segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Joaquim Barbosa diz que militares inspiram e toleram insubordinação ao rebater Mourão, FSP

 O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa teceu críticas aos militares e defendeu a troca de comando do Exército feita por Lula (PT) neste domingo (22) ao rebater críticas do ex-vice-presidente da República e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS).

Lula demitiu o comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda, em meio a uma crise de confiança aberta após os ataques do dia 8 de janeiro, em Brasília. À FolhaMourão afirmou que o mandatário quer alimentar a crise com as Forças Armadas e que a decisão seria péssima para o país.

O ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa. - Evaristo Sá -22.abr.2018/AFP

"Ora, ora, senhor Hamilton Mourão. Poupe-nos da sua hipocrisia, do seu reacionarismo, da sua cegueira deliberada e do seu facciosismo político! Fatos são fatos! Mais respeito a todos os brasileiros!", afirmou Joaquim Barbosa, em publicação nas redes sociais.

"'Péssimo para o país' seria a continuação da baderna, da 'chienlit' [baderna, em tradução livre] e da insubordinação claramente inspirada e tolerada por vocês, militares. Senhor Mourão, assuma o mandato [de senador] e aproveite a oportunidade para aprender pela primeira vez na vida alguns rudimentos de democracia! Não subestime a inteligência dos brasileiros!", escreveu ainda o ministro aposentado.

A troca no Exército, a principal das três Forças Armadas, ocorreu em meio a uma crise de confiança aberta após os ataques do dia 8 de janeiro, em Brasília.

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Segundo auxiliares do presidente, a decisão foi tomada porque o agora ex-comandante Júlio Cesar de Arruda não demonstrou disposição de tomar providências imediatas para reduzir as desconfianças de Lula em relação a militares do Exército após a invasão do Palácio do Planalto e das sedes do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso.

Arruda relutou em expor o Comando Militar do Planalto, que no mínimo falhou no dia 8. Ele também estava no comando da Força quando o Exército impediu que a Polícia Militar realizasse prisões de vândalos ainda no dia 8 de janeiro, no acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.

De acordo com relatos de aliados de Lula e generais ouvidos pela Folha, a gota d'água para exoneração foi Arruda ter resistido ao pedido de Múcio para que o tenente-coronel Mauro Cid fosse retirado do comando de um batalhão do Exército em Goiânia (GO).

Cid foi ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) e, como a Folha revelou, entrou na mira da Polícia Federal após serem identificadas transações suspeitas no gabinete do mandatário. O militar está nos EUA com o ex-presidente.

"Se o motivo foi tentativa de pedir a cabeça de algum militar, sem que houvesse investigação, mostra que o governo realmente quer alimentar uma crise com as Forças e em particular com o Exército. Isso aí é péssimo para o país", disse Mourão ao comentar o caso.

Mortes: Influenciou todo mundo a sua volta, principalmente os netos, FSP

 Paulo Egreja

SÃO PAULO

Dizem que homens criados com a avó são incorrigíveis, e talvez seja essa a raiz dos meus problemas. Depois de anos culpando meus pais, decidi inovar e culpar minha avó —dona Conceição, você me amou demais. E agora, na hora de me despedir de você, resolvi dar tchau da maneira que você me ensinou: escrevendo.

Cada um dos netos tinha um apelido próprio. Eu era o Lindinho. Guarde essa informação. Uma coisa que me deixou muito triste esses dias é saber que, no dia em que eu tiver filhos, eles não terão a chance de conhecê-la como meus sobrinhos conheceram e se lembrarão dela para sempre.

Por outro lado, em retrospecto, um homem que até os 33 anos foi chamado de Lindinho da Vovó é um sujeito que claramente terá problemas de relacionamento, e isso me fez repensar todas as críticas que já recebi das minhas ex. Portanto, com toda a cara de pau do mundo, estou te responsabilizando, vó, pelos bisnetos que eu não te dei.

Maria Conceição Mello Almeida Lencastre (1937-2022)
Maria Conceição Mello Almeida Lencastre (1937-2022) - Arquivo pessoal

Nossa relação, no entanto, é mais profunda que isso. Em 1993, eu e ela sobrevivemos a um acidente de carro e, mesmo sem admitir, sei que uma parte dela sempre se sentiu culpada por isso. Mas vó, saiba que, se eu pudesse, quebraria as duas pernas, o fêmur e a bacia de novo só para ter você por perto mais um dia. Um dia só, e aí eu te diria tudo que eu sei que você sabe, mas nunca te disse em voz alta.

Você e meu avô foram a minha infância, e duas das pessoas que mais amei na vida. Eu poderia contar como ela foi a mulher mais bonita do mundo, ou que ela me dava caixas de Coca-Cola de presente de aniversário, mas a história que me veio foi essa: em 1974, minha avó ganhou do pai dela (Paulo, de quem herdei o nome) um exemplar de "O Retrato de Dorian Gray" (Oscar Wilde), e ela leu e releu o livro no mínimo uma vez por ano desde então.

