sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Cantareira entra em nível de alerta, mas Sabesp descarta risco de racionamento, OESP

 José Maria Tomazela, O Estado de S.Paulo

18 de agosto de 2021 | 05h00

Sete anos após uma crise hídrica histórica, quando o paulistano recebia bônus se consumisse menos água, o Sistema Cantareira, principal fornecedor de água para a região metropolitana de São Paulo, voltou a atingir nível crítico. Nos últimos cinco dias, os reservatórios operaram em estado de alerta por falta de chuvas. O volume útil chegou a 39,9% no dia 11 e continua caindo. Na sexta, estava com 39,7% e, na manhã desta terça-feira, baixou a 39,2%. Mesmo assim, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) descarta desabastecimento.

Para estar em situação normal, o sistema que abastece 7,2 milhões de pessoas por dia, incluindo parte da capital, deveria estar com pelo menos 60% de sua capacidade. Abaixo de 40% é situação de alerta, segundo regras operacionais definidas pela Agência Nacional de Águas (ANA). Documento do Consórcio PCJ (responsável por gerenciar as Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí), afirma que o sistema deve chegar a dezembro com apenas 20,2% do volume útil, situação parecida com a crise hídrica de 2014/15

Em baixa
Área próxima ao reservatório do Rio Jacareí: em nenhum mês deste ano as chuvas atingiram a média esperada no Sistema Cantareira  Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADAO

Conforme o PCJ, em nenhum mês deste ano as chuvas atingiram a média esperada no Sistema Cantareira. O índice de chuva, até julho, ficou 39% abaixo da média histórica. Este mês, choveu 0,1 milímetro para média histórica de 33,2 mm. O Estadão mostrou na semana passada que ao menos 53 cidades do Sul, do Sudeste e do Centro-Oeste já racionavam água por causa da escassez de chuvas. 

As vazões baixas e a escassez de chuvas levaram a equipe técnica do Consórcio PCJ a entender que tanto o Cantareira como as demais bacias da região estão sob a ação de um evento climático extremo, com potencial para causar impactos ainda em 2021 e com reflexos no próximo ano. "O Sistema Cantareira adentrou o mês de agosto com apenas 41,4% de volume armazenado. No mesmo período do ano passado, operava com 52,2%", disse o secretário executivo Francisco Lahóz. "Este ano, a previsão é de que o ápice da estiagem continue até o início de outubro."

Lahóz lembrou que, na crise de 2014/15, foi necessário usar o volume morto, reserva que fica abaixo das tubulações de captação, para não deixar a população sem água. A situação atual, segundo ele, é menos crítica porque há novos sistemas de abastecimento na região. "Em 2018, o governo do Estado inaugurou duas obras importantes, o reservatório de São Lourenço, oferecendo mais 5 m³/s, e a transposição do Rio Paraíba, através da Represa do Jaguari, em Igaratá, trazendo mais 7 m³/s, o que soma 12 m³/s para aliviar o Cantareira."

Mesmo assim, a situação exige cuidados, segundo ele. "Nos últimos quatro anos, tanto na afluência do Cantareira como nas bacias do PCJ, registramos reduções de 17,5% ao ano nos volumes de chuva, abaixo das médias históricas." Para o especialista, os governos devem iniciar campanhas para economia de água. "Para a Grande São Paulo e para as cidades das bacias do PCJ, recomendamos que o consumo de água seja apenas o absolutamente necessário."

Patamar crítico
Área próxima do reservatório do Rio Jacareí tem sofrido os impactos da seca; a Sabesp nega ameaça de desabastecimento, mas pede que a população economize água  Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADAO

Ele alerta que, em 2022, ainda deverá persistir uma situação crítica e, por isso, as empresas e grandes centros comerciais precisam ter cisternas para reservar água. Na zona rural, devem ser feitas bacias de contenção para segurar as chuvas. "A situação de 2021 é de alerta, mas acreditamos que vamos ter o abastecimento sem necessidade de medidas de contingência mais severas", disse.

Redução

Com o estado de alerta, a Sabesp tem de reduzir o volume captado no Sistema Cantareira de 33 metros cúbicos por segundo, a quantidade autorizada atualmente, para 27 m³/s a partir de 1º de setembro, para preservar o reservatório. Mas o presidente da companhia, Benedito Braga, disse que há muito tempo já vem sendo retirado um valor menor, de 23 metros cúbicos por segundo. Isso acontece, segundo ele, porque foram realizadas obras que deram mais segurança hídrica à região metropolitana de São Paulo, como a interligação Jaguari-Atibainha e o novo Sistema São Lourenço, em operação desde 2018, reduzindo a dependência do Cantareira.

