quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O País do carnaval, Eliane Cantanhêde OESP


Os milhões que não vão às ruas por Lula e pela política se esbaldam no carnaval

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
06 Fevereiro 2018 | 03h00
Dois milhões de brasileiros foram às ruas de São Paulo no sábado e, no domingo, um milhão invadiu a Rua da Consolação, no centro da capital paulista. As fotos são impressionantes e dão muito o que falar e o que pensar. O “povo” não quer só desgraça, o “povo” quer festa e carnaval!
Eles protestavam contra ou a favor da condenação do ex-presidente Lula na Justiça? Ou da ameaça de prisão do maior líder popular do Brasil? Ou seria contra ou a favor do governo Michel Temer? Da reforma da Previdência? Da reforma trabalhista? Da privatização da Eletrobrás ou da combinação da Embraer com a Boeing dos Estados Unidos? 
Seria então contra ou a favor da posse da deputada Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho? Do auxílio-moradia de juízes, procuradores e parlamentares? Ou da falta de julgamento dos políticos com mandato pelo Supremo?
Ah! Foi por causa do aquecimento global, da crise hídrica, das peripécias de Donald Trump, da implosão da Venezuela? Senão, foi contra o Aedes aegypti, que continua dando um banho nas autoridades brasileiras? Ou diretamente contra as doenças transmissíveis? Num ano, zika, chikungunya, H1N1. No outro, febre amarela. Febre amarela, que se combate com vacina???
Não, nada disso. Milhões de pessoas estão indo às ruas de São Paulo, do Rio, de Salvador, do Recife... para pular o carnaval e mostrar que o Brasil é muito maior do que sua corrupção e seus poderosos. Aliás, uma semana antes de o carnaval começar, como os deputados e senadores, que abriram o Ano Legislativo ontem já com um pé no avião para a folia nos seus Estados ou para uma “folga” numa cidade bem bacana ou em praias paradisíacas. 
O fato é que, como a gente sempre fala aqui neste espaço, tem sempre alguém prevendo protestos, quebra-quebras, incêndios e mortes se Dilma Rousseff cair, se mudarem as regras do pré-sal, se o Congresso derrubar as denúncias da PGR contra Temer, se a reforma isso ou aquilo passar, se...
Nada disso aconteceu, nem mesmo quando o TRF-4, de Porto Alegre, não apenas manteve a condenação de Lula como aumentou a pena imposta pelo juiz Sérgio Moro, de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês, pedindo cumprimento de pena após tramitação dos recursos no próprio tribunal. Um punhado de militantes desfilava com suas bandeiras vermelhas, enquanto a Bovespa batia recorde e o dólar caía. Tudo dentro dos conformes.
O presidente do TRF-4 circulou por gabinetes de Brasília, o ministro da Justiça foi a Porto Alegre, o centro da capital gaúcha foi isolado, atiradores de elite foram acionados. Muito ruído por nada. Nem os apoiadores de Lula nem os críticos de Lula queriam guerra nem “mortes”.
O povo brasileiro está cansado de escândalos, de roubos, de crises, de cortes, de todos os partidos embolados numa grande nuvem de confusões. Mas o povo brasileiro nunca se cansa de carnaval.
Aliás, não apenas nos tradicionais Rio, Salvador, Recife, porque o carnaval de rua cresce, ano a ano, em São Paulo e as fotos do Estado de ontem mostram a força não só dos blocos de rua, mas também da alegria e da disposição do brasileiro para a folia, para as festas populares.
Se houve fotos impactantes assim na política foi nas Diretas-Já e em junho de 2013, quando um aumento de centavos nas passagens urbanas detonou um protesto gigantesco, surpreendente, sem lideranças, partidos, alvos diretos. Mas que continua provocando efeito.
Aquela manifestação foi apartidária e um alerta geral aos poderosos. E é altamente improvável que se repita contra a prisão de condenados por corrupção, mesmo que esse condenado seja Lula. O “povo” é anticorrupção e pró-carnaval!

