domingo, 15 de novembro de 2020

Hélio Schwartsman A Festa de democracia, FSP

Hoje, todos os brasileiros com mais de 18 anos e menos de 70, que sejam alfabetizados e que não estejam cumprindo pena com sentença transitada em julgado estão obrigados a ir às urnas. Acho meio autoritário. Não é meu modelo favorito de direito de voto, mas é um sinal inequívoco de que a democracia está em vigor, apesar de o país ter colocado no poder um indivíduo que não tem o menor apreço por ela.

As instituições estão ou não funcionando? É um caso clássico de copo meio cheio e meio vazio. Para os mais exigentes, que esperam do sistema que ele corte pela raiz quaisquer extremismos e faça com que todos se comportem como lordes ingleses, então as instituições fracassaram. Nossos mecanismos antirradicalismo, notadamente o segundo turno, não impediram a eleição de Jair Bolsonaro, que pode ser acusado de muitas coisas, mas não de cavalheiro.

Para os mais pragmáticos, contudo, que se satisfazem com um sistema que seja capaz de prevenir a ruptura da ordem legal e a violência física entre facções, até que nossas instituições não estão se saindo tão mal.

Bolsonaro e seu clube de generais de pijama não foram capazes de dar o tão temido golpe —e não porque não tenham desejado. Continuamos votando normalmente e seguimos com um Congresso e um Judiciário relativamente independentes, porque o desenho institucional prevê uma divisão dos Poderes que não é tão fácil de atropelar.

Na verdade, o sistema é que conseguiu em alguma medida domar Bolsonaro. Com o duplo temor do impeachment e da cadeia para os filhos, Bolsonaro alterou seu comportamento. Não se tornou obviamente um moderado, mas moderou o discurso golpista, parando de atacar semanalmente o Parlamento e o STF.

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Não devemos, porém, nos iludir. As instituições resistiram até aqui, mas sofreram desgastes —e não há garantias de que resistirão para sempre. É preferível ser obrigado a votar a não poder fazê-lo.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

 

Frente contra 'caos aéreo' de fios expostos em ruas de SP entra com ação bilionária por prejuízos, FSP

 Rogério Pagnan

SÃO PAULO

Para tentar colocar fim ao “caos aéreo” da capital paulista, como é chamado o emaranhado de fios suspensos em vias públicas, o Procon e Promotoria de SP estão em cursos com medidas que incluem desde a prisão de pessoas flagradas instalando fiação clandestina até uma ação bilionária contra empresas.

Tais medidas visam acabar com problema que se arrasta há pelo menos 15 anos e que, além de agravar a poluição visual, provoca prejuízo aos cofres públicos e coloca em risco a população com os constantes acidentes com essa fiação, quer com a queda de árvores quer com outros eventos.

A ação preparada pela Promotoria do Patrimônio Público visa o ressarcimento aos cofres públicos desses prejuízos causados à cidade, material e moral, já que tais acidentes causam uma série de transtornos à população, em especial em tempos de chuva.

O valor da ação deve superar R$ 10 bilhões, ou cerca de 10% do valor para aterramento de toda a rede da capital. A cidade tem atualmente 752 mil postes e 26,3 mil quilômetros de fios (baixa e média tensões) e apenas 2,5 mil quilômetros (9,5%) são subterrâneos.

Procon e Ministério Público de SP tentar acabar com "caos aéreo" da capital com prisão de suspeitos e ação bilionária - Rivaldo Gomes/Folhapress

Entre os prejuízos materiais estão desde interdições de vias, como quando ocorre a queda de uma árvore sobre a rede elétrica, com o corte das árvores, até os desdobramentos causados na cidade pela falta de energia.

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Segundo o promotor Silvio Marques, em caso de vitória na Justiça, esses recursos deverão ser revertidos ao aterramento da rede elétrica —medida apontada pelos especialistas como a única solução definitiva para o problema.

Foi dado um prazo para que as empresas apresentassem uma proposta, prazo que venceu no início deste ano. Elas não apresentaram essa proposta e, pior ainda, não fizeram nada para minimizar os problemas. Então, o Ministério Público já deu muitas oportunidades para eles.”

A ação deve ser movida contra a Enel, a concessionária de energia responsável pela capital, e, também, contra as operadoras de telefonia que utilizam os postes para prestação de serviços.

Desde a última sexta (13), integrantes da prefeitura passaram a ser investigados pela Promotoria e podem se tonar alvo da ação. Isso por que o município abandonou um grupo de trabalho que vinha havia dois anos buscando soluções para o aterramento da rede.

De acordo com a Promotoria, a Enel recebeu dessas empresas cerca de R$ 350 milhões pelo aluguel dos postes, mas não usou nada desse dinheiro para aterramento dos fios.

Por falta de fiscalização, além das regulares, há uma série de outras operadoras que colocam cabos nos postes de forma clandestina. Nesse emaranhado se juntam ainda os cabos de empresas regulares que colocam nova fiação, mas, sem retirar as antigas.

“A empresa Enel e as empresas de telefonia não estão interessadas na regularização da fiação, mas apenas na obtenção de lucros”, diz Marques.

Os 26,3 mil quilômetros da rede suspensa não incluem o número de cabos de telefonia, cujo total é incerto em razão da série de empresas que colocam fios clandestinos.

Um dos motivos da situação descontrolada é o modelo adotado. Os postes têm 50 centímetros úteis para passagem de cabos e, pelas normas vigentes, podem receber seis cabos. Há, porém, cerca de 300 empresas de telefonia e de dados que atuam na região de operação da Enel.

que atuam na região de operação da Enel.