Há alguns dias, eu roubei o exemplar, e lendo seus grifos e rabiscos no livro, encontrei essa passagem: "influenciar uma pessoa é transmitir-lhe a nossa própria alma". Não sei se ela estava pensando nela mesma quando decidiu grifar, mas a verdade é que dona Conceição influenciou todo mundo a sua volta, principalmente os netos.

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Cada um de nós teve sua própria avó, com suas conversas e programas. Ela foi avó de todos e de cada um. E, se minha irmã é artista plástica, eu escrevo e meu irmão é cineasta, é muito graças a essa alma imensa que ela transmitiu para nós.

Vó, chorei muito essa última semana, chorei escrevendo esse texto, mas percebi que essa será a única memória triste que levarei de você: me despedir.

De resto, foram 33 anos só de coisas boas. Lembranças que me acompanharão pela vida toda, junto com uma saudade que já não cabe em mim.

Maria Conceição Mello Almeida Lencastre morreu no dia 29 de dezembro, aos 85 anos.

Demissões nas big techs chocam jovens profissionais, mas os mais velhos, nem tanto, NYT FSP

 

Tripp Mickle
SÃO FRANCISCO (CALIFÓRNIA)

Quando a Lyft demitiu 13% de seus funcionários em novembro, Kelly Chang ficou chocada ao se descobrir entre as 700 pessoas que perderam o emprego na empresa de transporte por aplicativo de San Francisco, na Califórnia.

"Parecia que as empresas de tecnologia tinham tantas oportunidades", disse Chang, 26. "Se você conseguisse um emprego, estava feita. Era um caminho sustentável."

Brian Pulliam, por outro lado, não se incomodou com a notícia de que a exchange de criptomoedas Coinbase estava cortando seu cargo. Desde que o engenheiro de 48 anos foi demitido de seu primeiro emprego na empresa de videogame Atari, em 2003, ele disse que se perguntava uma vez por ano: "Se eu fosse demitido, o que faria?"

Os cofundadores da Lyft, primeira empresa de transporte compartilhado de capital aberto, na festa de IPO da empresa em 2019, em Los Angeles - Alex Welsh-19.out.2019/The New York Times

O contraste entre as reações de Chang e Pulliam às suas respectivas decepções profissionais fala de uma divisão geracional que está ficando mais clara à medida que a indústria de tecnologia, que se expandiu rapidamente durante a pandemia, tende para as demissões em massa.

A Microsoft disse nesta semana que planeja cortar 10.000 empregos, ou cerca de 5% de sua força de trabalho. E na manhã de sexta-feira (20) a Alphabet, controladora do Google, disse que pretende cortar 12 mil empregos, ou cerca de 6% do total de trabalhadores. Esses cortes acompanham grandes demissões em outras empresas de tecnologia, como Meta, Amazon e Salesforce.

A geração do Milênio e a geração Z, nascidas entre 1981 e 2012, iniciaram carreiras em tecnologia durante uma década de expansão, quando os empregos se multiplicaram tão rápido quanto as vendas do iPhone. As empresas em que entraram estavam conquistando o mundo e desafiando as regras econômicas. E quando eles foram trabalhar em empresas que ofereciam viagens de ônibus até o escritório e cortesias como comida e lavanderia gratuitas, eles não estavam apenas aceitando um novo emprego; estavam assumindo um estilo de vida. Poucos haviam passado por demissões generalizadas.

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Os membros da geração "baby boom" e da geração X, nascidos entre 1946 e 1980, por outro lado, viveram a maior contração que o setor já viu. O crash das pontocom no início dos anos 2000 eliminou mais de 1 milhão de empregos, esvaziando de usuários a Rodovia 101 do Vale do Silício, pois muitas empresas fecharam da noite para o dia.

"Foi um banho de sangue, e durou anos", disse Jason DeMorrow, engenheiro de software que foi demitido duas vezes em 18 meses e ficou desempregado durante mais de seis meses. "Por mais preocupante que seja a crise atual e por mais que eu tenha empatia pelas pessoas afetadas, não há comparação."

A divisão geracional na indústria tech representa um fenômeno mais amplo. O ano de nascimento de uma pessoa tem grande influência em suas opiniões sobre trabalho e dinheiro. As primeiras experiências pessoais determinam fortemente o apetite de uma pessoa por riscos financeiros, de acordo com um estudo de 2011 dos economistas Ulrike Malmendier, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Stefan Nagel, da Universidade de Chicago.

O estudo, que analisou a Pesquisa de Finanças do Consumidor do Federal Reserve de 1960 a 2007, descobriu que as pessoas que atingiram a maioridade na década de 1970, quando o mercado de ações estagnou, relutavam em investir no início dos anos 1980, quando ele disparou. Essa tendência se inverteu na década de 1990.

"Depois que você sofre seu primeiro acidente, as coisas mudam", disse Nagel. "Você percebe que coisas ruins acontecem e talvez deva ser um pouco mais cauteloso."