Embraer/Boeing, comércio e geopolítica,*Raul Jungmann, O Estado de S.Paulo


Sejamos pragmáticos, nenhum país vende uma empresa estratégica e líder em tecnologia

*Raul Jungmann, O Estado de S.Paulo
08 Fevereiro 2018 | 03h02
Durante anos o Brasil discutiu e utilizou instrumentos para desenvolver a sua indústria. Questões como tarifas, subsídios, cotas, margens de preferências e outros tantos mecanismos de proteção foram utilizados e debatidos.
No entanto, não nos demos conta de que um decisivo instrumento de política industrial que temos está ancorado na parceria estratégica entre a Força Aérea Brasileira e a Embraer. Foi por meio dos sucessivos projetos militares de desenvolvimento de novas aeronaves que a Embraer conseguiu dar saltos de produtividade e de tecnologia, gerando importantes dividendos para a economia brasileira.
Com o desenvolvimento do Bandeirantes e do Xavante a empresa aprendeu a estruturar a produção industrial seriada de aeronaves. Com o Xingu veio a tecnologia que permitiu o desenvolvimento dos sucessos comerciais Brasília e EMB-145.
Posteriormente o programa AMX com a Itália levou ao desenvolvimento dos sistemas fly-by-wire (comandos elétricos), e com a fabricação do Super-Tucano, juntamente com a modernização dos caças F-5, possibilitou o domínio da integração de softwares e o desenvolvimento de sistemas integrados de missão. A partir daí a Embraer deu novo salto e lançou toda a linha E-jet 170/190, cujo êxito comercial consolidou a nossa aviação regional.
A Embraer é, portanto, mais que uma empresa aeronáutica: é líder de uma importante cadeia global de valor, responsável pelo desenvolvimento e pela integração de importantes e complexos sistemas. É desenvolvedora do software de gerenciamento do espaço aéreo brasileiro, responsável pelo sistema de propulsão nuclear no submarino brasileiro, está no Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteira (Sisfron), no projeto do primeiro satélite geoestacionário nacional e é desenvolvedora de radares.
Largamente utilizado pelos países desenvolvidos, particularmente pelos Estados Unidos, o investimento em programas militares permite que as empresas desenvolvam tecnologias que não estariam disponíveis apenas com o esforço empreendedor do setor privado. Por meio dos projetos militares, as empresas contratam engenheiros, cientistas e inúmeros outros técnicos para o desenvolvimento de novas tecnologias e de novas capacidades. Com esse instrumento, o risco do empreendimento fica com o Estado, mas o benefício se espalha por toda a sociedade, que passa a contar com novos empregos, novos produtos e serviços, novas soluções e novos métodos produtivos, tornando o processo de inovação resultado de uma efetiva estratégia de desenvolvimento.
Esse mecanismo faz com que o principal instrumento de política industrial desses países seja o contrato militar de desenvolvimento, imune a contenciosos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Por isso o dispêndio em defesa é mais do que simplesmente a aquisição de produtos militares. É um poderoso instrumento que pode impulsionar cadeias produtivas e fomentar a inovação em setores estratégicos.
Além disso, em geral produtos e serviços estão disponíveis para venda nos mercados, mas não as tecnologias, que são fortemente controladas pelos Estados soberanos, tendo como expoente as legislações de controle de exportações (Aitar) e de produtos e tecnologia de defesa dos Estados Unidos.
Analisando sob a óptica comercial, uma possível parceria entre a Boeing e a Embraer traria inúmeros benefícios. As empresas contariam com uma forte ampliação do portfólio de produtos, seria possível verticalizar partes importantes da produção, haveria ganhos de escala e as aeronaves brasileiras contariam com a força e o poder logístico e de comercialização da maior fabricante de aeronaves do planeta. A Boeing, por sua vez, passaria a contar com uma engenharia de excelência que surpreendeu o mercado aeronáutico ao produzir, em curto espaço de tempo e com mínimos problemas, duas novas aeronaves, a saber, o cargueiro tático KC-390 e a nova família de jatos comerciais E-2.
Com o mercado dobrando de valor a cada década e meia, nos próximos 20 anos algo entre 35 mil e 40 mil novas aeronaves serão entregues aos operadores comerciais – um mercado entre 5,5 e 6 trilhões de dólares. Do total, 70% das entregas serão em aeronaves de um único corredor e 40% terão como destino o eixo Ásia-Pacífico, ficando a América Latina com 8% das entregas. Com esses números, verifica-se que o mercado está em forte expansão. E com a concentração global no setor, não apenas na fabricação de aeronaves, mas também na cadeia de suprimentos, algumas barreiras à concorrência ficarão mais nítidas e sólidas.
Em perspectiva, a recente aquisição do projeto C-Series da Bombardier pela Airbus colocou ainda mais pressão no mercado. Com esse movimento a empresa americana viu a sua maior rival não apenas ampliar a sua linha de produtos para a categoria de 100 e 140 lugares, mas também inseriu sua operação dentro do mercado americano por intermédio da fábrica da Bombardier no Alabama.
Com efeito, o que tem dificultado o desejável jogo ganha-ganha entre Brasil e Estados Unidos são as questões de propriedade intelectual, de transferência de tecnologia e controle regulatório e legal por parte do Congresso americano. Isso porque, num modelo de subordinação de governança corporativa o desenvolvimento de novas capacidades militares e tecnológicas ficaria sujeito à legislação estadunidense. O que poderia implicar a perda de desenvolvimento de tecnologia e de conhecimento no Brasil, porque as relações que imperam nessa área não são regidas pelas leis de mercado, mas por estratégias geopolíticas e de defesa nacional.
Por isso precisamos ser pragmáticos. É importante que as partes compreendam os limites impostos e busquem formas construtivas de estruturar relações benéficas, de longo prazo, para todos os envolvidos.
Daí que nenhum país no mundo vende uma empresa estratégica e líder em tecnologia como a Embraer.

