terça-feira, 16 de abril de 2019

O ministro antiFalcone, José Padilha, FSP

Pacote de Moro contra o crime vai fortalecer milícias

O cineasta José Padilha, diretor de "Tropa de Elite", "Ônibus 174" e "Robocop" - Leonardo Soares - 26.fev.14/Folhapress
José Padilha
Sergio Moro sabe que:

1 - As milícias são organizações criminosas controladas por policiais civis e militares corruptos e violentos;

2 - Esses policiais utilizam o aparato do Estado, como armas, helicópteros e caveirões, para expulsar o tráfico e dominar as favelas;

3 - As milícias cobram por proteção e dominam atividades econômicas importantes nas áreas que controlam: distribuição de sinais de TV e de gás de cozinha e transporte alternativo; 

4 - As milícias decidem quem faz propaganda eleitoral nas suas áreas e financiam campanhas políticas;

5 - Milicianos e políticos ligados a milicianos foram eleitos no Brasil para cargos legislativos e executivos em níveis municipal, estadual e federal.

Mesmo sabendo de tudo isso, o ministro Sergio Moro declarou que as milícias representam a mesma coisa que as facções criminosas dentro das prisões, sugerindo que esses grupos operam como o varejo do tráfico de drogas.

Ora, o leitor sabe que sempre apoiei a operação Lava Jato e que chamei Sergio Moro de “samurai ronin”, numa alusão à independência política que, acreditava eu, balizava a sua conduta. Pois bem, quero reconhecer o erro que cometi. 
Digo isso porque não há outra explicação: Sergio Moro finge não saber o que é milícia porque perdeu sua independência e hoje trabalha para a família BolsonaroFlávio Bolsonaro não foi o senador mais votado em 74 das 76 seções eleitorais de Rio das Pedras por acaso...

pacote anticrime que Sergio Moro enviou ao Congresso —embora razoável no que tange ao combate à corrupção corporativa e política— é absurdo no que se refere à luta contra as milícias. De fato, é um pacote pró-milícia, posto que facilita a violência policial.

Se Sergio Moro tivesse estudado os autos de resistência no Brasil teria descoberto que:

1 - Apenas no Rio de Janeiro, a cada seis horas, policiais em serviço matam alguém;

2 - A versão apresentada por esses policiais costuma ser a única fonte de informações nos inquéritos instaurados em delegacias para apurar os homicídios;

3 - Como policial tem fé pública, a sua versão embasa a excludente de ilicitude, evitando a prisão em flagrante;

4 - A Polícia Civil, além de raramente escutar testemunhas ou realizar perícias no local dos assassinatos, tem mania de desfazer as cenas do crime para prestar socorro às vítimas, apesar de a maioria delas morrer instantaneamente em decorrência de disparos no tórax;

5 - Desde 1969, quando o regime militar editou a ordem de serviço 803, que impede a prisão de policiais em caso de “auto de resistência”, apenas 2% dos casos são denunciados à Justiça e poucos chegam ao Tribunal do Júri.

Aprovado o pacote anticrime de Sergio Moro, esse número vai tender a zero. Isso porque o pacote prevê que, para justificar legitima defesa, bastará que o policial diga que estava sob “medo, surpresa ou violenta emoção” —ou, ainda, que realizava “ação para prevenir injusta e iminente agressão”.
 
O hábito que os policiais milicianos têm de plantar armas e drogas nos corpos de suas vítimas para justificar execuções é tão usual que deu origem a um jargão: todo bom miliciano carrega consigo um “kit bandido”. Aprovado o pacote de Moro, nem de “kit bandido” os milicianos precisarão mais.
Sergio Moro nunca sofreu atentados e nunca lidou com a máfia. Mas o juiz Giovanni Falcone, em quem o ministro diz se inspirar, foi morto aos 53 anos de idade na explosão de uma bomba colocada pela máfia em uma estrada. Sua mulher e três seguranças morreram com ele.
 
