domingo, 9 de outubro de 2022

O basta de Malan, Arminio, Arida e Bacha, Elio Gaspari - FSP

 A nota dos economistas Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha antecipando seus votos no segundo turno da eleição presidencial é um documento histórico. Teve apenas uma frase de 14 palavras: "Votaremos em Lula no 2º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia".

Os quatro perderam parte da juventude na ditadura. Sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso (e de Itamar Franco), fizeram o Plano Real, que devolveu ao país o valor da moeda.

 Edmar Bacha, Pedro Malan, Arminio Fraga e Persio Arida.
Edmar Bacha, Pedro Malan, Arminio Fraga e Persio Arida - Zô Guimarães, Zanone Fraissat e Mathilde Missioneiro/Folhapress e Guito Moreto/Agência O Globo

Para quem associa ditaduras a desempenhos, vale lembrar que, ao fim de 1984, o regime se acabava com uma inflação de 215% e o país na bancarrota. Em 1996, ao fim do segundo ano do Plano Real, ela estava em 9,6%. (O posto Ipiranga de Jair Bolsonaro fechou 2021 com 10%.)

É possível que algum deles já tenha votado em candidatos do PT, mas não em Lula. Votarão nele porque defendem a democracia.

O gesto do quarteto recupera um momento emocionante ocorrido no início da manhã ensolarada de 23 de agosto de 1976, quando o marechal Cordeiro de Farias, amparando seus 75 anos numa bengala, entrou em silêncio no saguão da revista Manchete, onde velava-se o corpo de Juscelino Kubitschek.

Patriarca das revoltas militares do século 20, Cordeiro sabia o que estava fazendo. Em Brasília, o ministro do Exército, general Sylvio Frota, tentava convencer o presidente Ernesto Geisel a não decretar luto oficial. Não conseguiu.

Bolsonaro coleciona o apoio de máquinas, o quarteto ofereceu a Lula o peso de suas biografias. O PT nada tem a lhes oferecer, senão, como lembraram, uma "condução responsável da economia".

Vindo de economistas, os argumentos do quarteto em defesa da democracia podem parecer coisa de sonhadores. Contudo, eles informam que as ditaduras arruínam economias. Ganha um fim de semana em Caracas quem não acredita nisso.

Paul Samuelson (1915-2009), o grande economista americano, sabia disso quando tratou do Milagre Brasileiro na edição de 1973 de seu clássico "Economics".

Ele escreveu: "Quando se olha para o Anuário Estatístico da ONU, verifica-se que nos últimos anos o Brasil foi um verdadeiro Japão na América Latina, com taxas médias anuais de 10% de crescimento do PNB. A história mostra que é raro os despotismos benevolentes persistirem na benevolência e quase nunca conseguem manter-se eficientes. [...] Na vida real, o fascismo é incapaz de realizar até mesmo seu próprio projeto. [...] Mais entristecedor é testemunhar o sucesso econômico ocasional de tais regimes ditatoriais —coisa de curto prazo".

A editora brasileira de Samuelson pertencia ao banqueiro Cândido Guinle de Paula Machado. (Ele entregaria seu banco por um valor simbólico, mas essa é outra história.)

Foram mobilizados dois renomados economistas (Eugênio Gudin e Roberto Campos) para convencer Samuelson a cortar a referência. Os dois toparam e escreveram ao professor.

Não era necessário. Pressionado pela editora, Samuelson reescreveu a referência ao Brasil edulcorando-a.

Resultado: os americanos, que estudaram na edição do "Economics", foram avisados em 1973 que o Brasil podia quebrar. Os brasileiros micaram e o milagre se acabou em 1982.

Exigência de nome de Lula para Economia é pretexto para apoiar Bolsonaro, Janio de Freitas FSP

 Só um candidato idiota cairia na exigência, muito mais idiota, de que Lula revele já o seu ministro da Fazenda/Economia, para ser aceitável como Bolsonaro pelo empresariado.

Se exposto o escolhido, que talvez nem exista ainda, nada impediria que esses empresários continuassem financiando e atuando por Bolsonaro. Nem Lula, se eleito, estaria impedido de em pouco tempo demitir o ministro associado aos tais empresários.

Ex-presidente Lula e Fernando Haddad ao lado de Henrique Meirelles em agenda de campanha
Ex-presidente Lula e Fernando Haddad ao lado de Henrique Meirelles em agenda de campanha - Marlene Bergamo - 19.set.22/Folhapress

A pobreza mental e moral desse empresariado que age na política só por interesse direto, dominado por ganância e egoísmo patológicos, é responsável por grande parte das desgraças que assolam o país. A corrupção grossa começa por aí.

Lula governou por oito anos, encerrados há menos de 12, e saiu com 82% de aprovação ao seu governo. Não saber quais são as ideias e métodos, que o caracterizam como governante e como pessoa, só se explica por asnice insolúvel.

A exigência do nome já, e que saia da turma obcecada pelos cifrões privados, é só pretexto para apoiar Bolsonaro com o engodo de que o fazem por indefinição de Lula.

DECISIVAS

As mulheres e o Nordeste são os fatores mais relevantes desta eleição presidencial.