"Fizemos ainda a integração entre os sistemas, permitindo a transferência de água de um para outro, conforme a necessidade", diz Braga. "Com isso, pudemos reduzir a população atendida pelo Cantareira de 9 milhões para 7,2 milhões, o que nos dá condições de afirmar que não há risco de desabastecimento neste momento de estiagem e nos próximos meses. Há dez anos, estamos com chuva abaixo da média na região, sem rodízio, sem racionamento."

Braga destacou o investimento em mais um sistema que vai complementar o abastecimento da região metropolitana, trazendo água do Rio Itapanhaú, que corre para o oceano. "Estamos terminando a obra que até julho de 2022 vai nos dar mais 2 mil litros de água por segundo, suficiente para abastecer uma cidade de 600 mil habitantes, quase do tamanho de Osasco." Ele lembrou que a capacidade de transferência de água tratada foi quadruplicada em relação ao período anterior à crise de 2014/15, passando de 3 mil para 13 mil litros por segundo.

Conforme o presidente da Sabesp, embora isso não seja definido pela companhia, não há previsão de aumento na conta de água em razão da estiagem. Ele anunciou o início de uma campanha de conscientização para o uso racional da água a ser lançada nos meios de comunicação tradicionais e nas mídias digitais. Também informou que a Sabesp pretende "olhar com mais carinho" uma obra prevista no plano da macrometrópole paulista, que prevê trazer água da Represa de Jurumirim, na região de Avaré, para a Grande São Paulo e as regiões de Sorocaba, Itu e Campinas.

  

Ciclo de seca deve durar até cinco décadas, diz especialista

O ciclo de seca que afeta o Sistema Cantareira deve durar entre três e cinco décadas, diz Antonio Carlos Zuffo, especialista em recursos hídricos da Unicamp. Para ele, a nova realidade impõe mudanças nos hábitos de consumo. “Teremos de adaptar nossas necessidades de água a essa redução de 20% a 30% na disponibilidade e, se os gestores não assumirem que existe essa redução, a situação ficará mais difícil.”

De acordo com Zuffo, a redução das precipitações vai afetar todos os sistemas de água, e não só o Cantareira. Mas, diz ele, uma crise como a de 2014/15 só deve voltar a ocorrer dentro de cinco ou seis anos.


quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Afobação, Daniel Martins de Barros, O Estado de S.Paulo


19 de agosto de 2021 | 03h00

Nos meus estudos sobre a emoção humana, às vezes, me deparo com palavras difíceis de classificar apenas em seu aspecto emocional. Veja o caso de afobação, por exemplo. Ela tem algo de ansiedade, concorda? A pessoa afobada está com pressa, tem alguma urgência; tal pressão leva usualmente a uma aceleração do raciocínio, uma prontidão motora para agir, quando não a sintomas físicos como taquicardia e respiração ofegante.

Tal descrição não resume a afobação, no entanto. Há mais: a pressão está ligada a um prazo, um limite de recursos – seja tempo, dinheiro, energia, paciência – que ameaçam se esgotar antes de realizada a tarefa. Ela é acompanhada, portanto, de uma aflição por receio de não conseguir dar conta de algo. Daí a pressa.

E isso não é tudo. A requerida celeridade turva, em parte, a precisão do pensamento e dos movimentos, colocando o afobado em um constante risco de meter os pés pelas mãos. Fazer as coisas de maneira afobada é se arriscar a fazer errado.

Isso acontece com relativa frequência durante qualquer tratamento médico que não seja de curto prazo. É fácil tomar remédios por pouco tempo, mas aumente a duração do tratamento para ver cair exponencialmente a adesão. Conforme os sintomas melhoram, diminui a percepção de necessidade de tomar adequadamente a medicação. A paciência com os efeitos colaterais vai acabando, o dinheiro gasto em comprimidos aumenta, tudo conspirando para afligir o paciente. Se ele e o médico cedem a essas pressões e decidem parar os remédios de maneira afobada, é grande a chance de por tudo a perder. Vejo muito isso acontecer no consultório – são pacientes que usam remédios há anos a fio porque não gostam de tomar remédio. Na pressa para se livrar deles, interrompem afobadamente a medicação, têm recaída e assim estendem por anos algo que poderia durar meses.

