quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Mundo chega à marca de 1,5 milhão de mortos por Covid-19 com recordes diários e à espera da vacina, FSP

 

SÃO PAULO

O mundo chegou ao total de 1,5 milhão de mortos pelo novo coronavírus nesta quinta-feira (3), quase 11 meses após o primeiro óbito oficial notificado, em 11 de janeiro, e cerca de oito meses depois de a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarar que a Covid-19 era uma pandemia, em 11 de março.

O número —1.501.076, de acordo com os dados compilados pela Universidade Johns Hopkins — é maior que o total de mortos por tuberculose em todo o mundo em 2019 (1,4 milhão) ou que toda a população de Recife.

A marca é batida em meio a novos recordes tétricos, mas, ao mesmo tempo, a notícias animadoras relacionadas a uma vacina que possa pôr fim à pandemia.

Um dia antes, o Reino Unido se tornou a primeira nação do mundo a aprovar o uso em massa de uma vacina seguindo os protocolos usuais de conclusão de testes e divulgação de eficácia. A vacina da farmacêutica americana Pfizer com a empresa de biotecnologia alemã BioNTech, cuja eficácia foi calculada em 95%, estará disponível a partir da próxima semana para a população britânica.

Nesta quarta, porém, a Itália registrou 993 mortes por Covid-19 nas últimas 24 horas, número que superou o recorde anterior de 969 mortes em 27 de março, até então auge da pandemia, segundo anúncio oficial do governo.

E os Estados Unidos, que ocupam o primeiro lugar em total de mortos, com 274.577, alcançaram um novo e triste recorde: mais de 100 mil pessoas hospitalizadas com Covid-19. É a primeira vez que esse teto é superado no país mais afetado pela pandemia.

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O país lidera também em número de casos, com mais de 14 milhões até esta quinta-feira (3). Em segundo lugar, a Índia registrou 9.534.964 casos.

No Brasil, segundo país com maior número absoluto de mortes, até a última quarta-feira (2) foram registrados 174.531 óbitos, de acordo com os dados do consórcio de veículos de imprensa. Em total de casos, foram registrados, no Brasil, mais de 6,4 milhões, atrás somente dos EUA e da Índia.

A escalada do número de novos casos e óbitos, desde meados de outubro, causa preocupação especialmente após uma desaceleração no início de setembro.

Em menos de dois meses, foram registradas quase 25 mil mortes no Brasil. Os números acompanham uma projeção realizada pelo Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington, um dos maiores centros de pesquisa em doenças globais, que previu 180 mil mortes até o dia 1˚ de janeiro no país.

Os países europeus, que viram o surgimento de uma segunda onda forte nos últimos meses, também preocupam ao baterem recordes do início da pandemia. Além da Itália, a França tem registrado novos picos diários praticamente toda semana desde o início de outubro, quando o país bateu pela primeira vez a marca de 30 mil casos em um dia. A Alemanha atingiu a marca de 1 milhão de infectados no último dia 27.

Bélgica e Espanha são os países europeus com as maiores taxas de mortes por milhão de habitantes, com 1.456 e 985 respectivamente, seguidos da Itália (961) e Reino Unido (884). Na sequência vêm Argentina (863), Estados Unidos (847), México (831), França (829), Brasil (824) e Chile (803).

Medidas de restrição e de toque de recolher foram anunciados para diversos países europeus, em uma medida de tentar conter o avanço do coronavírus. No Reino Unido de Boris Johnson, que afirmou que o país não aguentaria um segundo lockdown, um novo confinamento foi estipulado até o último dia 1˚ de dezembro.

Desde a última quarta-feira, a Inglaterra saiu de seu segundo confinamento, mas deve adotar, até fevereiro, um sistema de alerta de três níveis, o qual impõe restrições locais.

