quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Mais de 40% do que é coletado vai para lixão ou similar, Mara Gama, FSP

Lixões e aterros sem controle ambiental continuam em operação e recebendo parte substancial do que é coletado pelos municípios

Mais de 3.000 municípios ainda destinam seus resíduos para locais inadequados, como lixões e aterros sem controle ambiental. Significa que essas cidades buscam o lixo doméstico nas casas das pessoas com seus veículos, atravessam distâncias consideráveis queimando gasolina e jogam os resíduos em locais que não têm nenhum sistema de proteção à saúde humana e ao meio ambiente. São criadouros de doenças e poluição do ar, do solo e das águas.
Em 2018, 29,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) foram depositados em locais desse tipo, 40% do total coletado.
Enquanto no Brasil os outros 59,5% (43 milhões de toneladas por ano) vão para em aterros sanitários com condições de operação, países com a mesma faixa de renda têm média de destinação adequada de resíduos bem superior: 70%.
Lixão do município de Barcarena, região metropolitana de Belém, em março de 2018
Lixão do município de Barcarena, região metropolitana de Belém, em março de 2018 - Eduardo Anizelli/Folhapress
Os dados constam no Panorama dos Resíduos Sólidos 2018/2019 da Abrelpe (Associação Brasileiras das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), que foi lançado em novembro. O relatório é uma das poucas fontes de informação do setor.
O cenário é desolador. A geração total estimada de resíduos foi de 79 milhões de toneladas por ano, passando de 214.868 toneladas por dia para 216.629 toneladas por dia, mantendo crescimento observado desde 2015. Desse total, 6,3 milhões de toneladas ao ano de lixo domiciliar sequer foram coletados. A taxa de cobertura da coleta está em 92%. Segundo o Panorama, cerca de 1 em cada 12 brasileiros não tem coleta em casa.
Disposição por tipo de destinação, em toneladas por dia
Disposição por tipo de destinação, em toneladas por dia - Abrelpe/IBGE

 

Coleta de resíduos sólidos urbanos no Brasil
Coleta de resíduos sólidos urbanos no Brasil - Abrelpe/IBGE

 

Geração de resíduos sólidos urbanos no Brasil
Geração de resíduos sólidos urbanos no Brasil - Abrelpe/IBGE

RESÍDUOS PERIGOSOS

O levantamento aponta que em 2018 4.540 municípios prestaram serviços de coleta, tratamento e disposição final de 252.948 toneladas de resíduos de saúde (material de hospitais, clínicas, laboratórios) o que representa uma diminuição de 1,55% em relação a 2017 (1,94% em termos per capita). Mesmo no grupo de municípios que executaram esses serviços, mais de um terço (36,2%) deu destinação inadequada aos resíduos, levando-os sem tratamento prévio a lixões, aterros sem preparo e vazadouros. É ilegal essa disposição.

SELETIVA NÃO AVANÇA

O Panorama aponta que apenas 70% dos municípios contam com alguma iniciativa de coleta seletiva e o índice nacional de reciclagem permanece em 3%. É brutal a quantidade de materiais potencialmente recicláveis que são encaminhados diretamente para unidades de disposição final.

POLUIDOR-PAGADOR

Para o presidente da entidade, Carlos Silva Filho, o Panorama mostra que o processo idealizado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos ainda está distante de se tornar realidade e os recursos aplicados na gestão de resíduos são cada vez mais insuficientes, com impacto direto na saúde de 78 milhões de brasileiros.
O Panorama mostra retrocesso no mercado de serviços do setor de limpeza urbana. Houve queda de 1,28% na movimentação financeira, além da perda de quase 5 mil postos de trabalho. Para a execução de coleta, transporte, destinação, varrição de ruas, limpeza de feiras, manutenção de parques, praças e jardins, foram aplicados R$ 10,15 por habitante/mês, em média.
A Abrelpe defende que, para avançar nessa área no caminho da sustentabilidade, são necessários investimentos em novas plantas e recursos permanentes para a operação e para isso é indispensável um sistema de remuneração direta pelos usuários. Ou seja, o pagamento de taxa de lixo transparente conforme a geração e utilização dos serviços. A solução seria mais justa do ponto de vista social e desoneraria os cofres públicos de alto desembolso, argumenta.
Mara Gama
Jornalista e consultora de qualidade de texto.

