domingo, 11 de agosto de 2024

A gaiola de Maduro, MunizSodré ,FSP

Tempo biográfico de infância, interior nordestino. Bastava Seo Zezinho, o barbeiro local, estender a mão para que um passarinho, qualquer um, na rua ou no quintal, nela pousasse. Coisa bizarra, mas ninguém falava em poderes, nem o confundia com São Francisco. Era só a natureza de Seo Zezinho.

Mas existe segunda natureza. Nas autocracias sul-americanas é a bizarrice enganosa, manipulada pelo marketing político. Na Argentina, o presidente aconselha-se com um cachorro morto. Na Venezuela, um protoditador diz falar com um passarinho, suposta reencarnação do predecessor. Maduro, claro, autor do prodígio de vencer eleições antes do total apurado, bizarramente referendado por uma gaiola ideológica brasileira. Ideologia de asas curtas.

Lula tem conselheiro político de excelso saber, consta. Mas a força maior do vexame os deixa inermes. Por mais que se pretenda racional qualquer avaliação do momento sul-americano, é impossível separar o convencional do extravagante. O realismo mágico que imanta de forma encantatória a narrativa de um Gabriel Garcia Marques ganha vida real como folhetim de segunda classe, não em busca de leitores, mas de eleitores. O rito de calendário democrático, objeto tentativo da literatura especializada, é praticado como bufonaria autocrática.

À esquerda e à direita, finge-se que não vê. A primeira é geopolítica, ciosa da unidade subcontinental, nostálgica do tempo em que a Venezuela se aproximou de Cuba. Foi quando trocou a antiga classe dirigente pela "burguesia bolivariana", um empresariado mais disperso e mais includente de generais, sob o engana-olho de "revolução bolivariana", na verdade um slogan de golpismos anteriores. O líder era Chávez, hoje aquela pessoinha que come alpiste mediúnico na mão de Maduro.

A direita sempre assestou canhões contra Chávez, "suspeito" de socialismo. Leia-se um popularismo antenado ao estado psíquico dos marginalizados que respaldou o autoritarismo do regime, de brutal repressão a opositores e à independência dos Poderes. A democracia dos anos 70 degringolou junto com uma corrupta economia de cleptocratas, o desemprego virou onda imigratória, e o chavismo tornou-se espiritismo popular. Uma extrema direita, carnavalizada como esquerda.

Agora, como antiamericanismo de gogó não mata fome nem inspira respeito, os EUA logo proclamaram a vitória da oposição. Mas internamente cabe a generais, e não a votos, dar a última palavra. De qualquer forma, com mortos na plateia e milhares de prisões, o teatro burlesco da política fechou a cortina, palmas deram lugar a pedradas. Não são novidade, mas aumentaram de tamanho. Podem ter feito Chávez alçar voo: afinal, passarinho que come pedra sabe o rabicho que tem.

Bruno Boghossian - Como a extrema direita manipula rancores para obter ganhos políticos, FSP

 A extrema direita foi às ruas no Reino Unido para propagar uma onda de ódio contra imigrantes. O bando espalhou medo e fúria, mas não fez muito sucesso. Depois de invadir abrigos, incendiar carros e agredir policiais, a turma despertou grandes atos antirracistas que, na prática, frearam os ataques. A maioria da população condenou a violência.

Mesmo assim, os políticos que usam a xenofobia como língua corrente não acharam que era o caso de voltar para a toca. O desprezível Nigel Farage tentou convencer o público de que repudia a violência, mas aproveitou para dizer que os protestos exigiam uma iniciativa urgente para conter a imigração.

A ação política da extrema direita é uma aula do jogo baixo que é possível fazer para contaminar o debate público. Partido anti-imigração por natureza, o Reform UK de Farage foi derrotado na última eleição do Reino Unido e ficou com 1% das cadeiras do Parlamento. A legenda, no entanto, tenta explorar os ataques para fazer valer suas preferências.

A manipulação de rancores não é uma tarefa difícil quando ocorre num ambiente inflamável. No Reino Unido, grupos extremistas estimularam a perseguição a imigrantes depois que informações falsas nas redes deram conta de que um imigrante em situação ilegal teria sido o responsável por assassinar três crianças na cidade de Southport.

A ultradireita conhece bem esse território. Ainda que 85% da população tenha rejeitado protestos violentos, 42% dos britânicos disseram ao YouGov que as manifestações que ocorreram de forma pacífica eram justificadas —ainda que tenham sido convocadas por radicais, a partir de um estopim xenofóbico e mentiroso.

A violência pode até ser condenada, mas o espetáculo que ela produz é capaz de ampliar o alcance de um assunto e até amplificar a adesão à retórica de grupos que, em tempos de calmaria, são vistos como radicais. Em certos casos, com alguma boa vontade coletiva, essa mudança é suficiente para que mais gente passe a considerá-los normais.