quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

'Aquele Gilberto Dimenstein de antes do câncer morreu', FSP



Para jornalista, diagnosticado neste ano, ver o limite da vida pode ser dádiva



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SÃO PAULO
O jornalista Gilberto Dimenstein, 63, descobriu neste ano um câncer de pâncreas, com metástase no fígado. Ele conta sobre a doença, o tratamento e as mudanças em sua forma de enxergar a vida e as relações humanas.
Sonhei com uma mulher dizendo que eu estava com câncer. Sou super-racional, acredito na ciência, na lógica. Mas foi um sonho tão claro que fiquei encasquetado.
Fui aos médicos, fiz colonoscopia, endoscopia, ultrassonografia, não achavam nada, mas eu continuava impressionado. Um gastroenterologista pediu uma tomografia, "só para tirar a dúvida".
Fui às 22h, o resultado começou a demorar. Veio um enfermeiro e perguntou se não sentia muita dor, porque tinha pancreatite, mas eu não sentia nada. Não sentia nada. Procurei na internet: pancreatite dá em quem bebe —sou abstêmio há seis anos— e em quem tem vesícula —que eu já tinha tirado. Era câncer.


Gilberto Dimenstein, ex-diretor da Sucursal de Brasília e ex-colunista da Folha e criador do site Catraca Livre. Em tratamento contra um câncer de pâncreas
Gilberto Dimenstein, ex-diretor da Sucursal de Brasília e ex-colunista da Folha e criador do site Catraca Livre. Em tratamento contra um câncer de pâncreas - Bruno Santos/Folhapress
No dia seguinte, já estava no hospital. Tirei o tumor bem no comecinho, o que aparentemente era boa notícia.
Mas, passadas três semanas, ele estava no fígado. Fizemos quimioterapia para operar, mas, em vez de parar, o tumor cresceu. Passei quatro meses de tantas más notícias... muita febre todo dia, comecei a já me preparar para a despedida. Foi o meu período pessimista.
Hoje —é até difícil falar ​isso— estou vivendo o momento mais feliz da minha vida. Aquele Gilberto Dimenstein antes do câncer morreu. Nasceu outro. 
Câncer é algo que não desejo para ninguém, mas desejo para todos a profundidade que você ganha ao se deparar com o limite da vida. Não queria ter ido embora sem essa experiência.
Grande parte da minha vida foi marcada pelo culto a bobagens: ganhar prêmio, assinar matéria na capa, o tempo todo pensando no próximo furo. É como se estivesse passando por um lugar lindo num trem em alta velocidade, vendo tudo borrado. 
Quando você tem um câncer (ainda mais como o meu, de metástase e de pâncreas, um tipo muito agressivo), não há alternativa. Ou vive o presente ou sua vida vira um inferno.
E aí começam a aparecer coisas incríveis. Gosto de andar de bicicleta, e comecei a sentir o vento no rosto, como se estivesse sendo beijado. Você vê seu neto deitado com você [Dimenstein tem um neto de dois anos e espera o segundo para daqui a seis meses]. Acorda com os bem-te-vis e escuta os bem-te-vis.
Falar em sentidos é importante, porque meu tratamento tira o gosto, até a água fica ruim. Com o tratamento, também acaba a vida sexual; você fica impotente. 
É uma fase de muitos pesadelos, que melhoram com o canabidiol [composto químico derivado da maconha, liberado para uso medicinal].
Tudo isso poderia fazer um cara superinfeliz. Mas as relações emocionais se sofisticam. Descobri só agora a profundidade da relação homem-mulher. Você está com enjoos, dores não apenas físicas, e a pessoa do seu lado o tempo todo. Não conhecia essa cumplicidade nesse nível.
Nós vivemos nos meios digitais a era da indelicadeza, 500 mil pessoas criticando. Eu acabei entrando no mundo das gentilezas. Cada pessoa tem uma palavra, um chá, uma dica de oração, um olhar gentil. O outro mundo vai ficando ridículo.
Com ou sem câncer vamos todos morrer, e se pudermos antecipar essa sensação, vamos evitar várias bobagens. A clareza maior da morte é uma dádiva. Não é o fim, mas um começo. 
Pode ser o começo de um belo fim de vida, viver esses momentos com a família, ou um pit stop para voltar melhor. O cara tem que ser muito, muito, muito idiota para não voltar melhor.
Não é que eu ache que morrer é bom, mas você começa a questionar por que existe, e a conclusão é que, se não podemos escolher como entramos na vida, podemos decidir como sair dela.
Quando o médico me disse que eu estava com câncer, passou um dia, dois, três, e não tive medo. Só temia o impacto da minha morte nos outros. Não me senti desesperado. Nada, nada, nada. Até me espantei comigo mesmo. 
Em inglês se chama "surrender" [render-se]. Você não está mais no comando, e isso é motivo de alívio. De felicidade, até.
Descobri que meu pavor era passar a vida sem propósito. Olhei para trás, e, apesar de todas as minhas delinquências —que não foram poucas—, acho que fiz mais bem que mal. Mudei minha carreira para fazer um jornalismo que não é de filantropia nem altruísmo, mas de empoderamento, de usar a comunicação para promover causas.
Não inventei nada, o comunicador não faz o vinho. Mas tira a rolha.