A França viu um afrouxamento das medidas restritivas no último dia 24, quando o presidente Emmanuel Macron permitiu a reabertura de lojas, teatros e cinemas no país, mas reforçou a restrição a bares e restaurantes. O país viveu por mais um mês, a partir do dia 30 de outubro, um fechamento nacional —menos rígido, no entanto, do que o lockdown que vigorou entre março e maio.

A Alemanha estendeu o lockdown parcial até 10 de janeiro. A Grécia viu suas ruas desertas no início de novembro, após um novo confinamento de três semanas frente ao aumento de novos casos.

A Bélgica segue em confinamento até meados de dezembro, com o funcionamento das lojas até 22 horas, e com permissão apenas de venda para retirada em estabelecimentos como restaurantes e bares.

Até o início de maio, a Espanha enfrenta um toque de recolher que proíbe a presença nas ruas das 23 horas até as 6 horas da manhã.

VACINA

Além da crise sanitária instalada, que já levou à contaminação de mais de quase 65 milhões de pessoas em todo o mundo, a pandemia do coronavírus trouxe também uma crise econômica mundial, ainda mais agravada pela desigualdade social em todo o mundo.

A corrida pela vacina contra a Covid-19 é mais um dos indicadores dessa desigualdade. Enquanto há, no momento, cerca de 200 candidatas à vacina em todo o mundo, os imunizantes que estão em fase mais avançada de desenvolvimento ou já entraram com pedido de aprovação, como a da Pfizer e da Moderna, foram adquiridos quase em sua totalidade por países ricos.

O premiê russo Vladmir Putin afirmou que sua vacina, a Sputnik V, produzida pelo Instituto Gamaleya, deve alcançar também 95% de eficácia, embora dados oficiais do ensaio clínico e da análise interina ainda não tenham sido divulgados. O governo russo foi o primeiro a aprovar, em agosto, o seu imunizante para uso emergencial na população, embora tenha sido fortemente criticado por especialistas, que disseram não haver divulgação de resultados de fases anteriores que garantissem a segurança da vacina.

Nos EUA, o governo Trump investiu mais de U$1,3 bilhão (cerca de 6,7 bilhões de reais) para compra e desenvolvimento de vacinas no país, incluindo a produzida pela empresa de biotecnologia Moderna com o governo, cuja eficácia divulgada na última segunda-feira foi de 94,1%. O país norte-americano já garantiu mais de 300 milhões de doses de diferentes fabricantes para imunizar sua população ainda em 2020.

A OMS, por meio do consórcio Covax Facility, estipulou que os países em desenvolvimento ou com menos recursos devem conseguir vacinar até 20% de suas populações por meio das vacinas integrantes do Covax, garantindo assim imunização para essas populações. Porém, até o momento não foi divulgado nenhum cronograma de quando as vacinas incluídas no plano estarão disponíveis.

No Brasil, o governo federal firmou acordo com a Universidade de Oxford (Reino Unido), que desenvolve vacina em parceria com a farmacêutica AstraZeneca. A vacina da Oxford, no entanto, deverá ter seus ensaios clínicos de fase 3 reconduzidos após identificação de um erro no protocolo, que levou a um cálculo de eficácia diferente do imunizante.

Além da Oxford, o governo adquiriu também cerca de 42 milhões de doses do consórcio Covax Facility. Na última terça-feira, o Ministério da Saúde divulgou o plano de vacinação no país, cujo início deve ser em março de 2021, com término até dezembro do mesmo ano.

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) afirmou ser possível iniciar a vacinação já em janeiro, após aprovação e registro na Anvisa, da vacina desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac, através de parceria com o Instituto Butantan, que deverá envasar e produzir o fármaco no país.

A expectativa do governo paulista é que o montante de 46 milhões de doses, suficientes para imunizar parte da população do estado, a começar pelos grupos de risco e profissionais de saúde, chegue no estado até a primeira quinzena de janeiro.

