Immanuel Kant conclui a “Crítica da Razão Prática” afirmando que duas coisas o enchiam de admiração: “O céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim”.
Não perco as colunas de Contardo Calligaris, e a da última quinta-feira (6) não foi uma exceção. Concordo com 95% do que Contardo escreveu ali. De fato, não há boçalidade muito maior do que imaginar que não exista moralidade fora da religião. Acho até que podemos radicalizar o argumento. Não há nada mais imoral do que a moral diretamente extraída das Escrituras, que nos autorizam a vender filhas como escravas (Ex. 21:7) e nos obrigam a matar gays (Lv. 20:13).
Receio, porém, que Contardo tenha sido excessivamente kantiano ao sugerir que os valores morais têm origem em disposições internas do indivíduo. É claro que, num sentido muito geral, tudo é ao menos parcialmente intrapsíquico. Acredito, contudo, que a moralidade seja um fenômeno com fortes componentes externos (situacionais). Ela é forjada na teia de relacionamentos sociais que mantemos com nossos semelhantes.
Quadro traz a imagem do filósofo Immanuel Kant, em tela que foi pintada por Gottlieb Doebler em 1791 - Kirsten Neumann/AFP
Não sou heideggeriano o bastante para achar que etimologias escondem verdades secretas, mas não é uma coincidência que os termos “ética” e “moral” derivem respectivamente das palavras grega e latina para “costume”. Consideramos aceitáveis comportamentos que percebemos como adotados pela maioria dos pares. É isso o que faz com que a moral varie tanto geográfica e temporalmente.
E não surpreende que seja assim. A moralidade é a solução encontrada pela evolução para compatibilizar os impulsos egoístas do indivíduo e a necessidade de reduzir conflitos dentro do grupo. Essa permanente tensão entre bichos que são ao mesmo tempo rivais e aliados desemboca em emoções e sentimentos socialmente relevantes como inveja, raiva, gratidão, compaixão, vergonha, culpa, que são a tabela periódica com a qual cada sociedade constrói seu código moral.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
Minha mãe era a rainha dos adágios. Um dos que ela achava mais divertidos (e politicamente incorretíssimo) era, se referindo a qualquer pessoa de que não gostasse: “Fulano para idiota só faltam as penas”. Ao incauto que objetasse que idiota não tem penas, ela completava, triunfante: “Então não falta nada”. Para o governo Jair Bolsonaro descambar para o nacional-desenvolvimentismo, só faltam as penas.
Neste caso, as penas são a saída de Paulo Guedes. O ministro da Economia vem resistindo. Haja Karl Popper para justificar, talvez para si próprio, como continuar acreditando que um governo que colocou as reformas em banho-maria para comprar um plano do governo Médici recauchutado, ainda pode ser chamado de liberal.
Ministro confirmou a debandada da equipe econômica, mas disse que governo vai avançar com as reformas. Foto: Gabriela Biló/Estadão
Na verdade, há algum tempo já, os bolsonaristas raiz passaram a incluir os liberais no mesmo saco de pancadas em que colocam comunistas, isentões e outros inimigos imaginários. Os próprios filhos do presidente entoam a cantilena de que os liberais querem destruir Bolsonaro.
O pai, revigorado depois de dar umas trotadas no lombo de uma égua com chapéu de vaqueiro e tomar cloroquina, só quer saber de Rogério Marinho. O mais político dos ministros chegou a Guedes embalado em presente e como passaporte para as reformas. E assim foi: como já tinha entregado a trabalhista para Temer, Marinho trabalhou à exaustão para aprovar a Previdência.
A partir daí, no entanto, chefe e chefiado passaram a se estranhar, e o ex-deputado, agora ex-tucano, passou a pavimentar um caminho próprio dentro do governo, de olho nas eleições de 2022. Uma aliança com os militares e o “rei do asfalto” Tarcísio Gomes de Freitas surpreendeu Guedes com um PAC redivivo.
Qualquer um que olhe para as contas públicas brasileiras, ainda mais agora que tiveram de ser justificadamente acessadas para conter os efeitos nefastos da pandemia na vida dos mais desassistidos, de Estados e municípios, sabe que não aguentam uma reedição do slogan “Ninguém segura este país”.
A não ser no sentido literal: investir na gastança, com a tentação de pedaladas variadas que estão em gestação, é ir para o buraco sem que ninguém segure.
