domingo, 16 de setembro de 2018

Militares na política produzem anarquia, Elio Gaspari, FSP (definitivo)



Quando não se sabe o nome do ministro da Educação, mas conhece-se o de generais, coisa ruim pode acontecer


Houve um tempo em que se sabia o nome dos ministros da Educação e da Saúde. Depois, as pessoas tiveram que aprender a composição do Supremo Tribunal Federal e conheceram também a péssima opinião que alguns deles têm de seus colegas. Agora começa-se a aprender nome de generais. Há o Villas Bôas, o Mourão e o Augusto Heleno e o presidente do Supremo Tribunal levou um quatro-estrelas da
reserva para sua assessoria.
Mau sinal. Faz tempo, quando o presidente Ernesto Geisel decidiu promover Jorge de Sá Pinho a general de Exército, um curioso perguntou-lhe quem era ele.
— É um grande oficial e a prova disso é que você não sabe quem é. (Em 1984 Sá Pinho foi um dos generais do Alto Comando que impediram aventuras contra Tancredo Neves, mas pouca gente se deu conta.)
Quando se sabe o nome de generais, algo estranho está acontecendo. Felizmente dois dos notáveis de hoje estão na reserva. Nada a ver com o tempo em que comandantes de guarnições metiam-se em política. Em 2014 o general Hamilton Mourão comandava a poderosa tropa do Sul e meteu a colher onde não devia e perdeu o comando. Pouco se falou do episódio que em outros tempos abriria uma crise. Ele mesmo reconhece que “andei extrapolando o tamanho da minha cadeira e a autoridade do comandante não pode deixar de ser exercida”.
Quando a confusão é enorme, tende-se acreditar que a entrada dos militares na cena política é um remédio de última instância. Não é. Quando os militares ocupam a cena, acaba uma confusão e começa outra, a da anarquia militar. 


O general Hamilton Mourão, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, fala em uma entrevista
O general Hamilton Mourão, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro - Marlene Bergamo /Folhapress
Um golpe derrubou D. Pedro 2º em 1889 e, dois anos depois, o vice-presidente, marechal Floriano Peixoto, soprou o presidente-marechal Deodoro da Fonseca para fora do palácio. Floriano governou até 1894, esmagou duas rebeliões militares e fuzilou um marechal.
Durante o tumultuado regime constitucional que foi de 1946 a 1964 ocorreram quatro revoltas de generais. O consulado militar outorgou-se o primado da ordem e, mesmo com censura e AI-5, as revoltas também foram quatro: 1965, 1968, 1969 e 1977. Noves fora o Riocentro, de 1981.
Por maior que seja a confusão existente, quando se chamam os militares para botar ordem no circo, cria-se outra confusão, que nem eles são capazes de prever. O projeto de ordem de 1964, com o general Humberto Castello Branco à frente do processo, durou exatamente 12 horas.

AS 12 HORAS DO GENERAL FRANCÊS

No início da noite de 30 de março de 1964 nem o general Olímpio Mourão Filho sabia que derrubaria o presidente João Goulart. Só durante a madrugada de 31 é que ele disparou telefonemas anunciando que se rebelara.
Havia diversas conspirações em curso, mas nenhuma delas estava associada a Mourão, cuja tropa era despicienda. Às oito da manhã o general Amaury Kruel, comandante das guarnições de São Paulo, recusou-se a entrar naquilo que chamou de a “quartelada do senhor Mourão”.
No fim da noite, Kruel entrou e decidiu a parada. Restava a João Goulart a tropa do Rio, mas ao longo da manhã ela derreteu. Às 13h do dia 1º de abril o general Castello Branco telefonou a um amigo dizendo que o levante estava vitorioso.
Castello, um general de tintas francesas, prestígio militar e tradição legalista, comandava o Estado-Maior do Exército e parecia ser o chefe da nova ordem. 
Na juventude, Castello e Kruel haviam sido amigos, mas desentenderam-se durante os combates de Monte Castelo, na Itália. Faltou pouco para que o “Alemão” encestasse “Tamanco”. Nunca voltaram às boas.
Kruel tinha um inimigo no quartel-general, mas tinha também um amigo, o general Arthur da Costa e Silva, inexpressivo e mal falado porém audacioso. Nas horas em que tudo confluía para a sagração de Castello,
os dois entenderam-se.
Por volta das seis da tarde, Costa e Silva estava na sala de Castello com o general Ernesto Geisel e saiu para dar um telefonema noutro lugar. O tenente-coronel Leônidas Pires Gonçalves, que saia de um banheiro, assistiu ao seguinte diálogo entre Geisel e Costa e Silva:
— Por que o senhor não vai assumir o 1º Exército (atual Comando Militar do Leste)?
— Eu vou assumir essa coisa toda, respondeu Costa e Silva. (O “coisa” vai por conta do cavalheirismo de Leônidas.)
À 1h da madrugada do dia 2, doze horas depois do telefonema comemorativo da vitória, Geisel redigiu uma nota informando que “o Excelentíssimo Senhor General Arthur da Costa e Silva” assumira
o comando do Exército.
Passados dois anos e uma revolta militar, ele emparedou Castello e tornou-se presidente. Em 1968, emparedou-se noutra revolta e baixou o Ato Institucional nº 5.
Em março de 1964 muita gente achava que era preciso tirar os militares dos quartéis, mas ninguém pensava que a República acabaria na mão de Costa e Silva, nem ele.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo está mostrando Pindorama a um cretino sueco que participa de um programa de intercâmbio internacional de idiotas. Até agora não conseguiu responder a uma pergunta do colega:
“Por que no Brasil há filas de pacientes no sistema público de saúde e há filas de médicos oferecendo-se para cuidar de celebridades?”