Justiça derruba regra que permitia intervenção médica sem aval de grávida, OESP

Fabiana Cambricoli, O Estado de S.Paulo
19 de dezembro de 2019 | 05h00


SÃO PAULO - A Justiça Federal suspendeu parte de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que permitia que gestantes fossem submetidas a intervenções médicas contra a vontade delas. A decisão foi proferida nesta terça-feira, 17, e atende a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Ainda cabe recurso. 
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Entidade de obstetrícia diz ser preciso seguir recomendações científicas; professora da UnB vê afronta a direitos à saúde e à dignidade humana Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO
A resolução foi publicada em setembro e estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente. O artigo 5.º da norma foi o que criou polêmica e levou o MPF a entrar na Justiça. No trecho, o CFM determina que a recusa do paciente a um tratamento ou intervenção pode não ser aceita pelo médico “quando caracterizar abuso de direito” e destaca que, no caso de gestante, essa análise deve ser feita “na perspectiva do binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto”. Na prática, o médico estaria autorizado a realizar intervenções contrárias à vontade da mulher sob o argumento de benefício ao feto.
Para o MPF, esse e outros trechos da resolução, quando aplicados à gestante, “trazem sérios riscos, visto que permitem a adoção de procedimentos médicos coercitivos ou não consentidos, caracterizadores de violação dos direitos fundamentais das mulheres”. Os procuradores destacaram que a norma pode favorecer procedimentos desnecessários no parto, como a episiotomia (corte entre a vagina e o ânus feito para facilitar a passagem do bebê) e a administração do soro de ocitocina (usado para induzir e acelerar o trabalho de parto).

Liberdade de escolha

A tese foi aceita pelo juiz federal Hong Kou Hen, da 8.ª Vara Cível Federal de São Paulo, que, em sua decisão, destacou que a regra do CFM, “mesmo que indiretamente, resulta na ilegal restrição da liberdade de escolha terapêutica da gestante em relação ao parto”. Ele decidiu suspender o trecho do artigo 5.º que previa que a vontade da mãe poderia ser caracterizada como abuso de direito sobre o feto. A decisão também suspendeu parcialmente outros dois artigos da resolução: o 6.º e o 10.º.
O juiz determinou ainda que a decisão tenha ampla divulgação à classe médica, incluindo publicação no site do CFM e dos conselhos regionais, sob pena de multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento.

Reações

Procurado pelo Estado, o CFM disse que, até a noite desta quarta, não havia sido notificado, mas que irá recorrer “apresentando os argumentos que justificam a criação da norma”.
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) não comentou a decisão, mas já havia se posicionado favorável à regra em setembro, quando a norma foi publicada. Na ocasião, a entidade afirmou que a norma “poderia auxiliar” os médicos da especialidade e fez recomendações aos seus associados com base nos artigos da resolução.
“Recomendamos aos colegas associados que, durante o atendimento obstétrico à parturientes, procure aplicar as melhores práticas obstétricas, respeitando os princípios da autonomia do paciente, mas não se esquecendo dos princípios da não maleficência e da proporcionalidade, que nos resguardam o direito de executar o que é recomendado cientificamente para o binômio mãe-feto”, dizia nota da entidade.
Para Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em bioética, a norma do CFM é inconstitucional. A resolução, segundo ela, fere princípios fundamentais, como o direito à saúde e à dignidade humana. “A resolução mostra a intencionalidade moral de abuso de poder de um órgão normativo de classe como um órgão definidor de legislação impondo barreiras e restrições no campo das decisões reprodutivas das mulheres.”

Trechos suspensos

Três artigos da resolução 2232/2019 do CFM foram parcialmente suspensos pela Justiça. 
  • Art. 5º
Foi suspenso o parágrafo 2º do referido artigo, que previa que “a recusa terapêutica manifestada por gestante deve ser analisada na perspectiva do binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto”, o que, segundo o MPF, fere a autonomia das mulheres.
  • Art. 6º
O trecho prevê que o médico, ao não acatar a recusa do paciente a determinado tratamento, registre o fato no prontuário e o comunique ao diretor técnico do estabelecimento de saúde “para que este tome as providências necessárias perante as autoridades”.
  • Art. 10º
O artigo determina que, em casos de objeção de consciência por parte do médico e na ausência de outro profissional, em casos de urgência e emergência e quando a recusa terapêutica trouxer danos previsíveis à saúde do paciente, a relação com ele não pode ser interrompida por objeção de consciência, devendo o médico adotar o tratamento indicado, independentemente da recusa terapêutica do paciente.

Área da Renca, entre Amapá e Pará, tem trauma de projetos grandiosos, Memoria FSP