Esse é o risco que estamos correndo atualmente no que diz respeito ao uso das máscaras. O Brasil sempre esteve alguns meses atrás dos Estados Unidos e da Europa com relação à pandemia, mas, em várias ocasiões, deixamos de aproveitar a oportunidade de saber antes o que ia acontecer. Agora vimos o que aconteceu em vários estados norte-americanos e no Reino Unido quando as máscaras foram abandonadas de maneira, diria, algo afobada. As pessoas tinham pressa de sentir que estava tudo resolvido, que a vida estava totalmente normal, que a pandemia era coisa do passado. Mas, aflitas, acabaram não tomando a melhor decisão, levando a novos picos de contaminação, internação e mortes.

É uma lição que podemos aprender. Acabou a quarentena no Estado de São Paulo. É o fim de uma série de restrições e um caminho em direção à vida normal. Mas a pandemia em si não acabou e uma doença contagiosa respiratória, potencialmente grave e eventualmente fatal continua sendo (muito) transmitida por via respiratória. Não é hora de abandonar as medidas de proteção individual, portanto.

Sim, estamos todos angustiados pelo fim dessa situação. Mas, se formos afobados, perpetuaremos o problema por ainda mais tempo. Exatamente como os pacientes que tomam remédio por anos porque não gostam de tomar remédio.

É PSIQUIATRA DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS, AUTOR DE ‘O LADO BOM DO LADO RUIM’

'Populismo eleitoral de Bolsonaro já aparece no mercado. A euforia acabou', diz ex-presidente do BC -Entrevista com Affonso Celso Pastore, OESP

 Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo

19 de agosto de 2021 | 05h00

BRASÍLIA - Ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore diz que está "comprada" uma desaceleração do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, ano de eleições, com a ação do BC para barrar o descontrole da inflação. 

Ao Estadão, Pastore diz que o populismo eleitoral do presidente já está retratado na piora dos preços e indicadores do mercado. A euforia da “Faria Lima” (principal centro financeiro da capital paulista) e com a recuperação da economia e das contas públicas acabou, e os empresários também acordaram, avalia. “O empresariado acordou. O despertador tocou tão forte, que não deu para ficar dormindo”, afirma. 

"A euforia foi embora. Agora, o risco já está aparecendo na Bolsa. Acabou o entusiasmo, a Bolsa devolveu o que tinha ganhado esse ano. Esse é o clima com o qual o nosso presidente vai entrar na campanha eleitoral de 2022."

A preocupação agora é com o que Jair Bolsonaro pode fazer diante de um cenário econômico mais adverso, justamente no ano em que vai tentar a sua reeleição. Para Pastore, uma piora da economia com a combinação de inflação e juros altos, desemprego e baixo crescimento, que tira popularidade e voto em 2022, pode levar o presidente a forçar uma ruptura institucional. "O presidente está dizendo que ele nega o resultado da eleição. Isso é muito grave", afirma. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O mercado estava eufórico há alguns meses, a Bolsa subindo e o dólar cotado a menos de R$ 5. O que mudou?

A inflação é sempre o bandido do filme. Nesse período, ela foi o mocinho. Quando o ministro (da EconomiaPaulo Guedes e o Arthur Lira (presidente da Câmara) fecharam o acordo do Orçamento ninguém contava com o crescimento do PIB nominal.  Têm vários impostos que crescem com o PIB nominal. Tivemos a arrecadação tributária crescendo muito e vamos chegar com um déficit bem menor, abaixo de 1,5% do PIB. O mercado financeiro se animou. Disseram: ‘Que coisa boa! Baixou o risco’. A Faria Lima entrou em festa.  A inflação acelerou e o espaço no teto de gastos será menor. E quando estava nesse ponto caiu na cabeça do Paulo Guedes um meteoro chamado precatório (dívidas judiciais que a União precisa quitar).

Affonso Celso Pastore
Para Affonso Celso Pastore, ex-diretor do Banco Central, a perspectiva para a economia em 2022 é muito ruim e isso abre a possibilidade de uma ruptura institucional Foto: Werther Santana/Estadão

O cenário de agora de piora de outros indicadores pode empurrar o presidente Bolsonaro para uma agenda mais populista eleitoral?

Eu acho que ele vai tentar fazer um programa Bolsa Família maior. Na democracia, cada pessoa é um voto. O desempregado e o pobre têm o mesmo voto que o presidente de um banco. E tem muito mais desempregado e pobre. E o presidente precisa do voto. Quer ele olhe isso do ponto de vista humanitário, quer seja populista, que é o que eu acho que ele é, vai tentar fazer esse programa. Só que ele não tem espaço por causa do aumento dos precatórios. Ele manda uma PEC de parcelamento dos precatórios. Não muda o teto, mas muda a lei e pensa que está todo mundo distraído. Mas não está. O câmbio, que tinha chegado em R$ 5, está agora em R$ 5,30. A taxa de juros de 10 anos, que andava lá por 8%, já está acima de 10%. A euforia foi embora. Agora, o risco já está aparecendo na Bolsa. Acabou o entusiasmo, a Bolsa devolveu o que tinha ganhado esse ano. Esse é o clima com o qual o nosso presidente vai entrar na campanha eleitoral de 2022.