Gilberto Dimenstein fala sobre como encarar a doença e o uso medicinal de maconha, entre outras coisas sobre sua trajetória
Gilberto Dimenstein fala sobre como encarar a doença e o uso medicinal de maconha, entre outras coisas sobre sua trajetória - Bruno Santos/Folhapress
Acabei sendo obrigado a deixar de ser aquele jornalista racional, imparcial. Deixei de ser um espectador e passei a ser torcedor. Você vira um eunuco como jornalista, porque passa a querer dar só boa notícia.
Já antes do câncer tinha começado minha "quimioterapia social", na Orquestra Sinfônica de Heliópolis [de cujo conselho Dimenstein é presidente], que esteve perto de fechar. Em nenhum momento neste ano parei de trabalhar, arrecadar fundos, promover esse e outros projetos que acompanho. Não é bondade, é conexão com a vida.
O evangelho segundo são João diz "No princípio era o verbo". É a palavra que gera o poder, e nós, comunicadores, trabalhamos com isso, podemos fazer as pessoas poderosas trabalharem juntas.
Hoje há um enorme desperdício. Há um ditado árabe maravilhoso, "gavião não voa em bando", ainda mais perfeito em inglês, "eagles don't fly together" —eagles tem o mesmo som de egos. Cada um quer ter seu legado, sua placa, seu projeto. Um secretário não trabalha com outro, a prefeitura não trabalha com o estado, um dinheiro enorme sai pelo ralo, sem meta, sem avaliação, sem trabalho articulado, uma catástrofe. 
O mundo é como um corpo humano. Há pessoas que espalham infecções, se xingam, se odeiam. [O presidente dos EUA, Donald] Trump e [o presidente brasileiro, Jair] Bolsonaro não criaram isso, mas sintetizam essa cultura da infecção, do ódio, do confronto. E há os glóbulos brancos, as pessoas que não deixam o mundo acabar, que inventaram a anestesia, o antibiótico, descobriram a hélice dupla do DNA.
Meu tumor passou por análise genética —recebi o resultado ontem [sexta, 27]—, e sou um caso de 1% cuja mutação talvez tenha um tratamento promissor. Em ratos, eliminaram o câncer de pâncreas, e estão começando a testar em humanos, procurando a dose certa. Já me dispus a fazer parte dos testes no Brasil.
É até meio canalha, mas penso "será que eu vou ajudar a encontrar a cura?". Para um jornalista que gosta de furos, você se transformar num furo de si mesmo é incrível, né? Mas para ajudar os outros.
Voltei a ficar otimista. Ganhei da minha mulher dois ingressos para ver o [músico] Bobby McFerrin nos EUA, em maio. Já estou com planos para o ano que vem. Você volta a ter projetos, é a vida voltando a circular. Eu acho que tenho muita chance, muita chance.
Vida após a morte? Se for igual a esta, prefiro que não exista. Se eu acordasse e estivessem lá Trump, Bolsonaro, [primeiro-ministro da Hungria, Viktor] Orbán, não sei se queria, não [risos].

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sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

PEDRO DORIA Flávio: o que há num nome? OESP


A democracia liberal nasce do Iluminismo, do método científico, e se sustenta no debate baseado em fatos. Sem fatos, não há democracia. Estamos doentes.
26/12/2019 | 15h00
 Por Pedro Doria - O Estado de S. Paulo