Guedes não acha que Bolsonaro represente perigo autoritário. Ou, talvez, sua noção de democracia, em que costuma conjugar a ordem dos militares e o progresso dos liberais, tenha sido moldada para tentar validar o ingresso nessa canoa furada.
Salim deixou o governo por estar insatisfeito com o ritmo das privatizações no governo. Foto: Gabriela Biló/Estadão
Seu mantra “mais Brasil e menos Brasília”, passaporte para reduzir o tamanho do Estado, privatizar o que fosse possível e fazer as reformas liberais, algumas das quais nem saíram ainda do papel, foi subvertido, e Brasília voltou a sonhar com um tempo de bonança que não existe mais.
Até o chamado Orçamento de Guerra, um engenho construído para permitir gastos urgentes, está sendo olhado com avidez pelos neodesenvolvimentistas como fonte futura de verba para obras eleitoreiras. O teto de gastos virou teto solar.
Bolsonaro perdeu as classes média e alta com seus desvarios negacionistas e seus arreganhos golpistas. Mas está ganhando força entre os pobres com auxílio emergencial na veia.
É essa mutação que Marinho e o Centrão enxergaram ainda no início e querem alimentar, sem pensar no amanhã. A receita é velha. Foi seguida pelos militares, de quem o capitão é fã, e por Dilma, a quem ele critica, mas com quem está cada dia mais parecido.
BRASÍLIA - De saída do governo depois de um ano e meio à frente do programa de vendas das estatais, o empresário Salim Mattar, diz que o establishment não quer as privatizações para não acabar com o "toma lá dá cá" e o "rio da corrupção".
Em entrevista ao Estadão, um dos fundadores da Localiza diz que continua apoiando o governo Jair Bolsonaro, mas deixa claro o descontentamento com as resistências para o avanço das privatizações, principalmente da Casa da Moeda e dos Correios. Ele admite que a venda dos Correios pode demorar 28 meses (mais de dois anos), caso saia mesmo do papel. Na iniciativa privada, diz, seria vendida em 60, 90 dias.
Para Salim, o ministro da Economia, Paulo Guedes, continua firme no cargo, mas reconhece que cabe a ele moderar e equilibrar o processo de redução do tamanho do Estado. “Ele vive no ambiente político e o governo só vai fazer as privatizações de uma forma consensual. Os militares têm que concordar, o Planalto tem que concordar, o Congresso, o TCU”.
Na visão do ex-secretário de Guedes, os "liberais puro-sangue" do governo cabem num "micro-ônibus". “O que mais vi na Esplanada é que o Estado deseja se proteger contra o cidadão. Não há interesse do Estado servir ao cidadão. Temos um Leviatã bem maduro aqui no Brasil”, diz Salim, que afirma que seu tempo no setor público é página virada. Agora, vai trabalhar em projetos dos institutos liberais que financia.
Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados do Ministério da Economia. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil - 19/2/2020
Por que o sr. pediu demissão? O que aconteceu?
Tudo tem o seu ciclo. Estou no governo há um ano e meio e todos viram a energia e dedicação em relação às privatizações. Apesar do prazo tão curto, consegui deixar um legado. Recebemos o governo com 134 estatais e eu fui apurar direito e encontrei 698 empresas que têm participação da União. Em julho e agosto, estávamos implementando o estatuto modelo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), com elevados padrões de governança para aquelas empresas que permaneceram ainda estatais. Fizemos um decreto que obriga cada ministério a fazer uma justificativa para a existência da empresa e vendemos R$ 150 bilhões de desestatização e desinvestimento e reduzimos 84 empresas. E deixamos um pipeline (carteira de projetos) formatado de 14 empresas que serão privatizadas de janeiro a dezembro de 2021. Mesmo eu saindo, continuo dando apoio ao ministro e à pauta da economia.
O ministro Paulo Guedes disse que o sr. falou que o establishment não deixa privatizar. O sr. cansou?
Por mim, eu venderia todas as empresas, sem exceções. O governo tem que cuidar da qualidade de vida do cidadão, da saúde, educação, segurança. Temos 470 mil funcionários nas estatais. Isso tira energia, enquanto deveria estar cuidando do social. Essas estatais acabam servido para toma lá, dá cá e corrupção. Existe uma resistência do establishment em vender as empresas. Você é testemunha que a nossa MP 902 que quebrava o monopólio da Casa da Moeda, para que pudéssemos privatizá-la, caiu. O que aconteceu? O Congresso disse não. Estamos numa democracia, cabe a mim acatar. Eles foram eleitos. Acabou! Eles decidiram. Não é para vender, não vamos vender.
