domingo, 4 de fevereiro de 2018

Lula pode evitar a prisão asilando-se - ELIO GASPARI, FSP


FOLHA DE SP/O GLOBO - 04/02

"Nosso Guia" poderá achar que é melhor chorar no exílio do que em Curitiba 


Lula vai preso? Quando? Existe uma outra possibilidade. Diante da prisão inevitável e próxima, Lula entra numa embaixada latino-americana, declara-se perseguido político e pede asilo diplomático. Não há nenhuma indicação de que ele pretenda fazer isso, mas a realidade ensina que esse caminho existe.

Pelo andar da carruagem, Lula será preso para cumprir a pena que lhe foi imposta pelo TRF-4. Está condenado a 12 anos de cadeia, e dois outros processos poderão render novas penas. Aos 72 anos, ralará alguns anos anos em regime fechado até sair para o semiaberto.

Como é melhor chorar no exterior do que rir na carceragem de Curitiba. Lula sabe que dispõe do caminho do asilo diplomático. Considerando-se perseguido político, conseguiria essa proteção em pelo menos duas embaixadas, a da Bolívia e a do Equador. Pedir proteção aos cubanos ou aos venezuelanos só serviria para queimar seu filme.

Para deixar o Brasil, Lula precisaria de um salvo-conduto do governo de Michel Temer. Bastariam algumas semanas de espera, esfriando o noticiário, e ele voaria. Uma vez instalado no país que lhe deu asilo, ele poderia viajar pelo mundo. Mesmo que voltem a lhe tomar o passaporte, isso seria uma irrelevância. Até 1976, João Goulart, asilado no Uruguai, viajava com passaporte paraguaio.

O asilo de Lula poderia agradar ao governo, pois, preso, ele seria defendido por uma constrangedora campanha internacional. (Guardadas as proporções, como aconteceu com o chefe comunista Luís Carlos Prestes entre 1936 e 1945.)

A vitimização de Lula perderia um pouco de dramaticidade, mas as cadeias ensinam que com o tempo a mobilização murcha, e a solidão da cela toma conta da cena.

A gambiarra tem um inconveniente. Ele só poderia voltar ao país nas asas de uma anistia.


SURGIU UM KENNEDY NO TRUMPISTÃO

O partido Democrata designou o deputado Joseph Kennedy III para discursar na contradita à fala de Donald Trump na sessão de reabertura do Congresso americano. Ele falou durante 13 minutos e, quando terminou, o partido Democrata tinha uma nova estrela.

Com algum exagero, a cena foi comparada ao discurso de um senador pouco conhecido na convenção democrata de 2004. Chamava-se Barack Obama e tinha 43 anos. Quatro anos depois ele foi eleito presidente dos Estados Unidos.

Joseph Kennedy III tem 37 anos, está no segundo mandato de deputado e é neto de Robert Kennedy, o senador assassinado em 1968, aos 43 anos, quando estava na bica para ser eleito presidente. Cinco anos antes, seu irmão John morrera em Dallas. (O mais velho da prole, Joseph, explodiu com seu avião durante a Segunda Guerra.)

O breve discurso de Kennedy o colocou na lista de notáveis do partido. Respondeu ao septuagenário Donald Trump com uma peça de perfeita oratória. Unificadora num país dividido, benevolente numa sociedade crispada, ele apontou para o futuro numa época de intransigências vindas do passado. Condenou o muro que Trump quer construir na fronteira com o México com um toque da maestria retórica de Ronald Reagan em Berlim: “Minha geração vai derrubá-lo”. Surpreendeu, dirigindo-se aos imigrantes em espanhol: “Vamos a luchar por ustedes”. (Ele passou dois anos na República Dominicana fazendo trabalho voluntário.)

Foi um discurso de candidato a muito mais. Pela primeira vez um Kennedy vai para a cabeceira da pista com chances de decolar. Seu pai foi um deputado medíocre, alguns de seus primos se meteram em escândalos. Com um currículo de primeira (diplomado pelas universidades de Stanford e Harvard), Joseph é abstêmio, casou-se com uma colega de faculdade e tem uma cabeleira normal, que lembra um pouco a do avô, nada a ver com a marquise laqueada de Trump.

FHC E HUCK
Um tucano sábio e bem informado desconfia, e tem razões para isso, que Luciano Huck é o candidato que Fernando Henrique Cardoso guarda na manga.

Um pedaço da banca torce o nariz para um candidato vindo da telinha, mas outro assegura que esse detalhe pode ser compensado colocando-se um tutor na vice. Para começo de conversa, poderia ser Paulo Hartung, atual governador do Espírito Santo.

É sempre bom recordar que em 1989 o PSDB cogitou colocar o ator Lima Duarte como candidato a vice de Mário Covas. À época ele era o grande astro da novela "O Salvador da Pátria". Como se sabe, a pátria acabou entregue a Fernando Collor.