Manchetes - Guy Perelmuter, O Estado de S.Paulo


03 de dezembro de 2020 | 06h52

Há menos de nove anos — mais precisamente, em março de 2012 — o empreendedor chinês Zhang Yiming fundou a ByteDance, uma empresa de tecnologia com foco em aplicativos para uso via Internet. Recentemente, a ByteDance frequentou os noticiários do mundo todo em função da disputa entre o governo norte-americano e chinês em torno de um de seus produtos: a rede social de compartilhamento de vídeos TikTok (que foi lançada globalmente há pouco mais de dois anos). Estima-se que o número de usuários do serviço na China (onde chama-se Douyin) e no resto do mundo ultrapassa um bilhão de pessoas: em 2019, estima-se que a ByteDance obteve receita total de cerca de US$ 20 bilhões (e nesse mesmo ano, Zhang Yiming foi considerado pela revista Time uma das cem pessoas mais influentes do mundo).

Em um movimento inédito, e alegando que as informações coletadas pelo sistema estariam sendo compartilhadas com o Partido Comunista Chinês, o uso da rede social nos EUA ficou condicionado à compra de suas operações por uma companhia daquele país. A TikTok nega o compartilhamento das informações que são coletadas — algo que não só ela, mas toda rede social ou serviço online que qualquer um de nós utiliza acaba fazendo, de uma forma ou de outra. Leis como a LGPD (“Lei Geral de Proteção de Dados”) no Brasil ou a GDPR (“General Data Protection Regulation”, ou “Regulamento Geral de Proteção de Dados”) na Europa visam proteger o consumidor final do uso indevido de suas informações pessoais, que são compartilhadas a cada interação com serviços de base tecnológica.

Empresas e serviços de tecnologia utilizam os dados de seus usuários para tentar melhorar sua experiência final e, como consequência, fazer com que esses mesmos usuários permaneçam mais tempo usando o serviço. Isso aumenta o valor de cada click e de cada propaganda que aparece nas telas de todos os tamanhos. As recomendações da próxima série a assistir no Netflix, do próximo produto a comprar na Amazon ou do próximo link a clicar no Google são uma consequência direta da análise que algoritmos sofisticados realizam sobre a forma como os próprios serviços são utilizados individual e coletivamente — e esses “algoritmos sofisticados” são uma peça-chave na disputa geopolítica entre Estados Unidos e China que discutimos nas colunas sobre a nova rota da seda, a potencial cisão da Internetcensura na Internet e sobre ciberespionagem.

A história de sucesso da ByteDance começa com o lançamento de um app de notícias chamado Toutiao (ou “Manchetes”), poucos meses após sua fundação. Atualmente, cerca de 120 milhões de pessoas utilizam o serviço na China, passando em média cerca de 75 minutos por dia na plataforma — mais que o tempo médio de uso no Facebook (58 minutos), Instagram (53 minutos) ou Snapchat (50 minutos) de acordo com o site Broadband Search. Utilizando técnicas de machine learning (aprendizado de máquina), o sistema fornece sugestões personalizadas conforme o perfil de uso de seus usuários e suas interações em diversas redes sociais. Entretanto, a plataforma não se limita a recomendar conteúdo: ela também é capaz de gerar conteúdo — e de forma autônoma. 

Desenvolvido em uma parceria entre a Universidade de Pequim e o Laboratório de Inteligência Artificial da ByteDance — mais um exemplo da produtiva integração entre academia e indústria — o “Xiaoming Bot” publicou 450 artigos durante as Olimpíadas de 2016, realizadas no Rio de Janeiro, em média dois segundos depois do encerramento do evento. Técnicas de inteligência artificial também são utilizadas para otimizar as recomendações de conteúdo, via processamento de linguagem natural e análise de big data. E é justamente sobre a adoção de sistemas inteligentes em larga escala — seja de forma supervisionada ou não — e seus impactos que iremos falar em nossa próxima coluna. Até lá.  

*Fundador da GRIDS Capital e autor do livro "Futuro Presente - o mundo movido à tecnologia",vencedor do Prêmio Jabuti 2020 na categoria Ciências. É Engenheiro de Computação e Mestre em Inteligência Artificial