Para a geração X, o colapso das pontocom ocorreu no início de suas carreiras. De 2001 a 2005, o setor de tecnologia demitiu um quarto dos trabalhadores, conforme uma análise dos dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho da CompTIA, uma organização de pesquisa e educação em tecnologia.

As demissões que varreram o setor foram piores que a recessão do início dos anos 1990, quando o total de empregos no setor de tecnologia caiu 5%, e que a crise financeira global que se seguiu em 2008, quando a força de trabalho se contraiu 6%.

Em 2011, o setor tecnológico iniciou um boom de contratações que duraria uma década. Acrescentou em média mais de 100 mil empregos anualmente, e até 2021 recuperou todos os empregos perdidos quando a bolha das pontocom estourou.

Os números de empregos representam empresas de software, hardware, serviços de tecnologia e telecomunicações, incluindo Apple, Meta, Nvidia, Salesforce e outras. Mas eles podem excluir algumas empresas relacionadas à tecnologia, como Airbnb, Lyft e Uber, devido à ambiguidade sobre o mercado de trabalho nos relatórios do governo, que classificam algumas empresas como serviços ao consumidor, disse Tim Herbert, diretor de pesquisa da CompTIA.

Os maiores aumentos de empregos em tecnologia ocorreram após o início da pandemia, quando as empresas correram para atender à demanda crescente. Em 2022, o setor criou quase 260 mil empregos, segundo a CompTIA, o maior número criado em um único ano desde 2000.

O aumento de empregos na área de tecnologia continuou no ano passado, mesmo com o início de grandes demissões, embora não esteja claro se essa tendência se estendeu até este ano. Novas oportunidades de emprego contribuíram para que quase 80% dos trabalhadores em tecnologia demitidos afirmassem ter encontrado um novo emprego em três meses, de acordo com uma pesquisa da ZipRecruiter.

"Estamos vendo a loucura de contratações da pandemia sendo corrigida –não o estouro de uma bolha", disse Andy Challenger, vice-presidente sênior da empresa de transição de carreiras Challenger, Gray & Christmas.

No outono passado, David Hayden, gerente de programa com doutorado em física, soube por seu gerente que seria demitido da empresa de semicondutores nLight. Preocupado com as mensalidades da faculdade de sua filha, ele imediatamente procurou recrutadores para marcar entrevistas. Em dezembro, um mês após ser demitido, assumiu um novo cargo na Lattice Semiconductor.

Em todas as entrevistas, Hayden, 56, disse que tinha sido demitido. Sua experiência durante a crise das pontocom, quando ele evitou demissões mesmo quando colegas talentosos eram dispensados, lhe ensinou que os cortes nem sempre são racionais.

"A vergonha de ser demitido acabou", disse Hayden. "As empresas sabem que muitas pessoas boas estão sendo demitidas agora."

Erin Sumner, recrutadora de software da Meta, controladora do Facebook, costumava se gabar para potenciais contratados de que a empresa foi a mais rápida a alcançar um valor de mercado de US$ 1 trilhão. Ela disse que salientava os pontos fortes da empresa, mesmo no ano passado, quando o preço de suas ações despencou e seu principal negócio, a publicidade digital, passou por dificuldades.

Quando rumores de demissões começaram a circular no ano passado, ela garantiu aos colegas que seus empregos estavam seguros, apontando para os mais de US$ 40 bilhões em dinheiro que a empresa tinha no banco. Mas em novembro ela mesma estava entre os 11 mil trabalhadores demitidos.

"Foi angustiante", disse Sumner, 32. Ela conseguiu um novo emprego como recrutadora-chefe de uma startup chamada DeleteMe, que visa remover as informações dos clientes dos resultados de pesquisas. Mas disse que se contrai cada vez que lê sobre mais demissões em tecnologia.

"Temo que a situação piore antes de melhorar", disse Sumner. "Não há garantia. Fui demitida pela empresa mais segura do mundo."

Uma reversão da sorte semelhante desafiou as empresas que vendem serviços de software. As ações da Salesforce, líder do setor, caíram quase 50% no ano passado, com a desaceleração do crescimento das vendas. A empresa esbanjou durante a pandemia, gastando US$ 28 bilhões para comprar a Slack Technologies, e aumentou o número de funcionários de 49 mil para 80 mil em dois anos.

Durante uma reunião geral na semana passada para discutir a decisão da empresa de demitir 10% dos funcionários, Marc Benioff, CEO da Salesforce, tentou criar empatia com sua equipe insatisfeita, colocando os cortes em contexto.

"Passei por muitos momentos difíceis nesta empresa. Cada perda relembra outra perda para mim", disse ele, segundo uma gravação ouvida pelo The New York Times. "Obviamente, estamos falando de uma ampla demissão. Penso nos funcionários que morreram. Penso nas pessoas que perdemos e que não queríamos perder."

Questionado sobre o conselho que daria aos funcionários que estavam preocupados com a situação da empresa e novas demissões, Benioff sugeriu "gratidão".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves