As raivosas redes sociais
Se no futebol o clima sempre foi quente, o da política é ainda mais beligerante
Quem faz jornalismo esportivo está mais que acostumado com a intolerância entre torcedores rivais, que se tratam como inimigos.
Jornalistas que assumem seu clube de coração, então, apanham por ter cão e por não ter.
“Ah, ele escreveu que foi pênalti para o Corinthians? É claro, ele é corintiano!”.
Ou, “até ele que é corintiano reconheceu que não foi pênalti”.
Nunca se admite que “ele” disse que foi ou não foi pênalti porque assim lhe pareceu, independentemente do time dele.
O que antes estava restrito aos estádios, ou às cartas para redação, hoje está facilitado e disseminado pelas redes cada vez mais antissociais.
Acrescente ao time do coração do jornalista a sua posição política e o caldo explosivo para a barbárie está pronto.
Se o dito cujo tiver um blog, então, os ataques passam a ser diretos, sem censura, embora, em regra, com pseudônimo, artimanha inútil porque basta querer para, com mais ou menos trabalho, identificar os valentões.
Como se sabe, tenho um blog no UOL, do Grupo Folha.
Em passado recente, identifiquei um professor universitário, do norte do Paraná, que insistia com xingamentos por detestar um determinado cartola que ele achava ser de meu agrado. Não era, ao contrário, o que esclareci pelo próprio blog. Em vão.
Um belo dia resolvi escrever para ele anunciando que publicaria seus comentários com nome e sobrenome para que seus alunos tivessem uma ideia de quem era seu professor.
Nunca mais apareceu.
Outro, já por motivação política, passou dos limites e logo descobri que era dono de uma pousada no litoral paulista.
Também escrevi para ele dizendo que deveria se preocupar com seus hóspedes.
Foi outro a tomar doril.
Na semana passada, no entanto, apareceu um que extrapolou todos os limites.
Ameaçava, alardeava a volta dos tempos da ditadura, dos porões, anunciava que havia servido no Pelotão de Operações Especiais (Pelope), no Paraná, que me acharia onde quisesse (como se fosse difícil). Loucuras tamanhas que a moderação do blog se limitava a jogá-las no recipiente adequado.
Mas, provavelmente enraivecido por não ver suas barbaridades publicadas, e encorajado pela imaginada impunidade sob a alcunha JConselheiro, exagerou: mandou um comentário sugerindo que meu fim seria o mesmo dos que foram jogados ao mar pelos helicópteros da ditadura. “Cuidado com as postagens contra Bolsonaro! Acho que seu nome já está na lista daqueles passageiros dos famosos helicópteros dos tempos áureos da Ditadura, onde (sic) sobrevoavam mares distantes!(...)boa viagem e até nunca mais!!!”, escreveu.
Logo o identifiquei, apesar de usar o email da esposa, atleticano paranaense e corretor de imóveis.
José Emílio Joly Júnior, 56, estava lá, todo pimpão em sua rede antissocial, com fotos até do tempo em que serviu o exército.
O caso foi entregue ao procurador de Justiça Paulo Marco Ferreira Lima, que comanda o Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos do Ministério Público paulista.
Informado de que assim seria, Joly Júnior mandou singelo email ao blog: “Sabemos da lisura deste blog bem como da pessoa que assina, Juca Kfouri. Pedimos desculpas pelas veiculações, em respeito ao blogueiro (Juca Kfouri) bem como aos seus seguidores”.
Como se bastasse, como se fosse suficiente, para alguém que diz conhecer bastidores estarrecedores de tempos tão sombrios. E que até de pedófilo xingou o blogueiro.
É preciso denunciar tipos assim.
Juca Kfouri
Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.