O crime foi uma reação da máfia à operação “Maxiprocesso”, que prendeu mais de 320 mafiosos na década de 1980. Ela deu origem à operação “Mãos Limpas”, que mostrou que a máfia elegia e controlava políticos importantes na Itália.

Ora, no contexto brasileiro, é obvio que o pacote anticrime de Moro vai estimular a violência policial, o crescimento das milícias e sua influência política. Sergio Moro foi de “samurai ronin” a “antiFalcone”. Seu pacote anticorrupção é, também, um pacote pró-máfia.
José Padilha
Cineasta, diretor dos filmes "Tropa de Elite" (2007), "Tropa de Elite 2" (2010) e "RoboCop" (2014)

Para 1/3 dos brasileiros câncer é causado por trauma psicológico, FSP

Falta de informação e estigma dificultam controle da doença, mostra pesquisa

    Natália Cancian
    BRASÍLIA
    Oito em cada dez brasileiros têm contato com ao menos uma pessoa com câncer. Entre seis em cada dez, o diagnóstico ocorreu entre familiares, e ao menos 2% são pacientes que têm ou já tiveram a doença.
    Apesar dessa aparente proximidade, o câncer ainda é alvo de estigma e desconhecimento no país, apontam dados de uma pesquisa inédita encomendada pelo Instituto Oncoguia, que atua em apoio a pacientes.
    Para se ter uma ideia desse paradoxo, ao mesmo tempo em que cresce a oferta de informações sobre a doença, 32% dos brasileiros dizem acreditar que o câncer é causado por traumas psicológicos.
    Células de câncer de mama, vistas com auxílio de microscópio eletrônico
    Células de câncer de mama - Khuloud T. Al-Jamal, David McCarthy e Izzat Suffian
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    E embora a relação entre cigarro e câncer pareça óbvia, 8% dos entrevistados dizem desconhecer essa associação. Além disso, 62% afirmam não ver relação entre obesidade e câncer.
    “São dados preocupantes”, afirma a presidente do Oncoguia, Luciana Holtz, para quem os números evidenciam a necessidade de aumentar os esclarecimentos sobre fatores de prevenção do câncer e combater mitos.
    “É muito comum ouvirmos a frase: ‘eu fiz o meu câncer’. As pessoas relacionam o câncer a uma fase depressiva, ou a uma demora para tomar decisões na vida. Esse é um mito que temos que esclarecer. Claro que a depressão tem que ser monitorada, porque estamos falando de uma queda de imunidade importante, mas a relação direta entre traumas psicológicos e o câncer não existe.”
    Enquanto a ciência descarta uma relação de causa entre traumas e câncer, o oposto vale para a associação entre alguns tumores e obesidade, a qual já é comprovada.
    Atualmente, o excesso de peso corporal está associado ao risco de desenvolver ao menos 13 tipos de câncer, segundo documento recente do Inca. Entre eles, estão o câncer de esôfago, estômago, pâncreas, vesícula biliar, fígado, intestino e rins, por exemplo.
    Em 2018, estudo da Faculdade de Medicina da USP, em parceria com a Universidade de Harvard e a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da Organização Mundial da Saúde, estimou que 15 mil novos casos de câncer poderiam ser evitados a cada ano com a redução do sobrepeso e obesidade.
    Para oncologista clínico Gélcio Mendes, coordenador de assistência do Inca (Instituto Nacional de Câncer), a dificuldade em ver a obesidade como fator de risco tem a ver com o imaginário das pessoas em relação ao câncer.
    “A obesidade é um dos principais fatores de risco para câncer, mas as pessoas não conseguem fazer essa ligação direta. O que fica num imaginário em relação à doença são pessoas com câncer terminal, desenvolvendo magreza extrema. A gente imagina que uma pessoa bem nutrida vai estar protegida contra o desenvolvimento de doenças. O problema é que, quando falamos em obesidade, não falamos em alguém bem nutrido, mas em alguém mal nutrido para o lado do excesso”, diz.