A PF E O REITOR
Passaram-se quatro meses da manhã em que o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina Luiz Carlos Cancellier matou-se, jogando-se do sétimo andar de um shopping de Florianópolis.

Anunciou-se que se investigava um desvio de R$ 80 milhões. Sabe-se que isso era fantasia, e já se sabe que Lula foi condenado pelo TRF-4. Passados quatro meses, não se sabe quais irregularidades foram cometidas pelo reitor, ou por quem quer que seja.

Ele seria culpado de tentar obstruir a ação dos investigadores, mas ainda não apareceu um só depoimento convincente para sustentar essa acusação.

RISCO ALCKMIN
​Se a ventania da Lava Jato ou as investigações das roubalheiras ocorridas no setor metroferroviário de São Paulo jogarem um cisco na candidatura de Geraldo Alckmin, ela sai dos trilhos.

ASTÚCIA CRUEL
O TRF-4 elevou a pena de Lula para 12 anos e um mês. Esse mês adicional pode ter parecido uma crueldade irrelevante numa sentença para um homem de 72 anos.

Irrelevante não foi. Se Lula tivesse sido condenado a apenas 12 anos, seus advogados poderiam sustentar que seu crime estaria prescrito em 2017, oito anos depois do fato. Quando os desembargadores apensaram mais um mês, mudaram Lula de patamar, e a prescrição só poderia ser arguida em 2019.

GAVETA
Terminadas as férias do Judiciário, a Procuradoria-Geral da República deverá devolver ao Supremo Tribunal Federal o processo em que Rodrigo Janot pediu que o ministro Gilmar Mendes fosse impedido de julgar casos envolvendo o empresário Jacob Barata Filho.

O processo foi pedido para vista pela procuradora Raquel Dodge no final de setembro e enviado para exame por cinco dias.

GOLPE EM CARACAS
O secretário de Estado americano, Rex Tillerson, acha que uma das soluções para a crise venezuelana seria um golpe militar.

Ele e todos os defensores de soluções militares para a América Latina se esquecem que o coronel Hugo Chávez celebrizou-se em 1992 liderando um golpe militar fracassado.

Segundo o doutor, “na História da Venezuela e dos países sul-americanos, às vezes o Exército é o agente da mudança quando as coisas estão tão ruins e a liderança não mais serve ao povo”.

O penúltimo militar golpista a governar a Venezuela foi o general Pérez Jiménez. Larápio, foi deposto em 1958, fugiu para os Estados Unidos e lá viveu até 1963, quando foi devolvido aos venezuelanos e passou cinco anos na cadeia.

Agronegócio e expansão industrial - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS, OESP


ESTADÃO - 04/02

Um substancial parque industrial suporta e amplifica nossa competitividade


O agronegócio, com sua sofisticação tecnológica, traz muitas oportunidades de expansão industrial.

A mais evidente está ligada ao processo produtivo: máquinas, como tratores, colheitadeiras e implementos de todos os tipos para a produção agrícola; insumos, entre os quais se destacam os fertilizantes e os defensivos; equipamentos de diversas naturezas como os utilizados na produção florestal e no tratamento da madeira; para tratamento de resíduos e efluentes, que permitem a produção de materiais úteis e energia elétrica; sistemas de irrigação; para a produção leiteira (que, hoje, inclui até robôs); para produção de energia; fábricas de ração para animais; sais, vitaminas e produtos veterinários, para listar os mais relevantes. A imensa maioria desses bens são produzidos aqui.

Nas tecnologias mais recentes, há ainda a combinação de bens e serviços decorrentes da digitalização do setor, como drones, sistemas automatizados de alimentação de animais, sistemas de controle de irrigação, sistemas de gestão da propriedade e da empresa etc.

Uma área enorme se abre no que tange ao processamento, embalagem e a armazenagem dos produtos agrícolas e de uma extensa cadeia ligada à produção de alimentos e fibras e à exportação.

Coisas novas estão ocorrendo na produção de energia e combustíveis. Aqui, muito já se fez, como o desenvolvimento de motores flexíveis e os programas do etanol e do biodiesel. Entretanto, muito mais está por acontecer, como por exemplo, a possibilidade de desenvolvimento de carros híbridos movidos a etanol e combustíveis de segunda geração.

Ainda falando de inovações, estamos em meio a grandes avanços na produção de novos materiais, decorrentes de tecnologias, que permitem manipulação até o nível atômico. Em futuro breve, voltaremos a esse tema.

A reconhecida competitividade do agronegócio brasileiro não decorre apenas do seu povo, de seus recursos naturais e do avanço das pesquisas. Um substancial parque industrial participa, suporta e amplifica nossa posição.

Esses segmentos industriais e muitos serviços não pararam de crescer e investir, mesmo em meio a enorme crise que se abateu sobre o País. Grandes oportunidades estão ainda por ser aproveitadas ou desenvolvidas.

Exemplo. Um belo exemplo de inovação industrial associada ao agronegócio ocorreu na nova fábrica de celulose da Suzano, recém-instalada em Imperatriz do Maranhão.

