quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Presidente cometeu suicídio político, diz ex-tucano e ex-bolsonarista em livro, FSP

 Fábio Zanini

Ex-secretário particular de Fernando Henrique Cardoso na Presidência, fundador do PSDB e nome ligado por décadas à social-democracia, Xico Graziano, 67, chocou muitos de seus amigos ao fazer uma opção clara por Jair Bolsonaro na eleição de 2018. E já no primeiro turno.

Ligado ao agronegócio, Graziano deu um novo cavalo de pau no início deste ano quando rompeu com seu neoaliado. Passou a criticar duramente o presidente, mas não voltou ao ninho tucano. Diz estar desiludido com a política.

Essa trajetória é descrita por ele num livro recém-lançado, com o mais do que pessimista título “O Fracasso da Democracia no Brasil” (editora Almedina). Dizer que é um lamento seria pouco: é um verdadeiro desabafo do ex-tucano e ex-bolsonarista.

Logo na orelha do livro, Graziano justifica o voto em Bolsonaro com um argumento muito frequente usado por quem apoiou o capitão: o mais importante era evitar a volta do PT.

“Não estou arrependido de minha decisão [de votar em Bolsonaro]. Encontro-me, isso sim, profundamente decepcionado. Nada do que eu imaginava, do restabelecimento da moral política, do retorno ao caminho do desenvolvimento, aconteceu”, escreve ele.

A democracia brasileira, afirma Graziano, vive “num beco sem saída”.

São vários motivos de sua decepção, como mostra nas páginas do livro, mas dois se sobressaem: a falta de sensibilidade e competência de Bolsonaro na condução da pandemia e o fato de se aliar à velha política, resumido na aproximação com o “centrão”.

“Como podemos ter escolhido um presidente da República tão insensível, quase desumano?”, pergunta ele.

E logo depois questiona: “Por que Jair Bolsonaro, eleito para exatamente enfrentar essa picaretagem da política nacional, curvou-se ao centrão?“.

Graziano tem uma trajetória comum entre pessoas que foram atraídas pelo discurso de Bolsonaro. A base de apoio ao capitão está cheia de ex-esquerdistas e ex-centristas que deram ouvidos a sua promessa de restaurar uma certa moralidade perdida nos anos petistas.

O autor diz que votou no presidente como uma espécie de último recurso contra o desencanto com a política. “Nenhuma grande ilusão me moveu para apoiar Bolsonaro. Ao contrário, foi a desilusão política que me empurrou para sua candidatura”

Na juventude, auge da ditadura militar, ele flertou com o comunismo, como era comum na época.

“Quase todos nós que lutamos pela redemocratização do país professávamos a fé socialista, mesmo sem saber ao certo o que significava tal sistema, implantado na União Soviética”, conta no livro.

Mais velho, ele aproximou-se da ala “ética” do PMDB, representada pelo então governador de São Paulo, Franco Montoro, e pelos senadores FHC e Mário Covas. O trio foi o embrião da criação do PSDB, em 1988.

Graziano rapidamente tornou-se um “fernandista”, e foi chamado para ser chefe de gabinete de seu mentor na Presidência.

Depois foi para a presidência do Incra, com a tarefa de acelerar o processo de reforma agrária. Ficou pouco tempo, até ser acusado em 1995 de envolvimento no escândalo de grampos do caso Sivam, Sistema de Vigilância da Amazônia. 

Desta breve experiência ele conta uma das melhores anedotas do livro, que contribuíram para sua progressiva decepção com a política.

“Teve um dia que, mesmo contrariando a opinião dos articuladores do Palácio, eu demiti o superintendente do Incra em Minas Gerais, ligado ao pessoal do PFL, por suspeita de envolvimento em desvio de dinheiro público. À noite, levei um pito enorme de Eduardo Jorge, secretário-geral da Presidência: o governo havia sido derrotado em votações importantes do Congresso”.

Foi depois deputado federal por seis anos e secretário de estado em São Paulo duas vezes. Essa vivência lhe dá autoridade para decretar que seu antigo partido perdeu-se nos métodos condenáveis da política.

“O PSDB não escapou da desgraça que destruiu a democracia no Brasil. Passados uns anos de euforia e inocência, o partido também começou a chafurdar na corrupção e a praticar o fisiologismo”, diz.

Um dos poucos que ele poupa é justamente FHC, a que culpa apenas por ter aprovado a reeleição. “Foi seu maior erro”, escreve.

Em 2014, Graziano deu seu último voto de confiança ao antigo partido, ao aceitar participar da coordenação digital da campanha de Aécio Neves à Presidência. Diz que brigou por não querer entrar no jogo sujo capitaneado pela irmã do candidato, Andrea.

“O desespero de Andrea era enorme. Ela queria retrucar os ataques da campanha de Dilma [Rousseff] com a mesma moeda, ou seja, criando uma rede da maldade, fabricando fakes, disparando bots. Briguei com ela e por tabela com ele [Aécio] por isso. Resultado: perdi a coordenação digital. Entraram com tudo no jogo sujo da internet do mal”, escreve.

Em conversa com o blog, Graziano admite que não esperava de Bolsonaro um estilo muito diferente do que ele apresentava antes de virar presidente. “Todo mundo conhecia o Bolsonaro, ninguém tem o direito de dizer que não”, afirma.

Mas ele se revela espantado com a falta de tato político do presidente, que arruma inimigos em todo lugar. Com relação ao agro, suas bravatas contra a China põem em risco um setor que hoje é um dos motores da economia.