Ciro Gomes, paulista do Ceará, não deixou de acompanhar o grau de influência nordestina, embora à sua nova maneira surtada: a subida de Bolsonaro, nas primeiras pesquisas do segundo turno, saiu de Ciro Gomes por intermédio de seus aficionados persistentes.

Um presente dado ao bolsonarista explícito pelo bolsonarista implícito.

Bolsonaro deu sua explicação para o fracasso no Nordeste: "Lula venceu em 9 dos 10 estados com maior analfabetismo. São do nosso Nordeste". É a explicação de analfabeto. E analfabeto muito especial.

Dinheiro público deu-lhe o longo ensino escolar, os cursos da preparatória e da academia militar. Nessas etapas até foi pago para ser aluno.

Recebeu teto, comida e roupa lavada do ensino até ser apenas excluído do Exército, por terrorismo, em tramoia na Justiça Militar. Apesar de tudo isso, é um ignorantaço que mal disfarça o analfabetismo.

Como é possível que isso aconteça nas Forças Armadas, e está visto que não é raro, prova que não é pela escola fundamental ou média que a reforma do ensino se faz urgente.

sábado, 8 de outubro de 2022

Bolsonaro fica isolado no Círio de Nazaré após críticas da igreja, FSP

 Timóteo Lopes

BELÉM

O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, e as deputadas federais Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF) estiveram neste sábado (8) a bordo da Corveta da Marinha Garnier Sampaio, embarcação que leva a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré, e ficaram isolados no Círio Fluvial, em Belém.

Esta é a segunda vez que o presidente acompanha a festa —a primeira foi em 2015, quando ainda era deputado. Bolsonaro embarcou no navio por volta das 6h30 e foi direto para a sala de comando —não chegou a se aproximar, em nenhum momento, da padroeira dos paraenses.

A procissão pelas águas da baía do Guajará faz parte das 13 romarias do Círio de Nazaré, considerada uma das maiores festas religiosas católicas do mundo.

O presidente e candidato a reeleição Jair Bolsonaro (PL) participou do Círio de Nazaré, em Belém (PA). Bolsonaro acompanhou a Corveta da Marinha Garnier Sampaio, que levava a imagem de Nossa Senhora de Nazaré - Thiago Gomes - 8.out.22/Onzex Press e Imagens/Agência O Globo

Após recados críticos no dia anterior da própria Arquidiocese de Belém, que disse não ter convidado o presidente e criticou qualquer uso político do evento, Bolsonaro deixou o local sem discursar.

Em rede social, Bolsonaro compartilhou uma foto para mostrar a seus seguidores que estava em Belém, com a legenda "Sírio" de Nazaré. A foto do post foi apagada e republicada sem o erro de grafia.

O Planalto informou à Folha que Bolsonaro foi à capital paraense como chefe de Estado para participar do Círio. A Marinha do Brasil preferiu não comentar.

"Comunicamos não ter havido nenhum convite da parte da arquidiocese de Belém, nem da diretoria da festa de Nazaré, a qualquer autoridade seja em nível municipal, estadual ou federal", disse nota assinada pelo arcebispo de Belém, dom Alberto Taveira Corrêa.

"Temos o dever de observar a plena liberdade de qualquer cidadão ou cidadã de participar dos eventos do Círio de Nazaré. Todavia, não desejamos e nem permitimos qualquer utilização de caráter político ou partidário das atividades do Círio", completou.

O prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL), criticou o que chamou de tentativa de Bolsonaro de usar a festa religiosa como palanque político.

"Recebi com profundíssima indignação a tentativa do uso político da maior demonstração de fé do povo paraense. A fé não pode ser sequestrada por uma candidatura à Presidência. Aliás, de um candidato que sequer é católico", afirmou, apesar de Bolsonaro se declarar católico.

A romaria fluvial reuniu centenas de embarcações. Na chegada, na escadinha do cais da Estação das Docas, antiga área portuária da capital paraense, o comandante do navio da Marinha, pela primeira vez, foi quem entregou a Imagem Peregrina de Nazaré ao arcebispo metropolitano de Belém, Dom Alberto Taveira Corrêa.

A padroeira dos paraenses e Rainha da Amazônia foi, posteriormente, conduzida pelo prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, em revista à tropa das Forças Armadas, seguindo o protocolo de honraria de chefe de Estado. Bolsonaro só desceu do navio da Marinha, após o término da cerimônia e foi embora sem falar com a imprensa. O Planalto não comentou.

Em 2009, a ex-presidente Dilma Rousseff, quando ainda era ministra da Casa Civil e pré-candidata do PT à Presidência da República, acompanhou o Círio de Nazaré e chegou a fazer propaganda da gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do projeto Minha Casa, Minha Vida.

Lula foi convidado pelo governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), para participar do Círio neste ano, mas recusou o convite.

"Eu não gosto de fazer nenhum gesto que possa parecer que eu estou utilizando a religião para fazer política. Uma das coisas que eu tinha vontade de ver há muito tempo é o Círio de Nazaré, mas eu não vou porque é um ano de eleição", disse Lula.