quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Os impactos da ciência e tecnologia criadas por pesquisadores no Brasil são de três tipos., FSP

 


Esta coluna foi produzida especialmente para a campanha #CientistaTrabalhando, que celebra o Dia Nacional da Ciência. Ao longo dos meses de julho e agosto, colunistas cedem seus espaços para abordar temas relacionados ao processo científico, em textos escritos por convidados ou por eles próprios.

Cedo o espaço a Carlos H. Brito Cruz, professor titular de física da Unicamp, ex-reitor daquela universidade e ex-diretor científico da Fapesp.

Os impactos da ciência e tecnologia criadas por pesquisadores no Brasil são de três tipos.

O impacto científico/intelectual refere-se às ideias que fazem a humanidade mais sábia. O impacto social vem daquelas ideias que beneficiam a sociedade no curto ou médio prazo e que são de difícil apropriação privada (por exemplo: a criação de novos protocolos de atendimento médico, que melhoram os hospitais, mas não são apropriados para fins de lucro, ou a criação de políticas ambientais efetivas). Há também o impacto econômico, quando as ideias ajudam a criar novas empresas ou a tornar as existentes mais competitivas.

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Os três impactos são essenciais num sistema de C&T, visto como um conjunto, mas não necessariamente do ponto de vista de cada projeto.

As ideias que beneficiam a sociedade vêm muitas vezes de universidades e de institutos de pesquisa. Uma boa parte delas vem também de empresas que tem pesquisadores entre seus funcionários.

Universidades contribuem ainda mais pelos profissionais que formam, aqueles que vão criar ideias em empresas, institutos e universidades.

O agronegócio brasileiro se beneficia das ideias criadas em institutos, universidades e empresas. Estudo de pesquisadores da USP mostrou que a cada R$ 1 aplicado em pesquisa agropecuária em São Paulo, R$ 11 são criados em produção. Feijão, arroz, açúcar, laranja, etanol combustível, café e carne são alguns dos produtos beneficiados pela pesquisa.

pandemia evidencia a importância das melhores universidades e de institutos como Butantã, Emilio Ribas, Fiocruz. Seus pesquisadores têm criado as ideias que orientam a dificílima tarefa das lideranças políticas de achar um caminho menos sofrido para o país e desenvolvido testes, modelos, vacinas e medicamentos.

Mais do que isso, há os benefícios de termos empresas com capacidade em ciência e tecnologia. Respiradores e tomógrafos pulmonares estão sendo produzidos no país. Máscaras, tecidos antivírus, novos testes e reagentes foram criados por pesquisadores de empresas, muitas vezes em colaboração com colegas de universidades e institutos.

No Brasil, 0,2% da força de trabalho é de pesquisadores, dos quais 27% trabalham em empresas. Na União Europeia, a proporção é de 0,8%, dos quais 50% em empresas. Logo, há dois desafios a serem vencidos para se obter mais benefícios da pesquisa no Brasil: além de aumentar o número de pesquisadores, é essencial aumentar mais ainda o número destes trabalhando em empresas, criando tecnologias avançadas ligadas a aplicações de impacto econômico e social.

Maria Hermínia Tavares

Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. Escreve às quintas-feiras.

Gabriela Prioli A nova marcha dos 100 mil, FSP

 Em 26 de junho de 1968, aconteceu no Rio de Janeiro a Marcha dos 100 mil. Numa época em que o cálculo das multidões ainda era falho, dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas contra a ditadura militar. Os presentes, na sua maioria estudantes, marcharam por liberdade, suspensão da censura e melhores condições de educação.

Naquele mesmo ano, o regime militar baixou o Ato Institucional nº 5, inaugurando o período mais violento da ditadura militar brasileira. Engana-se quem pensa que os militares fizeram tudo sozinhos.

Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, no livro "Brasil: uma Biografia", dizem que para a tortura funcionar é preciso que existam juízes que reconheçam como legais e verossímeis processos absurdos, confissões forçadas e laudos periciais mentirosos. É preciso encontrar, em hospitais, gente disposta a fraudar autópsias e autos de corpo de delito e receber presos marcados pela violência física. É preciso ainda contar com empresários dispostos a fornecer dinheiro para a máquina de repressão funcionar.