AULA DE CONDUTA

Diante da frenética corrida dos médicos à cabeceira de Jair Bolsonaro (foram cinco), vale a lembrança de um episódio ocorrido em 2014.

O cirurgião americano Wayne Isom estava de férias quando recebeu um telefonema. Era um colega chamando-o para uma operação e deu-se o seguinte diálogo:
— Estou de férias.
— Mas é uma pessoa muito importante.
— Todos os pacientes são importantes, mas eu tenho que
jogar golfe às 9h.
— Mas eles querem você. (Isom era o mais renomado cirurgião cardiovascular do país.)
— Quem é?
— Não posso te dizer, é uma pessoa importante.
— Se você não pode me dizer, vou jogar meu golfe.
Isom indicou um nome e foi em frente. O ex-presidente Bill Clinton foi operado com sucesso.

RAQUEL DODGE SALVOU TEMER

Deixando Brasília, Michel Temer deveria construir um pequeno oratório para agradecer uma graça recebida da procuradora-geral Raquel Dodge.
Os çabios do Planalto decidiram prorrogar por 30 anos cinco concessões de 13.000 km de ferrovias. Verdadeira girafa, pois os contratos só venceriam em 2026 e a prorrogação iria até 2056.
O Ministério Público Federal sentiu cheiro de queimado e em agosto Raquel Dodge entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal. Além disso, a pedido do ministério dos Transportes, o Tribunal de Contas da União pegou o caso.
A iniciativa da procuradora empalhou a girafa. Se o bicho andasse, Temer teria outro fardo para carregar. Para quem não lembra, sua encrenca no porto de Santos nasceu de um prorrogação de
uma concessão até 2035. 
A girafa da prorrogação das concessões move-se no escurinho de Brasília. Está longe
do debate eleitoral.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Opções paulistas, FSP- O QUE A FOLHA PENSA