Por custo e sustentabilidade, empresas retomam autoprodução de energia, OESP

Por custo e sustentabilidade, empresas retomam autoprodução de energia


Wellington Bahnemann, O Estado de S.Paulo
27 de dezembro de 2019 | 04h00


Os investimentos em autoprodução de energia elétrica voltaram ao radar das grandes indústrias. Incentivadas pela redução nos custos das fontes renováveis de energia, pelo aumento dos preços da eletricidade e por compromissos ambientais para tornar as suas operações mais sustentáveis, empresas de diferentes segmentos passaram a investir ou firmar parcerias para viabilizar a construção de novos empreendimentos eólicos e solares.
O movimento retoma uma tendência registrada entre a segunda metade dos anos 90 e o início dos anos 2000, quando indústrias eletrointensivas investiram na construção de novas hidrelétricas para ter acesso a uma fonte de energia mais barata. Foi nesse contexto que grandes empresas de mineração e siderurgia do País, como Vale, Votorantim, Alcoa e CSN, participaram da implementação de empreendimentos como Machadinho (RS/SC), Estreito (TO/MA) e Igarapava (MG/SP).
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Eólica. Ganho em escala e aumento da eficiência das turbinas baratearam preço da energia Foto: Wether Santana/Estadão
Restrições ambientais para a construção de novos projetos hidrelétricos, até então a fonte de energia elétrica mais barata, e o surgimento do mercado livre reduziram drasticamente os investimentos em autoprodução nos últimos 15 anos. A promessa de reduzir a conta de luz em 30% “da noite para o dia”, por meio da negociação direta com geradores ou comercializadores, fez com que as indústrias optassem pela migração para o ambiente livre de contratação.
Com o advento de novas tecnologias e modelos de negócio, o investimento em autoprodução tem atraído, desta vez, não apenas os eletrointensivos, mas também indústrias que desejam uma pegada mais sustentável e eficiente para as suas operações. É o caso da cervejeira Ambev. A empresa definiu duas metas até 2025: consumir 100% da sua energia elétrica de fontes renováveis e reduzir em 25% as emissões de carbono em toda a sua cadeia de valor.
Um dos primeiros passos para o cumprimento da estratégia foi a parceria com o fundo de investimento Casaforte para a construção de uma usina eólica de 80 MW de capacidade na Bahia. A cervejeira firmou contrato de R$ 600 milhões para compra de energia por 15 anos para viabilizar o projeto, que vai atender a 100% da demanda das fábricas da Budweiser e 100% das unidades fabris no Nordeste. “O projeto vai representar 35% da nossa meta de consumo”, afirmou o vice-presidente de Sustentabilidade e Suprimentos da Ambev, Rodrigo Figueiredo.
Para cumprir os outros 65%, Figueiredo afirmou que a Ambev aposta em usinas solares e em outros projetos eólicos. Além dessa frente, a Ambev também anunciou a construção de 31 usinas solares, no modelo de geração distribuída, para abastecer os seus quase 100 centros de distribuição pelo Brasil. A cervejeira firmou contratos de dez anos no valor de R$ 140 milhões com quatro empresas, que investirão R$ 50 milhões nas 31 plantas.

Unipar

Fruto dos ganhos de escala e do aumento de eficiência das turbinas, o preço da energia eólica teve uma queda substancial nos últimos dez anos. Em 2009, quando a fonte entrou com mais força nos leilões de energia nova, os investidores vendiam a oferta entre R$ 130/MWh e R$ 150/MWh. Hoje, esses valores variam entre R$ 80/MWh e R$ 100/MWh. Essa expressiva redução chamou a atenção da Unipar Carbocloro, que foi o primeiro consumidor livre do País a firmar um contrato de migração para o mercado livre em 1999 com a estatal Copel.
No começo de novembro, a Unipar constituiu uma joint venture com a geradora AES Tietê para a construção de um parque eólico de 155 MW na Bahia, um investimento total de R$ 620 milhões. Quando estiver operando em 2023, a usina fornecerá energia suficiente para 30% da demanda por energia elétrica do grupo. Os outros 70% serão adquiridos no mercado livre, mas a ideia é ampliar a participação da autoprodução. 
“Se existirem novas opções de projetos, vamos considerar a possibilidade”, afirmou o presidente da Unipar, Aníbal do Vale. Hoje, a energia elétrica representa em torno de 40% dos custos variáveis da empresa química.
A Braskem também demonstra interesse em projetos de fontes renováveis. A empresa firmou um contrato de 20 anos com a francesa EDF no valor de R$ 400 milhões, que está viabilizando a construção de uma usina eólica de 33 MW na Bahia do Complexo Folha Larga. 
O diretor de Energia da petroquímica, Gustavo Checcucci, disse que a Braskem também avalia investimentos em fontes renováveis. Com 25% da demanda suprida por autoprodução, a empresa tem intenção de ampliar o porcentual, mas sem cravar uma meta. “A autoprodução é um modelo diferente. A expectativa é que você seja mais competitivo do que em um contrato no mercado livre, mas o risco também é maior porque a indústria assume a gestão do ativo.”
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,por-custo-e-sustentabilidade-empresas-retomam-autoproducao-de-energia,70003137253