Um jovem de 20 anos que saiu às ruas naquele 26 de junho hoje teria 72. Grupo de risco. Maior a chance de ser, de novo, um entre os 100 mil.

Charge de João Montanaro de título "100 mil mortos" publicada na Folha de 10/08/2020. Retrata o presidente Jair Bolsonaro em um jogo de xadrez com uma figura de capuz mascarada. Bolsonaro estoura uma champagne e diz "Como assim eu não ganhei?"
Charge de João Montanaro publicada um dia após país atingir 100 mil mortos - João Montanaro

Em 16 de março de 2020, um dia depois de Bolsonaro, durante a pandemia, comparecer a uma manifestação, entrei no ar para a minha estreia na televisão convicta de que não haveria debate possível diante da crítica óbvia. Errei. Sempre existe quem apoie o absurdo.

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Lembremos, portanto, de atribuir responsabilidade aos que se calaram diante da insistência em minimizar o impacto do vírus e ridicularizar o isolamento; aos que ativamente defenderam um medicamento sem comprovação científica de eficácia; a todos que, nesta guerra, contribuíram para que tantos brasileiros fossem largados à própria sorte.

Os 100 mil de hoje, assim como os de junho de 1968, têm algo a nos dizer. Mais uma vez resistem ao silêncio imposto e nos alertam que a barbárie não se faz por um homem só.

Gabriela Prioli

É mestre em direito penal pela USP e professora na pós-graduação da Universidade

O QUE A FOLHA PENSA Rever a meia-entrada

 Não há nada mais gratificante para um político do que distribuir benesses com as quais os cofres públicos não precisam arcar diretamente. Assim proliferam no país legislações que obrigam empresários do setor cultural e organizadores de eventos a conceder descontos de 50% nos ingressos para diferentes categorias de consumidores.

No plano federal, a meia-entrada é assegurada a estudantes, idosos, jovens de baixa renda e portadores de deficiência. Se considerarmos também leis de estados e municípios, o benefício pode se estender a professores da rede oficial, servidores públicos, pacientes de câncer, doadores de sangue e medula e membros dos sindicatos.

Não surpreende que o contingente daqueles que pagam o valor cheio caia ano a ano. Em 2017, pagaram inteira em cinemas 29,9% dos espectadores; em 2019, apenas 21,6%. Quem pode consegue uma carteirinha que lhe garanta o desconto; quem não pode acaba deixando de frequentar espetáculos.

Quando quase 80% do público paga meia, não é difícil notar que há algo de errado na lógica do sistema. Por isso a Ancine abriu consulta pública para discutir os méritos da obrigatoriedade da meia-entrada. O Ministério da Economia se posicionou contra o instituto.

De fato, a meia-entrada pode ser descrita como um sistema de subsídios cruzados altamente ineficiente. Como os preços são livres, o ônus maior recai sobre a parcela da população que paga inteira.

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Como essa parcela tem diminuído, os preços sobem para manter a viabilidade do negócio —excluindo mais consumidores e forçando novo reajuste, num círculo vicioso.

Exceto pelos jovens de baixa renda, não existe nenhum indício de que as categorias contempladas pela legislação sejam as que de fato precisariam do fomento.

Os jovens mais ricos passam mais anos com carteira de estudante do que os mais pobres. O rendimento de idosos é na média maior que o dos adultos mais jovens. E nem se fale de servidores públicos, que detêm a maior média salarial do país.

Se o fenômeno da meia-entrada estivesse restrito ao setor cultural, poderíamos tratá-lo como uma excentricidade custosa, mas com potencial de dano limitado.

O problema é que a lógica de oferecer diferentes preços para diferentes grupos, com notáveis perdas de eficiência, se reproduz em inúmeras áreas, como transporte público, acesso a crédito e até o pagamento de tributos.

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