Há quatro meses, cerca de 500 funcionários indiretos foram dispensados da Jari Celulose, a maior empresa da região. Concluída em 2014, a usina hidrelétrica Santo Antonio do Jari, chegou a empregar 2.600 trabalhadores, mas hoje funciona com 30 pessoas e é acusada de ter deixado ribeirinhos sem água e luz.
Em agosto, o governo Temer anunciou a extinção da Renca (Reserva Nacional do Cobre Associados) –o presidente adiou por 120 dias a medida, que também é contestada na Justiça, com o intuito de abrir a região para investimentos privados de mineração. A notícia pegou de surpresa Laranjal do Jari, maior cidade de uma região traumatizada por grandes empreendimentos.
"Laranjal do Jari foi construída sobre palafitas com a criação da Jari Celulose", diz à Folha o prefeito Márcio Serrão (PRB). "Com esse problema que a empresa está passando, existe um desemprego muito grande que vem afetando todo o município: o taxista, o catraieiro [barqueiro], o dono de loja."
PARA ENTENDER A RENCA
Emancipada há 30 anos, Laranjal do Jari (AP) existe por causa do Projeto Jari, um dos mais mirabolantes da Amazônia, comparável apenas à Fordlândia (PA) –fracassada tentativa de produzir borracha para a fábrica de automóveis na primeira metade do século 20.
O Projeto Jari começou em 1967, quando o americano Daniel Ludwig adquiriu 1,4 milhão de hectares para implantar um empreendimento de celulose. Essa área havia sido grilada por um "coronel" do Ceará, segundo pesquisa da geógrafa Maria Luíza de Camargo, que estudou o tema em seu mestrado, na USP.
Em abril de 1978, a fábrica de celulose e uma usina termelétrica chegaram à região após terem sido rebocadas desde o Japão, numa epopeia de quase três meses.
Mesmo com generosos incentivos públicos, o projeto não deu o retorno esperado, e Ludwig se desfez dele em 1982. Desde 2000, a empresa está sob o controle do paulista Sergio Amoroso, que assumiu a dívida de US$ 415 milhões.
De 2013 a 2014, a fábrica foi paralisada para passar por um processo de modernização de US$ 300 milhões. Desde então, segundo moradores, a empresa nunca retomou sua plena capacidade.
Para piorar, em 2015, a Jari Florestal, braço da empresa que explora madeira, foi alvo da Operação Tabebuia, que investigou um esquema para fraudar créditos florestais e esquentar madeira.
"Este é o pior momento. Já foi boa essa Jari", diz o desempregado Raimundo da Silva, 54. Demitido há cinco meses, hoje vive da venda de geladinho pelas ruas.
Metade dos 46 mil moradores de Laranjal, terceira cidade mais populosa do Estado, vive em precárias palafitas. O saneamento básico é zero, em contraste com o distrito de Monte Dourado (PA), do outro lado do rio Jari.
Construído pelo Projeto Jari, Monte Dourado tem casas amplas (muitas vazias e todas conectadas à rede de esgoto) e que às vezes lembram um subúrbio norte-americano. É ali que vive a elite da região.
"O momento é difícil, mas já estamos com 90% de normalidade", disse Amoroso, maior acionista da Jari Celulose.
Sobre as demissões, afirmou que está arcando com custos trabalhistas e que houve um "problema de gestão" da empresa terceirizada, que levou à ruptura de contrato. Ele também afirma que foi induzido ao erro por quem vendeu madeira fraudulenta.
3 HORAS DE LUZ
Distante 12 km da hidrelétrica Santo Antonio do Jari, a comunidade Comaru só tem três horas de energia por dia, dizem os moradores, realocados por causa da inundação provocada pela obra.
Esse não é o único problema do conjunto de 48 casas construído em 2014 pela multinacional EDP (Energias de Portugal) na foz do rio Iratapuru: os ribeirinhos, que vivem da extração da castanha, têm de buscar água no rio em carriolas.
O esgoto nunca foi interligado e, quando chove, parte da rua enche de fezes. Eles reclamam dos mosquitos e da falta de vedação do forro, por onde entram morcegos e ratos.
"Está pior do que antes. Isso aqui era muito lindo, tinha praia, e agora está tudo inundado", diz Aldemir da Cunha, presidente da cooperativa Comaru, que extrai castanha na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Iratapuru. Esta, por não ser uma unidade de proteção integral, pode abrigar projetos de mineração caso o governo extinga a Renca.
Extrativistas e outros habitantes da região ouvidos para esta reportagem afirmaram que não foram consultados pelo governo federal sobre o impacto da extinção da Renca para a região.
Em nota, a EDP informou que "cumpriu todos os pontos de seu plano de compensação socioambiental[...]. A empresa esclarece que a manutenção e operação dos sistemas implementados são de responsabilidade das concessionárias regionais."
Procurada, a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) informou que não tem "nenhuma responsabilidade" sobre as instalações elétricas feitas pela EDP.
A Companhia de Água e Esgoto do Amapá (Caesa) afirma que a interligação do sistema tem sido dificultada pela falta de energia, mas que elaborará um projeto em até 90 dias para começar a resolver o problema.
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Editoria de Arte/Folhapress
onde fica

PROJETO JARI

Maior empreendimento da região da Renca
1967
O empresário americano Daniel Ludwig adquire 1,4 milhão de hectares entre o PA e o AP. O obje- tivo era plantar árvores para uma fábrica de papel
1978
Construída no Japão, a fábrica de 17 andares de altura é rebocada até o rio Jari, um percurso de 27.000 km. Cerca de 100 mil hectares haviam sido desmatados pela empresa, que também construiu uma vila a seus funcionários, Monte Dourado (PA)
1982
Após vários problemas, Ludwig vende o projeto a um grupo de empresários brasileiros, com participação do Banco do Brasil
1983
Para proteger reservas minerais de empresas estrangeiras, a ditadura militar cria a Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados), que inclui parte das terras do Projeto Jari
1987
Com a atração populacional, é criado o município de Laranjal do Jari. Primo pobre de Monte Dourado, separados pelo rio Jari, é a terceira maior cidade do Amapá, com 47 mil habitantes
2000
O Grupo Orsa, do empresário paulista Sergio Amoroso, compra o empreendimento. Paga apenas R$ 1, mas assume dívida de US$ 415 milhões
2013 e 2014
A fábrica da Jari Celulose paralisa a produção e passa por reformas de modernização