terça-feira, 18 de junho de 2024

Malafaia e o aborto, Celso Rocha de Barros, FSP (definitivo)

 Silas Malafaia é um profissional da sinalização de virtude com o sofrimento alheio. Ficou milionário entregando a seus seguidores certificados de bom comportamento cristão para quem exigir de pequenos grupos excluídos uma aderência à interpretação literal da Bíblia que ninguém, repito, ninguém no cristianismo moderno exige de si mesmo.

Sim, Levítico 18:22 e 20:13 proíbe a homossexualidade, mas também proíbe a cobrança de juros (25:37). O ex-banqueiro Paulo Guedes certamente já violou as disposições do Levítico mais vezes que o mais produtivo dos atores pornôs gays.

Nós, como sociedade, aprendemos que o mercado de crédito é um aliado do crescimento econômico, e aprendemos a respeitar os LGBTs. Nos dois casos, progredimos, e não acho que violamos a essência do evangelho.

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O pastor Silas Malafaia, durante ato de Jair Bolsonaro na avenida Paulista - Danilo Verpa - 25.fev.24/Folhapress

O que já era errado na perseguição aos LGBTs cruzou a linha da indecência com o projeto de lei apresentado por Sóstenes Cavalcante, o homem de Malafaia no Congresso, que equipara ao homicídio o aborto realizado após 22 semanas de gestação, veja bem, para as situações em que a lei já permite o aborto, como nos casos de estupro.

Interrupções nessa fase da gestação são raras. A maioria das mulheres adultas sabe quando foi estuprada, sabe ir à polícia ou ao posto médico muito antes desse prazo. Mas crianças nem sempre entendem que foram estupradas. Podem não entender as mudanças fisiológicas da gravidez, podem ter vergonha de contar a seus pais.

Com isso o tempo vai passando. O risco de a criança, após ter sido estuprada na infância, ficar na cadeia sua juventude inteira por decisão de Silas Malafaia vai crescendo. É fácil para um médico ou juiz bolsonarista adiar a autorização para a interrupção da gravidez até o limite de 22 semanas, jogando a criança cada vez mais perto de uma juventude de cadeia que se seguiria a uma infância de abuso.

O plano é este: estabelecer a marca de 22 semanas e começar uma guerra, nos tribunais, nos órgãos públicos, nos conselhos de medicina, para adiar o aborto de todas as mulheres estupradas até depois desse prazo.

Deus sabe quando começa a vida humana. Nem eu nem Malafaia sabemos. Os cientistas não colocam essas questões da mesma forma que os religiosos, e a vedação bíblica é menos clara do que se pensa: em geral, quem defende que a vida começa na concepção precisa se apegar a versículos muito fáceis de interpretar de outra forma.

Veja como a questão é difícil: pelos critérios do deputado Sóstenes, se você fosse forçado a escolher entre atirar em um bebê recém-nascido ou em dois fetos de cinco meses, deveria atirar no recém-nascido. Você tem certeza de que isso seria certo?

Se não tem, pare de usar esse problema dificílimo para fazer pose de cristão convicto. Há muitos problemas éticos para os quais não sabemos a solução definitiva. Nesses casos, o Estado deve, como nas democracias modernas, estabelecer alguns critérios e prazos, deixando que, dentro desses limites, cada cidadã decida segundo sua consciência.

E, por favor, deixem as mulheres estupradas fora de suas maquinações para eleger presidentes da Câmara e do Senado, ou para chantagear governos de esquerda em troca de liberação de emendas.

Quando a notícia falsa parasita uma apuração real - Alexandra Moraes - Ombudsman

 

SÃO PAULO

No último dia 2, o New York Times colocou no ar uma reportagem sobre o impacto da chegada da internet de alta velocidade à vida dos marubos, na Terra Indígena Vale do Javari. A conexão é feita pelo serviço de satélite da Starlink, empresa de Elon Musk que oferece acesso em áreas as mais remotas.