São Paulo parece ter escapado do pior ao atravessar a grave crise em que o país afundou nos últimos anos. Funcionários públicos e fornecedores continuam recebendo em dia do governo; não houve interrupção de serviços essenciais como em outros lugares.
Apesar dos reflexos da recessão sobre suas receitas, o estado conseguiu recuperar a arrecadação e foi capaz de manter suas contas equilibradas, segurando despesas e garantindo uma margem modesta para realização de investimentos.
Os gastos com pessoal, principal fonte de desarranjo financeiro em outros estados, continuam dentro dos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. As despesas com aposentadorias são crescentes, mas não parecem representar ameaça imediata.
Decerto, boa parte dos méritos deve ser atribuída à continuidade proporcionada por sucessivas gestões do PSDB desde 1995. 
Mais de duas décadas de hegemonia tucana, no entanto, podem ter representado também um incentivo à acomodação, desencorajando a adoção de soluções inovadoras que poderiam aumentar a eficiência da gestão do estado mais rico do país.
O desempenho da rede pública de ensino de São Paulo, em particular, decepciona. Divulgados há poucos dias, os resultados mais recentes do principal indicador de qualidade da educação básica mostram que unidades da Federação mais pobres têm progredido mais.
Segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), São Paulo perdeu a liderança no início e no fim do ciclo fundamental e também no ensino médio. Sua nota na última etapa caiu de 3,9 para 3,8, numa escala que vai até 10.
É um sinal de que até iniciativas na direção correta têm sido inócuas. O estado oferece há muitos anos aos professores bônus associados a melhorias no aprendizado dos alunos, mas avaliações internas do próprio Executivo põem em dúvida a eficácia da medida.
Urge que se aprenda algo com experiências de administrações que fizeram mais com menos recursos. No Ceará, por exemplo, parte das verbas repassadas aos municípios é condicionada a progressos nas escolas públicas, o que estimula boas práticas.
Iniciativas no sentido de aprimorar a coordenação com outras esferas de governo também teriam impacto na área de saúde. 
São Paulo mantém alguns dos melhores hospitais públicos do país, ilhas de excelência que demonstram a utilidade de parcerias com organizações privadas na gestão de áreas complexas. 
Mas é raro encontrar o mesmo padrão de atendimento na linha de frente do sistema, e falta conectar melhor as unidades de atenção primária com aquelas em que se realizam tratamentos mais sofisticados.
Há espaço para ações mais decididas que combatam a duplicação de esforços. Em vez de estimular a competição entre municípios por recursos escassos, caberia ao governo estadual incentivar a formação de consórcios regionais como os que algumas cidades têm organizado para a gestão da saúde.
Na segurança pública, São Paulo alcançou significativa redução dos homicídios nos últimos anos, mas não conseguiu o mesmo êxito no combate a roubos, furtos e outros crimes contra o patrimônio.
Há enorme ineficiência na Polícia Civil, encarregada de esclarecer os delitos. Inquéritos são abertos apenas para 10% dos casos e poucos chegam a uma conclusão —somente 2% dos roubos reportados são solucionados pelos agentes.
O fiasco de inovações na prevenção do crime, como a tentativa de criar um sistema que conectasse bancos de dados com câmeras de vigilância espalhadas pela capital, é mais um indício da necessidade de aprimoramento dos métodos empregados na área.
A região metropolitana da capital tem o melhor sistema de transporte sobre trilhos do Brasil, mas nos últimos anos os sinais de saturação se tornaram evidentes, com trens superlotados, panes frequentes e outros transtornos.
Atrasos na ampliação das linhas do Metrô e da CPTM deixaram as falhas mais expostas. Não haverá solução sem a atração de concessionários privados. 
Reformas nos mecanismos de controle interno do governo paulista seriam bem-vindas, para evitar a repetição de desvios como os que foram revelados em vários empreendimentos em transportes nos últimos anos.
Faltam à Corregedoria Geral da Administração do estado os instrumentos necessários para punir funcionários corruptos —hoje, ela se limita a sugerir sanções aos órgãos envolvidos, nos raríssimos casos em que identifica os responsáveis.
Como outros estados, São Paulo tem pouca flexibilidade orçamentária. Obrigações em educação, saúde e segurança implicam gastos com pessoal elevados, o que restringe os recursos para investimentos e outros programas. Isso só reforça a necessidade de deixar a zona de conforto e buscar novos modelos de gestão e parceria.

sábado, 15 de setembro de 2018

Como a burocracia destruiu o País, OESP

*IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, O Estado de S.Paulo
15 Setembro 2018 | 03h00