Da mesma forma, Graziano considera uma burrice antagonizar o meio ambiente, hoje um tema fundamental na produção agrícola. “Quando Bolsonaro ataca o meio ambiente, ataca o agro moderno”, diz.

Num segundo turno em 2022 que novamente colocasse frente a frente Bolsonaro e um candidato de esquerda, ele diz que nem nulo votaria. Simplesmente pretende não comparecer à urna.

Quem poderia eventualmente fazê-lo se animar com a política novamente é o ex-ministro Sergio Moro, especialmente se fizer uma dobradinha com o apresentador Luciano Huck. “Mas é preciso ver qual vai ser a trajetória deles daqui até a eleição”, ressalva.

Sem muitas esperanças com a política, ele diz que a eleição municipal, com seus altos índices de abstenção e campanha desanimada, prova seu ponto de que a democracia brasileira está irremediavelmente corrompida.

“Quem ganhou a eleição foi o não voto, o que reafirma o fracasso da democracia no Brasil. E ainda dizem que é a festa da democracia… Parem de se enganar”.

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Título: O Fracasso da Democracia no Brasil

Autor: Xico Graziano

Editora: Almedina (174 págs.)

Preço: R$ 34,50

Terceirizada da área da saúde, SPDM pega empréstimo de R$ 145 milhões e preocupa deputados, FSP

 

Organização social diz que não há problemas, mas que sofre com a falta de ajustes na tabela do SUS

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A organização social SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) contraiu um empréstimo de R$ 145 milhões junto ao Bradesco em janeiro de 2019, valor que deverá ser pago em parcelas de R$ 2 milhões até fevereiro de 2029.

Foram dados como garantia os prédios do Hospital São Paulo, localizados na Vila Clementino, zona sul de São Paulo, que é mantido pela SPDM.

A busca pelo empréstimo acendeu sinal de alerta dos deputados da CPI das Quarteirizações na Assembleia Legislativa de São Paulo, que investiga a quarteirização de contratos firmados pelo poder público com empresas do terceiro setor.

Contratos do tipo foram discutidos diversas vezes recentemente pelos candidatos à Prefeitura de São Paulo.

"Importante acompanhar minuciosamente esse caso", diz o relatório final da CPI, que será votado nesta terça-feira (1º). A comissão é presidida pelo deputado Edmir Chedid (DEM), e composta também por Janaina Paschoal (PSL), José Américo (PT), Thiago Auricchio (PL), Sérgio Victor (NOVO), Vinicius Camarinha (PSB), Alex de Madureira (PSD) e Wellington Moura (Republicanos).

"Primeiro porque trata-se de valor muito alto, na ordem de R$ 145 milhões. Além disso, estamos falando de uma entidade (SPDM) que presta serviço no setor de saúde pública estadual há muito tempo, que atualmente gerencia 18 unidades ou serviços de saúde estaduais e, por isso, recebe aproximadamente 23% dos recursos repassados por ano pelo Estado às entidades do terceiro setor que atuam na área da saúde. Nunca é demais lembrar que a SPDM também está prestes a assumir a gestão da Central de Regulação de Serviços de Saúde – CROSS".

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Recentemente, a SPDM administrou leitos do hospital de campanha do Anhembi, em São Paulo.

O médico Ronaldo Laranjeira, diretor-presidente da SPDM, participou de sessão da CPI nesta terça e disse que os contratos são administrados individualmente pela associação, e que o empréstimo tem relação apenas com o Hospital São Paulo.

Além disso, também relacionou a situação financeira do hospital com a falta de reajuste nos valores da tabela do SUS.

"Não podemos pagar nada do contrato do Hospital São Paulo com o contrato, sei lá, de Sorocaba, Pirajussara. Esses contratos absolutamente não se misturam. Cada hospital que tem seu contrato tem seu dinheiro independente, tem prestação de conta", disse Laranjeira.

"Nós, como as Santas Casas, temos que recorrer a empréstimos pela insuficiência da tabela SUS", acrescentou. "Poderíamos simplesmente não recorrer a bancos e parar a assistência, o que acontece com a maioria das Santas Casas do Brasil. Não é à toa que as santas casas estão endividadas", acrescentou.

Ele disse que o hospital sofre com o que ele avalia como defasagem entre a qualidade do atendimento e que recebe em recursos do poder público, regulados pela tabela do SUS.

Veja nota da SPDM enviada ao Painel abaixo.

A SPDM – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina esclarece que o Hospital São Paulo é uma unidade privada, de sua propriedade, sendo que o empréstimo mencionado pela reportagem não compromete a saúde financeira ou capacidade de atuação da SPDM. Ao contrário —garante liquidez às operações do Hospital São Paulo, principalmente em época de pandemia, e tem como intuito liquidar pendências financeiras e substituir empréstimos mais caros à unidade.

Importante pontuar que tais pendências financeiras, observadas nos balanços publicados com total transparência pela instituição, são decorrentes da operação deficitária do Hospital São Paulo, uma vez que os recursos disponibilizados ao mesmo, por força de contratualização baseados na tabela
SUS, são insuficientes há muitos anos, principalmente em razão de ser um hospital terciário e universitário, com gastos elevados. Tal tabela, inclusive, não é reajustada há mais de uma década.

Este empréstimo é quitado exclusivamente com recursos privados do próprio Hospital São Paulo, sendo que as atividades e finanças da SPDM/Hospital São Paulo não se confundem com as de suas filiais, criadas especialmente para dar cumprimento aos contratos de gestão e convênios com órgãos públicos, sendo totalmente segregadas.

Painel

Editado por Fábio Zanini (interino), espaço traz notícias e bastidores da política. Com Mariana Carneiro e Guilherme Seto.