O título original do texto assinado por Jack Nicas, que comanda o escritório brasileiro do New York Times, era "The Internet’s Final Frontier: Remote Amazon Tribes" (a última fronteira da internet: tribos isoladas da amazônia), e Elon Musk abria o subtítulo: "Elon Musk’s Starlink has connected an isolated tribe to the outside world —and divided it from within" (a Starlink, de Elon Musk, conectou uma tribo isolada ao mundo exterior –e a dividiu por dentro).

Jornais brasileiros pagam para republicar o conteúdo do New York Times. Dessa forma, a história foi parar na Folha, com o título "Starlink, de Elon Musk, leva internet a aldeia isolada na amazônia e a divide por dentro", e no Estado de S. Paulo, com "Musk leva internet e comunicação útil a indígenas da Amazônia, mas também pornografia e violência". O nome do dono da Tesla e da Starlink, com seu potencial polarizador e viralizante, costuma ser bom chamariz.

Pouco mais de uma semana depois, o New York Times colocou no ar um segundo texto sobre o assunto, também republicado pela Folha. O título vinha incisivo: "Não, uma aldeia remota da Amazônia não se viciou em pornografia".

Era a resposta a manchetes escandalosas que anunciavam o contrário, citando como fonte o próprio New York Times, apesar de o texto não mencionar vício em pornografia.

A partir de um prato de ovos onde se lê a palavra "fato", uma batedeira de bolo onde se lê a palavra "internet" faz uma grande espuma branca onde se lê a palavra "repercussão" que ocupa parte da imagem.
Ilustração de Carvall - Fernando Carvall/Editoria de Arte/Folhapress

A menção ao conteúdo adulto surgia em dois pontos. Um era a ponderação do autor sobre os "mesmos desafios que têm afetado os lares americanos há anos" e, entre eles, "menores vendo pornografia".

O outro introduzia a opinião de Alfredo Marubo, líder da Organização das Comunidades do Marubo no Rio Ituí: "Ele está mais preocupado por causa da pornografia. Alfredo disse que jovens estavam compartilhando vídeos explícitos em chats em grupo".

Foi o suficiente para veículos sensacionalistas executarem uma receita de audiência fácil: pegar o texto de uma fonte bem reputada e citá-la (credibilidade) para focar num aspecto popular ("pornô") e distorcê-lo ("vício").

O enunciado que associava erroneamente os marubos ao vício se espalhou. Estava no tabloide New York Post, no site de fofocas americano TMZ, no Instagram em espanhol da estatal russa RT, entre outros. No Brasil, estampou sites e perfis que vivem de "chupinhar".

Duas lideranças marubo ouvidas pelo New York Times na reportagem ficaram em lados opostos em relação à responsabilidade do jornal na emergência das notícias falsas.

Enoque Marubo, líder da Associação Kapy da Etnia Marubo Tamawavo do Rio Ituí, que recebera o NYT em sua comunidade, disse em vídeo que, "infelizmente, a reportagem destacou mais os pontos negativos, o que resultou na disseminação de uma visão distorcida".

Já Alfredo Marubo, que expressara sua preocupação com o conteúdo explícito, emitiu nota em que afirmava que a reportagem "nunca disse que estamos viciados em pornografia" e atacava "sites de ‘notícias’ e fofocas brasileiros". Para ele, havia "claro intuito de constranger nossa imagem coletiva perante a sociedade".

Também ouvido pelo New York Times, o advogado Eliesio Marubo diz que "quem leu a matéria (original) compreendeu o ponto do jornalista".

Segundo a nota assinada por Enoque, porém, a ênfase em pontos negativos teria prejudicado "a honra de várias pessoas engajadas no processo de conectividade da Amazônia, como da jornalista e antropóloga Flora Dutra e da filantropa Allyson Reneau". No dia da publicação da reportagem, Allyson e Enoque haviam registrado no Instagram o orgulho de o projeto ter ganhado destaque no New York Times.