Há duas semanas o sr. disse que continuava motivado. Qual foi o estopim para essa mudança de lá para cá?
Estou fora, mas continuo motivado. E torcendo para a pauta da economia, vendo o teto de gastos(regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação), acompanhando tudo.... Antes a minha motivação era vender estatal, agora sou um ex-servidor. A minha motivação é apoiar esse governo e o farei. Estarei na torcida, principalmente para o ministro Guedes. Eu fiquei no governo 18 meses. Eu plantei alguma coisa que alguém vai colher em 2021, quando serão privatizadas 14 estatais.
Quem garante? O governo Bolsonaro não vendeu até agora nenhuma estatal. A pauta não fica enfraquecida?
Essa pauta não é apenas minha. Essa pauta é do Guedes e vai continuar existindo. Vendemos 84 empresas, como subsidiárias e desinvestimento, mas nenhuma estatal. Não diminuiu o feito.
O que levou o sr. a ir até o presidente da República para pedir demissão?
Eu não pedi demissão ao presidente Bolsonaro. Se verificar a pauta do presidente, vai ver que ele me recebeu este ano 12 vezes. Ele sempre me apoiou.
O sr. não pediu demissão diretamente ao presidente?
Não pedi lá, não. Eu pedi ao Guedes. Umas quatro horas depois (do encontro com o presidente). Não é de sopetão: ‘eu vou sair do governo agora’. Há uma amadurecimento de uma ideia. Na verdade, eu e o Ubel (Paulo Uebel, secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, que pediu demissão no mesmo dia que Salim) entramos juntos no governo. Apesar do convite do Guedes, foi o Uebel que me deu a motivação de vir para o governo. Fizemos um pacto naquela época: entrarmos juntos e sairmos juntos. Não foi porque aconteceu uma coisa ontem. Eu não sou um cara precipitado. Eu sou mineiro, cauteloso, cuidadoso, moderado. Isso já estava sendo amadurecido há um período de tempo. Achei que ontem (terça-feira) pudesse ser o momento de apresentar a exoneração porque acredito que o dispêndio do meu esforço em relação ao resultado obtido estava negativo, apesar de todos os legados.
Quais o motivos para nenhuma privatização ter acontecido nesses 18 meses?
Focamos na reforma da Previdência e foi a estratégia adotada. Acredito que foi a certa porque aprovamos a maior reforma do mundo. Depois da reforma, começamos tomar as providências para as desestatizações, levantamento, análise de cada empresa, quais os ministros mais favoráveis. Demorou tempo. Já no ano passado, colocamos diversas empresas no PND ( Programa Nacional de Desestatização, o primeiro passo para a privatização). Isso vai para o BNDES, que contrata consultoria, advocacia, auditoria... Cada contratação leva de 90 a 120 dias. É muito demorado. Quando a empresa entra no PND, para mim, é líquido e certo que essa empresa vai ser vendida. Quem assumir no meu lugar, vai levar 14 empresas.
Qual delas tem mais chance?
As três primeiras serão fechadas. São tão ruins que nem comprador teve. São a Ceitec (empresa que fabrica chip de boi), Emgea (empresa gestora de ativos) e ABGF (gestora de fundos garantidores e garantias). Ele (Guedes) fala da Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo), que está marcada para o segundo semestre de 2021, e Eletrobrás, que o Congresso acertou a modelagem, vai acontecer. E os Correios e o óleo da PPSA (a companhia administra os contratos da União na exploração dos campos de petróleo). Essa empresa é a calculadora de quanto tem o óleo. É vender o óleo que está debaixo da terra. Não é vender a empresa. O ano que vem será bom. Está cheio de empresas.
A Casa da Moeda foi uma frustração? Qual a empresa que o sr gostaria de ter vendido e não conseguiu?
A Casa da Moeda para mim foi um aprendizado. Estamos numa regime democrático. As pessoas que foram eleitas disseram não. Cabe a mim, aceitar. Foi uma lição. Temos que reconhecer que quem foi eleito pelo voto tem poder. Eu era um servidor com DAS (Direção e Assessoramento Superior, cargos que podem ser ocupados por qualquer servidor ou pessoa externa ao serviço público) cargo comissionado, que a qualquer momento poderia ser demitido. Deputado, não. O Congresso não quis a privatização da Casa da Moeda. Eu entendi, esse é pensamento médio do Congresso. Ok. Não é o Rodrigo Maia (presidente da Câmara), porque ele é favorável às privatizações, à redução de Estado.