Qual será a prioridade dele?

A única prioridade que eu consigo ver na cabeça do Bolsonaro é se reeleger. Ele tem razões familiares, pessoais, de todos os tipos, a ponto de hostilizar as instituições e fazer uma campanha contra o voto eletrônico. A ponto de anunciar que vai pedir impeachment de ministros do Supremo, que estão simplesmente exercendo a sua função. Entre Executivo e Legislativo, a não ser a postura do Senado que está mais sóbria, eu tenho a impressão que há uma combinação de interesses muito forte. O Centrão está dentro do Executivo e dominando a Câmara. Independência aqui é uma questão questionável. Esse é o clima. Empresários já não estão tão quietos, porque depois daquele manifesto, já temos visto gente que saiu da casca.

Por que demorou tanto para sair da casca?

O sujeito não está acostumado. Ele não foi treinado para isso. Foi treinado para ser empresário. Ele espera que as coisas melhorem. Mas chega o momento que qualquer um sai da casca. Eu até admito que a demora seja explicável. Mas saiu, começou. O empresariado acordou. O despertador tocou tão forte que não deu para ficar dormindo. Acordou e saiu da casca.

Qual o peso da crise institucional provocada pelo presidente em afugentar os investimentos?

Do ponto de vista de insegurança jurídica sobre investimentos, é péssimo. Se esperava que haveria investimento maior no ano que vem. O governo não pode gastar mais, porque se ele gastar mais, a situação fica pior. Tem gente que cinicamente diz que o presidente não vai furar o teto, mas olha o artigo do Felipe Salto (diretor-executivo da IFI) no Estadão. No artigo, ele está dizendo: não furou o teto porque subiram com o teto. Pode até dizer em público que o teto foi atendido, mas ele mudou. Consequentemente, sobem o câmbio e juros e Bolsa cai. Isso é que me leva a dizer: o ano de 2022 é de perspectivas muito ruins.

Muitos se enganaram com essa melhora das contas públicas?

Sabe o que é miopia? Ele vê só o que está pertinho dele. Antes da minha operação de cataratas, eu usava óculos de fundo de garrafa. Quando o tirava, eu via só dois centímetros na minha frente. No campo político, muita gente é extremamente míope, horizonte curtinho, só consegue ver cinco minutos à frente.

Mas o mercado também não quis ver dessa forma por causa das apostas que tinha?

Claro. Há algum tempo eu tenho dito que tendência do real é ficar fraco e tem operador de banco, que ganha dinheiro em cima disso, e defende para os seus clientes que o real vai se valorizar.  O interesse dele é o bônus, o cara se engana a si mesmo e depois toma um susto e aí já é tarde. Eu não estou dizendo que o real vai ficar fraco porque sou malévolo. Eu estou falando porque estou vendo o risco, pipocas! Não estou interessado em vender um produto falso, mas em olhar as coisas como eu vejo.

Entre a deterioração das expectativas para 2022, qual é a mais perigosa?

Se os economistas que respondem a pesquisa Focus (do Banco Central) adquirirem coragem, vão ter que começar na semana que vem em diante a reduzir a previsão de taxa de crescimento do PIB. Quando eles olharem esse clima que já chegou ao câmbio e na taxa de juros, terão que fazer previsões de subida de juros maiores do que estavam fazendo e botar a taxa de câmbio mais depreciada. Aí, vamos ver as reações. Há uma grande decepção de todo mundo em relação ao ministro Paulo Guedes. Vem o cara e diz que vai fazer um fundo para pagar precatórios. Ele diz que não sabia dos precatórios. Eu vi no Estadão o aviso que a AGU mandou. E o governo não se mexeu.

O ministro Paulo Guedes está cedendo muito para ficar no cargo?

Não sei. O fato é que ele está cedendo.

Qual o risco de aprovação de projeto às pressas, com o da reforma do Imposto de Renda, que pode aumentar as distorções?