    A pesquisa que verificou a proximidade com o câncer e a falta de informação sobre os fatores de risco ouviu 2.002 pessoas de 16 anos ou mais, em amostra representativa da população. O levantamento foi conduzido pelo Ibope.
    O objetivo era entender o nível de conhecimento e percepção da população sobre o tema. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
    Neste ponto, há uma boa notícia: ao menos 60% dos brasileiros indicam a importância do diagnóstico precoce e os avanços no tratamento como principal percepção em relação ao câncer.
    Do outro lado, 16% afirmam ver na doença uma “sentença de morte”, 15% a veem como sofrimento e dor e 7% dizem ter medo até de mencionar a palavra. Juntos, esse conjunto de percepções negativas atingem 38% do total.
    “Isso mostra como precisamos ter uma mudança no olhar em relação ao câncer”, diz Luciana. Não que a realidade de quem tem câncer seja fácil. “Mas é preciso ver como essa percepção negativa impacta no diagnóstico e no tratamento”, diz.
    “Há pessoas que dizem que não fazem exames porque quem procura acha. Com isso, muitas pessoas se afastam da rede de saúde”, completa.
    Não à toa, a pesquisa mostra que, na avaliação de pessoas que se declaram como mais próximas a pacientes, a área mais afetada pelo câncer é o emocional. Em seguida, está o corpo/físico, a qualidade de vida e a situação financeira.
    Foi o que viveu Regiane Costa Espanhol, 41, que trata um câncer de mama metastático há seis anos.
    “A princípio, encarei com muita força, que é quando dá aquele pico para o tratamento. Você liga no 220v e vai. Até chegar em um estágio do tratamento em que só tomava medicação, e tudo desacelerou. Nesse momento fiquei depressiva. Não podia mais trabalhar, e fiquei meio que esperando morrer”, relata.
    O acesso à terapia por meio de uma psicóloga que lhe ofereceu acompanhamento gratuito, afirma, permitiu superar a depressão e obter força para continuar o tratamento. 
    Hoje, defende que haja maior investimento no tratamento psicológico a pacientes com câncer. “É imprescindível que o SUS tenha esse olhar. Isso gera mais qualidade de vida. Quando tem a parte emocional em controle, a dor é amenizada, e o impacto familiar é menor”, diz Regiane.
    Além da oferta de apoio psicológico, dados da pesquisa sugerem que há outros entraves que ainda precisam ser superados na rede de saúde.
    Entre eles, estão a dificuldade de acesso a exames e para marcar consultas, segundo entrevistados que têm parentes próximos ou que foram eles próprios diagnosticados com câncer.
    Para Mendes, o acesso ao diagnóstico é hoje um dos principais gargalos, o que pode estar relacionado a vários fatores, afirma. “São exames que têm um custo apreciável, a remuneração de prestadores de serviço não é atrativa e a oferta de serviço é limitada.”
    Ele defende que haja maior organização da rede para atender casos urgentes. “Se tem um paciente com um tumor no estômago, não se pode esperar meses para uma endoscopia. O que para uma gastrite seria um tempo razoável, para quem tem um tumor pode ser a diferença entre o paciente ficar curado e não ter perspectiva de cura”, compara.
    No início do tratamento do câncer de mama, Regiane conta que chegou a esperar oito meses por um laudo, situação que a fez solicitar a transferência para outro hospital da rede pública —o primeiro passava por forte crise financeira.
    “Hoje eu tenho a sorte de ter um laudo em 30 dias, que é o menor tempo que eu já vi pelo SUS. A equipe que me atende também é muito engajada. Mas levo 2h30 de ônibus e metrô só para chegar no hospital”, afirma.
    Outro impasse é a burocracia. “Tenho que atualizar todas minhas autorizações a cada três meses, mesmo estando em constante tratamento. Entendo que precisa atualizar, mas o prazo poderia ser maior.”