quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Antonio Delfim Netto Enxugando gelo, FSP

 As pressões sobre o equilíbrio fiscal são sazonais. Atingem o seu máximo na preparação interna da proposta orçamentária. Os ministros, inconformados, vão ao Congresso Nacional para conseguir o impossível: que a soma das partes seja maior do que o todo.

A coisa assume proporções catastróficas quando eles vão ao Tribunal de Contas para discutir sobre a possibilidade de encontrar “uma brecha na lei do teto de gastos”; ou quando tentam seduzir o presidente de que é preciso gastar mais para se reeleger.

Hoje 96% do “orçamento” são ainda fixados pela “visão e desejo” dos constituintes de 1988, e apenas 4% dependem das decisões do presidente legitimamente eleito em 2018.

Jair Bolsonaro não entendeu o problema. Não foi ao Congresso para propor a “libertação” do Executivo e do próprio Legislativo para que, em harmonia e respeito às suas independências, pudessem dar a flexibilidade necessária à boa administração do país. Jogou fora 40% do seu período governamental sem aproveitar a força que lhe dera sua surpreendente vitória eleitoral para propor ao Congresso a mãe de todas as reformas —a do Estado— para poderem administrar, com seriedade, serenidade e eficiência, a sociedade brasileira.

Não teve coragem e determinação política para enfrentar as mazelas que vimos construindo pelo controle do Estado por um “grupo” não eleito que se apropriou do poder.

A prova desse fato é dispensável quando vemos que, mesmo com uma queda de quase 14% do PIB per capita entre 2015-2020, aquela casta burocrática não eleita passou incólume aos efeitos devastadores da crise econômica, social e de saúde pública. Os seus salários continuaram crescendo 4% real ao ano, seus empregos continuaram garantidos e o seu seguro saúde financiado, pacificamente, pelos párias, que já naturalizaram a situação a ponto de não percebê-la.

Temos muitas boas análises da grave situação das insuperáveis restrições institucionais para melhorar a administração do país. A primeira delas foi realizada no primeiro mandato de Lula, em 2003, quando o ministro da Fazenda era Antonio Palocci, o secretário-executivo era o competente Bernard Appy e o secretário de Política Econômica era o hoje consagrado economista Marcos de Barros Lisboa. Depois do magnífico diagnóstico, as desventuras da política nos levaram apenas a “enxugar gelo” e a aprofundar as chagas como confirmou, em 2017, o estudo do Banco Mundial, “Um ajuste justo”.

Se o Executivo não tiver a coragem para enfrentar a reforma do Estado e os outros apenas insistirem na “quebra teto”, vamos continuar a “enxugar gelo” até nos afogarmos.

Antonio Delfim Netto

Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

Bruno Boghossian Governo reforça seu projeto para sucatear a educação, FSP

 

Enquanto Jair Bolsonaro e seus aliados tentam arrumar um dinheirinho para turbinar sua operação política, o Ministério da Educação preferiu afiar a tesoura. A pasta anunciou a intenção de cortar 18% de suas despesas não obrigatórias no ano que vem. A proposta facilita os esforços do Palácio do Planalto para sucatear o ensino público.

A ruína é premeditada. Obcecado pelo fantasma de um aparelhamento nas universidades, o presidente faz de tudo para esvaziar a área. Manteve dois titulares desqualificados para comandar a pasta e incentivou um estrangulamento de pesquisas e da educação superior, principais pontos de atuação federal no setor.

O próprio Bolsonaro e seus assessores nunca esconderam a intenção de usar o orçamento como arma política. Ao chegar ao MEC, Abraham Weintraub avisou que fecharia os cofres para instituições que fizessem o que ele chamava de “balbúrdia”. A ideia era asfixiar aqueles que contrariassem a agenda do governo.

O presidente nunca se interessou em apresentar projetos para a educação. Ele preferiu explorar o tema como parte de sua cruzada ideológica e usou o desempenho do país em exames internacionais para fustigar adversários políticos.

Quando o Congresso começou a discutir a ampliação do fundo que financia a educação básica, Bolsonaro decidiu ignorar o assunto. Depois, trabalhou contra a medida e foi obrigado a ceder para evitar uma derrota política humilhante.

Agora, o MEC reconheceu o papel de coadjuvante. Sensibilizada pela crise econômica, a pasta se antecipou ao arrocho de Paulo Guedes e disse que pretende gastar menos R$ 4,2 bilhões no ano que vem. O Orçamento só será fechado no fim do mês, mas o ministério jogou a toalha.

Ao explicar o corte, a pasta disse que a pandemia exige um esforço de “priorização das despesas”. Os filhos feios de Bolsonaro devem sofrer mais com a tesourada. Já o Ministério da Defesa, favorito do presidente, pediu um aumento de 37% nos investimentos do ano que vem.

Bruno Boghossian

Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).