O Centrão e o governo são extremamente sensíveis aos grupos de pressão da sociedade. Quantos votos os caras que estão no Simples têm? Tem muito voto? Então alivia para eles. Quantos votos tem quem está no lucro presumido? Alivia para eles. Não é uma reforma do Imposto de Renda feita em cima de princípios econômicos. Para poder ter isso, teria que ter um ministro da Economia que trabalhasse para obter uma reforma que fosse para o benefício do País, da sociedade como um todo e não dos grupos de pressão que querem se defender. Ele não tomou nenhuma iniciativa nessa direção e não atuou como ministro da Economia. A reforma foi para o Congresso, que é uma caixa de ressonância e que responde aos grupos de pressão, quaisquer que eles sejam. Nem o Congresso nem o ministro da Economia estão olhando o Brasil,  pensando em melhorar o crescimento e a distribuição de renda.

A combinação de menor crescimento, inflação alta e desemprego em 2022 não pode levar o presidente a acionar mais gastos para reverter esses problemas?

Há uma probabilidade alta que ele faça isso quando enxergar que a popularidade dele está baixa e que corre risco. Ele é um populista. Só que não precisa esperar isso acontecer para que apareça no preço dos ativos (dólar, juros, Bolsa).

O sr. quer dizer que o populismo eleitoral do presidente já está nos preços?

Já está aparecendo. Não posso dizer que está inteiro nos preços. Num pedaço dos preços, já está lá. O que é essa crítica do Felipe Salto? É uma crítica ao populismo dele. O mercado já percebeu que o teto de gasto é volúvel, flexível. Sabe-se que não se consegue segurar a inflação se não tiver uma âncora. Uma âncora flutuante não segura nada. A âncora fiscal que nós temos é flutuante. Não serve!

No cenário de hoje, a economia vai jogar contra ou a favor do presidente em 2022?

Inflação alta, desemprego elevado, crescimento baixo é cenário hostil a qualquer governo. O que precisamos ver é qual será a reação do governo a isso. Só que o presidente diz o seguinte: ‘se não for eu, a eleição é fajuta’. Será que ele vai em frente? O temor é que isso abra a possibilidade de uma crise institucional e um problema mais sério no campo político.

Como o sr. traduz isso?

O presidente está dizendo que ele nega o resultado da eleição. Isso é muito grave.

Uma piora da economia, que tira voto em 2022, pode levar o presidente a forçar a ruptura institucional?

Exatamente isso com todas as letras.

Dos três problemas de agora, inflação, desemprego e risco de crescimento menor, qual é o mais grave?

Todos eles, porque vêm juntos.

O BC sinalizou que terá que derrubar o crescimento econômico para controlar a aceleração da inflação. Estão caindo na real?

Esse negócio não é imediato. Tem a velha história de que as defasagens da política monetária (o controle da inflação pela calibragem da Selic) são longas. A taxa de juros está subindo agora e ela só estará no nível restritivo daqui a alguns meses. Isso vem no ano que vem. Em 2021, o Brasil se recuperou mais depressa em parte porque teve um impulso vindo das exportações. Como estávamos numa fase de política monetária estimulante (ou seja, com redução da Selic), isso levou a um crescimento adicional de demanda e tivemos neste ano uma recuperação forte. Agora, a inflação está feia. E não é uma inflação que vem só de preços administrados, só do câmbio. No índice de difusão da inflação, 70% dos preços coletados pelo IBGE para fazer o cálculo estão em ascensão. Isso está indo para as expectativas.

Qual a saída?

Quando se chega nesse estágio, o Banco Central ou vai para uma política monetária restritiva, reduzindo a demanda agregada e deliberadamente produzindo a desaceleração da economia, ou a inflação vai embora... O BC acabou caindo numa armadilha ao demorar para começar a subir juros. Ele estava excessivamente preocupado com a recuperação em V da economia. A retórica dele foi de que estava buscando a meta de inflação, mas na prática ficou atrás da curva. O ponto mais importante é que os efeitos não são instantâneos. Eles demoram. Vamos ter que passar 2022 com taxa de juros alta. Isso significa que, no ano que vem, já está comprada uma forte desaceleração do crescimento.

Não se percebeu esse risco?

Ou eles são cínicos ou estão distraídos. Quando cresce todo mundo fica contente. Aí, o BC vem e diz que vai subir os juros acima da taxa neutra. Eu comecei a perguntar o que você entende como taxa de juros real acima da neutra? “Uma taxa de juros mais alta...”. Eu falei: Não, é uma política restritiva que significa que o PIB atual vai cair em relação ao seu potencial. Tínhamos antes da pandemia uma estimativa de potencial de crescimento de 2%. Com a pandemia, é provável que esse potencial durante algum tempo vá ficar abaixo de 2%, porque tem empresa que foi muito ferida durante a recessão, tem desemprego. Imagina, por exemplo, um crescimento de 1% . Poderemos ter facilmente um ou outro trimestre em que o crescimento seja negativo.