O petróleo volta a ser nosso, José Serra. OESP


Se mantivermos o passo firme, a estimativa é de alcançarmos 5,5 milhões de barris/dia até 2030

*José Serra, O Estado de S.Paulo
08 Fevereiro 2018 | 03h08
Na semana passada a União assinou os contratos de outorga aos consórcios vencedores dos leilões petróleo do pré-sal realizados em outubro, já sob as regras da Lei 13.365, de minha autoria, sancionada no final de 2016. Essa lei desobrigou a Petrobrás de participar da exploração de todos os campos ofertados e, mais ainda, cobrindo, no mínimo, 30% dos investimentos.
O dinamismo que hoje caracteriza o nosso setor de petróleo e gás contrasta com a letargia que marcou os anos da gestão petista, sob a tutela da lei aprovada em 2010, por iniciativa da então candidata presidencial Dilma Rousseff.
Em 1997, o governo Fernando Henrique Cardoso promoveu a quebra do monopólio da Petrobrás – que fechava o setor para os investimentos privados – e instituiu o regime de concessão, em que são pagos os bônus de assinatura (à vista) e são previstos royalties e participações especiais aos entes da Federação, tudo sob a supervisão da Agência Nacional do Petróleo. Esse modelo – ao contrário do que previam os críticos – ampliou rapidamente a produção de petróleo no País, dobrando-a em dez anos, quando chegou a 1,8 milhão de barris por dia.
A contraproducente mudança do marco legal em 2010 – mais como bandeira ideológica do que por fundamentos econômicos sólidos – criou o regime de partilha e determinou que a participação compulsória da Petrobrás em todos os leilões de novos campos fosse de, no mínimo, 30%. Tratou-se de medida acima de tudo desnecessária, pois o regime de concessão já previa as participações especiais, instrumento capaz de ampliar a renda estatal do petróleo em caso de subida dos preços.
A mudança de 2010 criou um imbróglio que parou os leilões por três anos. Somente viria a ser realizado um novo certame em 2013, o do Campo de Libra, com resultados decepcionantes tanto pelo baixo número de competidores quanto pelo pequeno porcentual de óleo-lucro oferecido à União pelo único consórcio participante: 41%. Para se ter uma ideia, nos últimos leilões, já sob a legislação pós-Dilma, o porcentual médio de óleo oferecido à União foi de 60%. Trocando em graúdos, a União receberá 20 pontos porcentuais a mais da produção de óleo nos campos recentemente leiloados, em comparação com o que ganhará em Libra. O petróleo está voltando a ser nosso.
Não é demais lembrar a conjunção de populismo e patrimonialismo que ameaçou levar a Petrobrás à lona. Congelaram-se os preços da gasolina e do diesel na tentativa de debelar a inflação. Os investimentos feitos foram de baixo retorno, em parte por erros técnicos, em parte porque eram um canal para obtenção de vantagens não bem ajustadas ao interesse público.
O fato é que a Petrobrás não conseguiu cobrir os compromissos da lei Dilma e, como resultado, leilões foram sendo postergados. Isso encolheu os investimentos privados no aumento da produção.