Frente contra "caos aéreo" da capital tem prisão de técnicos a ação bilionária contra empresas - Ronny Santos/Folhapress

O Procon (fundação de proteção e defesa do consumidor) vem atuando nos pontos mais críticos da cidade, segundo o diretor-executivo Fernando Capez, onde o emaranhado de fios está sem controle.

As redes sem identificação são retiradas e, com auxílio da Polícia Civil, tenta-se flagrar empresas clandestinas que as recolocam. Quando isso acontece, é feita a prisão do funcionário e ele deve indicar a empresa para qual trabalhar.

O proprietário é instado, então, a informar todos os pontos em que há a rede clandestina para a remoção.

“Vamos investigar os clandestinos e fechar as empresas. Vai acontecer a qualquer momento [a prisão dos suspeitos]”, disse.

Para o promotor Marcos Vinícius Monteiro dos Santos, da Promotoria da Habitação, o aterramento de fios deve priorizar a segurança das pessoas. Para ele, os endereços devem partir da prefeitura.

“Vamos nos preocupar com o risco, porém, sabendo que o risco poderá continuar existindo se a manutenção não for feita quando os cabos estiverem enterrados”, disse.

Entre os especialistas ouvidos pela Promotoria está o engenheiro Ivan Carlos Maglio, pesquisador do IEA (Instituto de Estudos Avançados) e ex-diretor de planos urbanos da antiga Secretaria Municipal de Planejamento.

Ele disse à Promotoria que São Paulo está “abarrotada com fiação e cabos instalados de forma aleatória e absolutamente descontrolada, colocando em risco a saúde e a vida das pessoas”.

“Muitos estrangeiros não entendem como São Paulo, que é a 6ª maior cidade do mundo, apresenta essa situação vergonhosa, que demonstra falta de cuidado e de planejamento na colocação dos fios e cabos nos postes”, diz em trecho do depoimento.

Para ele, as empresas envolvidas no problema não têm interesse em solucionar o problema porque reduziria os lucros delas com obras.

O lucro da Enel foi de R$ 777 milhões em 2019 e de receita total de quase R$ 5 bilhões.

“Nunca ouviu falar que o Município de São Paulo tenha tomado providências contra a Eletropaulo ou contra a Enel para resolver ou minimizar os problemas relacionados à desorganização de fios e cabos suspensos”, diz o engenheiro.

PREFEITURA ROMPE COM GRUPO E DIZ SEGUIR PLAN­­O PRÓPRIO

Algumas medidas para tentar solucionar de maneira definitiva o “caos aéreo” de São Paulo vinham sendo discutidas por um grupo de trabalho formado por Procon, Promotoria e Prefeitura. Na última sexta (13), porém, a gestão Bruno Covas (PSDB) rompeu com o grupo e, à Folha, disse ter plano próprio.

Um dos estudos visava dar a possibilidade aos bairros mais ricos, se quisessem, de solicitar o enterramento dos fios de energia elétrica, mediante pagamento de uma contribuição parcelada ao município.

Após as obras, a estrutura aérea seria retirada, vendida e os recursos revertidos para aterramento nos bairros pobres. Em uma das reuniões em que o assunto foi tratado, um dos mais entusiastas do projeto foi o secretário de Subprefeituras, Alexandre Modonezi.

“A municipalidade tem interesse de trabalhar nessa questão, considerando os inúmeros problemas causados pela fiação aérea e a presença de postes de energia elétrica que atrapalham a mobilidade das pessoas e causam efeito negativo, além de problema ambientais”, disse.

Procurado, Modonezi não atendeu a reportagem. Em nota, o município disse ter planos próprios. Disse não concordar “com a contribuição e entendem que os custos desse serviço devem ser assumidos pelo setor privado”.

“O trabalho realizado na capital é o modelo mais adequado, viável e justo para os paulistanos. Trata-se do programa SP Sem Fios, uma parceria da administração municipal com as concessionárias e a Enel para que enterrem suas redes aéreas e retirem os postes existentes”.

Segundo a própria prefeitura, o enterramento de 65,2 km de cabos e a retirada de 3.014 postes, beneficiará 170 vias.

Na região central, serão 61 km de fios enterrados e 2.109 postes removidos, dos quais 101 já retirados.
Iniciado em 2018, o programa concluiu 34,2 quilômetros até agora, ou 11,4 quilômetros por ano. Isso significa que para aterrar todos os 23,8 mil quilômetros faltantes, o município levaria mais de 2.000 anos –se não houvesse mais expansão da rede.

“Causa estupefação jogar fora todo o trabalho que vinha sendo feito para realizar a situação dos fios. A prefeitura passa a ser investigada”, disse o promotor Marques.

A Enel informou que cumpre integralmente os seus deveres previstos na regulamentação federal sobre o compartilhamento da infraestrutura.

“A normativa estabelece, de forma clara, que a obrigatoriedade de regularização da fiação utilizado pelas prestadoras de serviços de telecomunicação é de responsabilidade das operadoras de telecom”.

Ainda segundo a empresa, a receita de compartilhamento dos seus postes é revertida em 60% para a modicidade tarifária e os 40% restantes são aplicados na melhoria dos serviços de fornecimento de energia elétrica.

A empresa diz, ainda, que o custo médio de implementação da rede subterrânea é até oito vezes superior ao valor médio da rede área tradicional e que os custos de obras desse tipo devem ser repassado às tarifas de energia.

A Enel informou também que “a distribuidora defende uma atuação conjunta entre poder público e demais concessionárias de serviço público para viabilizar ações de enterramento na sua área de atuação”.

“A retirada dos postes, contudo, envolve a necessidade do enterramento de cabos de telefonia, comunicação e fibra ótica, além da própria rede de iluminação pública, exigindo que esse seja um trabalho integrado.”

Procurado, o representante da Telcomp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviço de Telecomunicações Competitivas), João Coutinho de Moura Filho, não quis comentar o assunto.