercializa morango, tomate, caju, açaí, mamão, graviola, alho poró, entre outros.

ASSOCIAÇÕES CRITICAM CONDIÇÕES DE CONTRATOS

Se por um lado a transição energética para modelos com menor impacto ambiental é apontada como uma das soluções para as mudanças climáticas, por outro, comunidades têm relatado seus efeitos negativos, como formação de "latifúndios empresariais", fuga de sertanejos e problemas de saúde causados pela proximidade com os parques.

Durante o evento em Piranhas, representantes da ASA, uma rede com cerca de 3.000 organizações da sociedade civil do semiárido, entre sindicatos e associações de agricultores, classificaram o atual modelo de energia renovável como "predatório".

"Esses grandes projetos estão ameaçando o modo de vida e a permanência do sertanejo no território, seja por questões de saúde, pelo assédio das empresas ou porque ele cede sua propriedade e vai embora", diz Maitê Maronhas, coordenadora da ASA.

O setor costuma propor contratos de arrendamento de terra de até 50 anos de duração para instalação dos parques. Quem cede sua propriedade, recebe cerca de 1% do valor da energia gerada, mas as multas para quebrar o acordo são milionárias, muitas vezes ultrapassando o valor do imóvel.

"No semiárido, as propriedades são pequenas, de até 10 hectares. Se o sertanejo não assina o contrato, acaba ficando ao lado porque seu vizinho cedeu", afirma a agricultora Roselita da Costa, 52, da cidade de Remígio, na Paraíba.

Os moradores de sua região, conhecida como Polo da Borborema, têm resistido às propostas de empresas de energia eólica, mas um grande parque está em construção a cerca de 35 km da casa de Roselita.

"Os olhos do mundo se voltaram para o semiárido porque temos sol e vento em abundância, mas, quando se fala em energia limpa, sempre é de uma maneira global, e não do ponto de vista do agricultor que está sofrendo as consequências. É um modelo agressivo e invasivo, que viola os direitos dos agricultores", diz.

O QUE DIZ O SETOR

Segundo a Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), o Brasil tem 1.139 parques eólicos, representando 15,2% da matriz energética brasileira. O setor perde apenas para as hidrelétricas, responsáveis por 51% da energia gerada no Brasil.

Para Elbia Gannoum, existe um "equívoco na narrativa" de que os parques prejudicam os agricultores. "Pagamos R$ 2.000 por torre. Há pessoas com três torres na propriedade. Essa renda está aquecendo a economia das cidades do semiárido, tirando as pessoas do Bolsa Família, levando as crianças para a escola", afirma.

Segundo ela, apenas 5% dos parques eólicos do Brasil têm problemas. "São instalações mais antigas, que seguiam outras normas de proximidade. Mas estamos trabalhando para resolver", diz.

Já a energia solar representa 5% da produção, alcançando 4 milhões de pontos de consumo, segundo Barbara Rubim, vice-presidente do conselho administrativo da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica). A maior parte da produção do setor está concentrada em "usinas distribuídas", ou seja, em pequenas propriedades.

"Já os grandes empreendimentos estão em territórios com baixa produção agrícola e pouca densidade demográfica", comenta Rubim. "E as placas não geram o ruído da usinas eólicas, que tem sido o maior foco de reclamação dos agricultores."

"O semiárido é com certeza uma região muito importante por conta de sua maior irradiação solar. E entendemos que o diálogo com as comunidades é essencial para encontrarmos maneiras de convivência com os agricultores", afirma.

O repórter Leandro Machado viajou a convite da ASA