Ao final dos governos petistas a deterioração das finanças da Petrobrás atingiu níveis perigosos. Os juros implícitos dos títulos de sua dívida internacional com vencimento em 2024 chegaram a 9,6% – em dólar! Hoje esses juros são de 5%. O pessimismo com a empresa foi tão grande que suas ações caíram a R$ 5 no início de 2016. Agora, em trajetória de recuperação, atingiram R$ 20.
Acelerar a produção do pré-sal é imperativo para aproveitarmos este período em que o petróleo ainda tem valor, apesar de já estar em trajetória de obsolescência. As novas fontes de energia (especialmente solar e eólica), as restrições ao uso de combustíveis fósseis e os ganhos de eficiência energética – vejam a arrancada fulminante do carro elétrico – tendem a reduzir o consumo per capita de petróleo. De 2011 a 2014 o preço médio do barril foi superior a US$ 100. Hoje, mesmo na presença de uma inédita concertação entre os maiores exportadores, o barril está a menos de US$ 70 e muitos especialistas acreditam que nem esse nível será sustentável. Se continuássemos atrasando o aumento da produção no pré-sal, suas imensas reservas ficariam enterradas para sempre.
Não há tempo a perder.
Como bem lembrou o ministro Fernando Bezerra durante a cerimônia de assinatura dos contratos de partilha, o Brasil até hoje perfurou 30 mil poços de petróleo, metade do realizado pela Argentina e igual ao número de poços que se abrem anualmente nos Estados Unidos. Se mantivermos o passo firme que adotamos a partir de 2016, a estimativa é de que alcancemos 5,5 milhões de barris/dia até 2030, dobrando nossa participação na produção mundial de 2,5% para 5%.
Isso demandará a instalação de mais 40 plataformas de exploração, com um investimento de R$ 850 bilhões, o que elevará a receita com petróleo da União, dos Estados e municípios a R$ 100 bilhões por ano.
Dado o aumento do porcentual de óleo-lucro induzido pela maior competição, somente os leilões de outubro passado propiciarão aos entes da Federação uma receita total de R$ 600 bilhões até 2030. Apenas em bônus de assinatura, que são o pagamento à vista feito pelas vencedoras dos leilões, a União arrecadou R$ 6,2 bilhões.
Outras medidas importantes são a reconfiguração do regime fiscal (Repetro) e das regras de conteúdo local. Com o aumento esperado na produção, a demanda por equipamentos impulsionará a indústria nacional, sem os exageros que acabavam por atrasar a entrada em operação dos projetos.
Um subproduto importante do ambiente competitivo reinstalado na produção de óleo e gás é que a indústria nacional terá acesso à demanda por equipamentos das grandes petrolíferas em todo o mundo. Provavelmente essa abertura induzirá maior competitividade no setor, um fator crucial para revertermos a nossa preocupante tendência à desindustrialização.
O novo marco do regime de partilha demonstra como boas políticas podem rapidamente reverter o pessimismo, criar oportunidades e efetivamente gerar emprego e riqueza. O petróleo está ajudando o Brasil a se levantar.
*Senador (PSDB-SP)