Alvin Toffler, na década de 1980, lançou um livro com o título A Terceira Onda, no qual preconizava o mundo futuro da tecnologia, que substituiria em grande parte a mão de obra repetitiva da indústria e da agricultura, mostrando como a sociedade de serviços, que denominou “terceira onda”, dominaria o mundo. Não tinha dados suficientes para saber até que ponto, com o crescimento da população humana e a redução constante de mão de obra da indústria e da agricultura, seria esta substituída pelas oportunidades abertas na área de serviços, que teria como base uma considerável elevação do nível educacional e cultural dos empregados, no porvir.
No livro, todavia, havia uma séria preocupação quanto aos “integradores do poder”, expressão que utilizava para denominar os “burocratas”, aqueles que, com os políticos, governam os países.
Numa de suas reflexões declarava que, para se sustentarem no poder, os “integradores” geram novos “integradores” e criam novas exigências sobre a sociedade para que não perderem seus cargos, vaticinando que, no futuro, seriam mais importantes que os políticos. Isso porque estes passam e aqueles, não.
O Brasil, infelizmente, constitui a mais clara realização da profecia toffleriana, pois aqui os burocratas comandam o País, multiplicam as exigências sobre a sociedade, atrapalhando qualquer sonho de desenvolvimento, multiplicando-se de uma forma assustadora, com direitos que se auto-outorgam e devem ser suportados pelo povo a um custo que parece estar levando a Nação à Idade Média, quando os servos da gleba sustentavam, com seu trabalho e riqueza, o ócio dos senhores feudais e de sua casta.
Comecemos com o sistema tributário, irracional, confuso e de impossível interpretação científica pelos maiores especialistas. No momento em que se permite aos agentes do erário atribuir a qualquer operação empresarial a suspeita de planejamento tributário e, mesmo que o empresário siga rigorosamente a lei, mas não escolha o caminho mais oneroso de pagar tributos, deve ele ser considerado sonegador e apenado com elevadíssimas multas, cria-se fantástica insegurança jurídica. A função do fisco passa a ser não a de orientar o contribuinte, mas exclusivamente a de obter, legal ou ilegalmente, recursos para sustentar a esclerosada máquina burocrática, intocável em seus direitos “feudalísticos”. Não se pode esquecer que a carga tributária brasileira é superior à de EUA, China, Japão, Suíça, Coreia do Sul, México e de quase todos os países emergentes.
Assim é que 13,4 milhões de servidores públicos (ativos e inativos, civis e militares) – ou seja, 6,44% da população brasileira, sendo 2,2 milhões federais, 4,7 milhões estaduais e 6,5 milhões municipais – gastaram em 2017 o correspondente a 15,90% do produto interno bruto (PIB), vale dizer, consumiram 49,20% da carga tributária, que foi de 32,38% do PIB em 2016.
Por outro lado, os governantes brasileiros deste século, principalmente os dos 13 anos de domínio da esquerda, levaram ao poder seus aliados, prevalecendo a preferência ideológica à eficiência do servidor público. Catapultaram-se, dessa forma, espetaculares escândalos de corrupção (mensalão e petrolão), assim como se exacerbou o corporativismo dos enquistados no poder com monumental má aplicação de recursos, produzindo, nada obstante a elevadíssima carga tributária, uma queda no PIB, só nos dois últimos anos levemente recuperada, tendo havido uma lamentável redução no investimento para o desenvolvimento. Perdemos, pois, competitividade internacional, estando o País a navegar nas águas turbulentas da descrença generalizada, com 13 milhões de desempregados, à custa da preservação de todos os intocáveis privilégios dos burocratas brasilienses.
O pior, todavia, reside na instabilidade institucional criada. Sendo função da burocracia não auxiliar, mas complicar a vida do cidadão para se manter no poder, todas as reformas que objetivavam tornar todos os brasileiros iguais (governantes e povo), simplificar a legislação, torná-la compreensível para os que devem cumpri-la, reduzir a ineficiente máquina estatal, fazer que a que Federação coubesse no PIB foram boicotadas na “Versalhes brasileira do século 21” (Brasília), com o apoio de uma classe política acuada por investigações e denúncias decorrentes dos escândalos gestados desde o início do século.
E, à evidência, tudo isso regado com uma superinflação de leis criadas por políticos e burocratas. A todo momento alguma lei é descumprida e os salvadores da pátria, revestidos do sagrado dever de não permitir que nada desse arsenal legislativo seja atingido, põem sob suspeita todo e qualquer cidadão, utilizando-se sempre da estratégia de promover um escândalo público, via imprensa, para facilitar seu trabalho punitivo. Nesse quadro, a confiança de brasileiros e estrangeiros tem sido cada vez menor num país onde a racionalidade do poder há muito deixou de existir. 
Um Poder Judiciário invasor de funções legislativas e executivas, um Legislativo em grande parte manietado por desvios e investigações, um Executivo dominado pela burocracia, uma carga tributária insuportável para sustentar a casta dominante e uma sociedade exaurida, isso é o que restou deste país exangue e dividido pela pior das ditaduras, que é a dos privilegiados, os únicos que podem mudar o curso da história, mas que não o fazem porque não desejam perder suas benesses.
Em meu livro Uma Breve Teoria do Poder, tristemente concluí que, através da História, a função do detentor do poder sempre foi não servir, mas manter o poder, representando, pois, o grande obstáculo que vivemos, na democracia brasileira, que, apesar de eleições sucessivas, continua sendo destruída pelo corporativismo burocrático.
*PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DE DIREITO DA FECOMERCIO-SP