Já Flora relata que, além de acusações de ter prejudicado os indígenas, chegou a receber ameaças de morte. "Ele [o repórter] destacou só os pontos negativos", afirma. Para Flora, sem essa ênfase não haveria títulos sensacionalistas. "É muita irresponsabilidade", diz. "Estamos falando de salvar vidas, de grávidas de oito meses e idosos que precisavam andar dias para ter atendimento", afirma Flora, sobre os benefícios da conexão.

No seu X, ex-Twitter, Musk atacou o jornal por "ter dito isso sobre a tribo". O "isso" era outro post que ligava ao NYT a história do vício em pornô.

À ombudsman o New York Times manifestou "total apoio à reportagem". "Quem fizer uma leitura justa verá que [o texto] mostra uma apuração sensível e matizada dos benefícios e das complicações da adoção da nova tecnologia em uma aldeia indígena que preservou sua cultura e é orgulhosa de sua história", declarou a diretora de comunicação externa do jornal, Nicole Taylor.

À espera de novas antenas intermediadas por Flora, o presidente da associação yanomami Urihi, Junior Yanomami, se disse preocupado com a repercussão. "A internet é nosso olho para vigiar as terras indígenas", afirma. Sobre eventuais problemas com o uso da tecnologia, diz Junior, "isso faz parte da vida".


Presidente do Solidariedade se entrega à PF após três dias foragido, FSP

 A defesa de Eurípedes Gomes Junior, presidente do Solidariedade, informou neste sábado (15) que ele se entregou à Polícia Federal em Brasília.

Eurípedes foi alvo de mandado de prisão em investigação sobre o desvio de R$ 36 milhões dos fundos partidário e eleitoral do Pros, legenda incorporada pelo Solidariedade, nas eleições de 2022.

Em nota, os advogados afirmaram que o político se licenciou das funções de dirigente partidário.

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O fundador do antigo Pros, Eurípedes Júnior, em foto de 2014 - Pedro Ladeira - 22.jul.14/Folhapress

Disseram ainda que ele demonstrará "não só a insubsistência dos motivos que propiciaram a sua prisão preventiva, mas ainda a sua total inocência em face dos fatos que estão sendo apurados nos autos do inquérito policial em que foi determinada a sua prisão preventiva". Ele é defendido pelo ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e por Fabio Tofic Simantob.

A ação da PF, batizada de Fundo do Poço, prendeu seis pessoas na quarta-feira (12), apreendeu cerca de R$ 26 mil em espécie e um helicóptero comprado pelo partido com verba pública.

Foram expedidos sete mandados de prisão, 45 de busca e apreensão e outros de bloqueio e indisponibilidade de bens pela Justiça Eleitoral no Distrito Federal.

A PF chegou a anunciar que incluiu o nome do político na difusão vermelha da Interpol, a lista que reúne foragidos da Justiça em diversos países.

Eurípedes Junior, 49, foi vereador em Planaltina (GO) e presidente da Câmara Municipal antes de fundar o Pros. Em 2014, ele se candidatou a deputado federal pela legenda que fundou, mas não se elegeu. Em 2018, se candidatou a suplente de senador e também não teve sucesso.

A mãe dele, conhecida como Dona Cida, foi prefeita em Planaltina.

O Solidariedade informou neste sábado, por meio de nota, que Eurípedes solicitou licença da presidência da agremiação por prazo indeterminado.

"Essa solicitação é compatível com o estatuto partidário, dessa maneira, a secretaria-geral do Solidariedade tomará todas as providências necessárias e cabíveis para o seu imediato atendimento, tendo em vista a regular continuidade do exercício da direção partidária."

Quem assume no lugar dele é o deputado federal Paulinho da Força (SP), que foi fundador da legenda e ocupava a vice-presidência.