Determinação foi dada pelo desembargador Geraldo Pinheiro Franco; novos documentos são entregues nesta quarta (18)
SÃO PAULO
Após uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, certidões de óbito de pessoas torturadas pela ditadura militar foram retificadas por cartórios e entregues às famílias nesta quarta-feira (18).
A partir de agora, no campo relativo à causa do óbito, as certidões constarão que houve “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto de perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora”.
Como a Folha apontou em maio, as alterações nos documentos vinham sendo negadas pela 2ª Vara de Registros Públicos da capital.
Foi o caso da certidão de Luiz Eduardo Merlino (1948-1971), jornalista torturado e morto na ditadura, que apontava a causa da morte no registro oficial como anemia aguda traumática. A versão foi desmentida pela Comissão Nacional da Verdade em 2014.
Os pedidos de retificação foram feitos pela então presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, a procuradora regional da República Eugênia Gonzaga, vinculada ao governo federal e assinada pelas famílias.
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Ela foi substituída do cargo em agosto, pelo governo Jair Bolsonaro, junto a mais três dos sete integrantes da comissão.
Ao receber o pedido de retificação da certidão de Merlino, o escrivão do cartório de Jardim América (zona oeste da capital) questionou a juíza 2ª Vara, Letícia Fraga Benitez, se estava autorizado a fazer essa mudança.
Ela negou, embora tenha, em decisão anterior, autorizado que constasse a frase na certidão de óbito. “A retificação pretendida demanda a realização de juízo de valor a respeito do pleiteado”, disse, à época.
A família de Merlino recorreu da dessa decisão e o caso foi parar nas mãos do então corregedor do Tribunal de Justiça, Geraldo Pinheiro Franco, que decidiu a favor da retificação em outubro passado.
Pinheiro Franco foi eleito no início do mês presidente da corte pelos próximos dois anos.
Além dos familiares Merlino, também receberá a certidão de óbito retificada a família de Virgílio Gomes da Silva (1933-1969), que militava para a ALN (Ação Libertadora Nacional).
A cerimônia de entrega dos documentos corrigidos aconteceu no Ministério Público de São Paulo, na manhã desta quarta.
A certidão de Merlino com erro chegou a ser mencionada pela defesa do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015) ao recorrer de uma sentença que o condenava a pagar indenização à família do jornalista em 2012.
O recurso de Ustra contra a decisão de primeira instância foi julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em outubro do ano passado, em meio a um segundo turno presidencial em que o coronel do DOI-Codi paulista, ídolo do então candidato Jair Bolsonaro, virou figura-chave em debates políticos.
Na decisão, os desembargadores citam o argumento da defesa a respeito da certidão de nascimento, mas não analisaram a legitimidade do documento —apenas decidiram que o caso estava prescrito.
A professora universitária Angela de Almeida, companheira de Merlino à época em que ele foi morto, tem dito que essas menções e o uso jurídico só reforçaram a urgência de mudança no documento oficial. “A necessidade de modificação da certidão não é apenas simbólica para nós”, disse.