Qual empresa o sr. queria ter vendido primeiro?
Os Correios. É uma empresa grande deficitária que tem prestação de serviço muito ruim. Os Correios seria a primeira empresa que eu privatizaria. Tivemos muita resistência desde o início do próprio ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia). Ele teve muita resistência. E colocaram no PPI (Programa de Parceria de Investimentos). No PPI, é para estudar. No PND, é para poder vender. Então, atrasou. Vai demorar 28 meses para ser vendido. Caso seja vendido. Não tenho certeza. Uma empresa como essa na iniciativa privada estaria vendida em 60, 90 dias.
Por que o sr. e o Uebel fizeram um pacto de sair juntos?
Nós já estávamos conversando. Não pretenderíamos ficar tanto tempo no governo. Ok, podíamos ficar, mas dependendo da velocidade com que as coisas acontecessem. As coisas são difíceis. O establishment não quer a transformação do Estado. Não deseja a reforma administrativa. O establishment não deseja privatização. Se tiver privatização, acaba o toma lá, dá cá. Acaba o rio de corrupção. O establishment deseja segurança que as coisas vão continuar do jeito que estão. O establishment é o Judiciário, o Executivo, o Congresso, são os servidores públicos, os funcionários das estatais. Não querem mudanças. Elas vão acontecendo vagarosamente. Olha a Eletrobrás!.
A saída do sr. e do Uebel tem alguma relação com o documento do Instituto Millenium e a campanha "Destrava", para pressionar pela reforma administrativa?
É uma coisa mais do Uebel. Ele deixou claro que ele estava chateado de a reforma administrativa ter sido engavetada e não ter saído este ano. E o próprio ministro disse isso. Não foi um motivo.
A agenda liberal perdeu força no governo?
Não está perdendo força. Eu e o Uebel somos os mais liberais do governo junto com o Paulo Guedes, o Carlos da Costa (secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade). É verdade. Temos sim um grupo de liberais, Eu estou à direita do ministro. Eu sou muito mais a favor da redução do Estado e das privatizações. Ele tem que ser habilidoso como ministro. Ele sabe o que pode e deve ser feito. Cabe a ele moderar e equilibrar esse processo de redução do tamanho do Estado e privatizações. Ele vive no ambiente político e o governo só vai fazer as privatizações de uma forma consensual. Os militares têm que concordar, o Planalto tem que concordar, o Congresso, o TCU.
O ministro Paulo Guedes não fica fragilizado com mais baixas no momento de pressão do teto de gastos? Essa pressão pode levar à saída do ministro do cargo?
O ministro está muito bem. Está firme. Ele e o presidente gozam de uma excelente amizade e confiança mútua. O presidente deposita muita confiança e dá muita autonomia. O ministro é um conselheiro informal. Não há esse risco. Ele está forte e firme e com todo apoio do presidente.
Não vou voltar. O meu período de iniciativa privada passou. É página virada, como também minha participação no setor público. Vou voltar para os meus projetos de vida pessoal. Eu vou me dedicar em transformar nossos institutos liberais mais virtuais. Institutos que apoio, fundei e ajudo. São 120 no Brasil. Eu financio os institutos com R$ 2 milhões por ano. Vou me dedicar à propagação das ideias liberais na sociedade brasileira. Essa contribuição é maior do que estar no governo.
Os críticos dizem que a agenda liberal foi confundida no governo. Muitos no governo se dizem liberais e não são. Não prejudicou o espírito liberal?
Os liberais puro-sangue cabem em um micro-ônibus. Agora, tem muita gente que é liberal e não sabe. Descobri isso no governo. Mas tem também muitas pessoas que se passam por liberais para poderem se aproximar, ficar perto do governo. Não são liberais. O discurso é diferente da prática. O que mais vi na Esplanada é que o Estado deseja se proteger contra o cidadão. Não há interesse do Estado em servir ao cidadão. Raramente vemos coisas que são a favor do cidadão. Isso me deixou muito preocupado. Temos um Leviatã (metáfora do Estado como soberano absoluto e com poder sobre seus súditos que assim o autorizam através do pacto social) bem maduro aqui no Brasil.