No fim do ano passado foi inaugurada, dentro do complexo da celulose, uma unidade satélite da Peróxidos do Brasil (joint venture do grupo Solvay e da Produtos Químicos Makay), produtora de peróxido de hidrogênio, a primeira do mundo desse tipo.

Esse projeto tem várias características especiais. Sendo uma planta dedicada, é de escala relativamente baixa, de 12 mil toneladas/ano. Apenas para comparar, as escalas usuais para produção do produto chegam até a 300 mil toneladas/ano.

Entretanto, para que essa planta tivesse custo competitivo foram necessários revisão e redesenho da química de processo e do design de equipamentos. A unidade combina uma gama única de novas tecnologias proprietárias e inovadoras, com um processo simplificado e intensificado, um layout modular e compacto e um projeto pré-moldado e montado em plataforma. Foram totalmente desenvolvidas no Brasil e algumas dessas inovações foram patenteadas.

A operação é remota, mas não independente, uma vez que é totalmente controlada pela planta-mãe que se localiza em Curitiba.

Reforça a competitividade do novo projeto, o fato de se utilizar da infraestrutura industrial, das utilidades e matérias-primas já disponíveis no site do cliente, em Imperatriz do Maranhão.

Finalmente, a original solução desenvolvida para esse projeto tem um forte apelo ambiental, pois a planta evita centenas de viagens de caminhão que teriam de ocorrer se o suprimento do produto tivesse que ser feito da fábrica no centro-sul do País.

O novo desenho deverá ser exportado para outros locais do mundo.

*ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS.

Brasil horror show - FERNANDO GABEIRA, O Globo


O Globo - 04/02

Talvez tenhamos sofrido um transplante de consciência, mas não deu certo


Vendo o anúncio da série “Altered Carbon” tive uma estranha intuição sobre o que acontece no Brasil. A ideia central é o transplante de consciência de um corpo para outro. Creio que o filme deve levar a refletir também sobre o tema do momento: a inteligência artificial. Talvez tenhamos sofrido um transplante de consciência, só que foi uma operação que não deu certo. Alguns mecanismos deixaram de funcionar ou foram rejeitados pelo cérebro receptor.

Um exemplo: a decisão de Michel Temer de nomear Cristiane Brasil como ministra do Trabalho. Ela foi processada duas vezes na Justiça do Trabalho. Sua nomeação foi bloqueada. Temer insiste.

Com o caso prestes a ser julgado no Supremo, Cristiane Brasil aparece num barco dizendo barbaridades. O que mais repercutiu foi a forma de sua aparição, cercada de homens sem camisa, gritando “É isso aí, doutora”.

Mesmo se estivesse num convento cercada de piedosos frades, ela simplesmente mostrou que não conhece o tema para o qual foi designada: “Não sei quem passa na cabeça dessas pessoas que entraram na justiça contra mim.”

Ao dizer isso, revelou uma falha abissal na sua consciência política. Não ficou claro se ao pronunciar “quem” no lugar de “o que”, ela estava se referindo a uma possível entidade que baixa na cabeça das pessoas — um exu, uma pombajira — quando decidem reclamar seus direitos.

Temer diz que é uma escolha política. Entende por política apenas a relação com o Congresso. Falta nele a dimensão da sociedade. Acredita que basta frequentar programas populares de tevê. Falhas na operação de transplante.

A consciência de Itamar Franco, transplantada com êxito, não hesitaria diante do problema. Ele afastava ministros apenas por aceitarem hotel pago pela Odebrecht.

Foi tudo muito alterado no carbono político brasileiro. Os trabalhadores são insultados com uma escolha de uma ministra processada na Justiça do Trabalho, que nem sabe que santo baixa nas pessoas que reclamam direitos trabalhistas.

No passado, as entidades sindicais protestariam. Mas não se ouvem seus lamentos, nem nas ruas nem no Congresso. Algumas se concentram na defesa de seu líder condenado; outras estão envolvidas no toma-ládá-cá de Brasília.

A alteração transforma a cena política brasileira num show de horror. Uma ministra indicada dizendo aquilo e os homens sem camisa afirmando: todo mundo é processado na Justiça do Trabalho.

Quando digo show de horror não estou fazendo nenhuma alusão aos problemas que preocupam Temer. Ele confessou que sofria muito com a história de que estava ligado a práticas satânicas.

Tudo isso é uma bobagem. Assim como também acho injusto o apelido que ACM deu a Temer: mordomo de filme de terror.

Convivi com Temer alguns anos e o acho uma pessoa tranquila. Ele se parece com uma pessoa cordial. Não há nada de errado externamente. O problema foi esse possível transplante de consciência que não deu certo. Alguns reflexos desapareceram.

As evidências mostram como seu projeto de investir em Cristiane Brasil é um equívoco político. Mas em vez de dar graças a Deus porque juízes bloquearam a nomeação, decide lutar até o fim.

Vão morrer abraçados, Cristiane, Temer, os quatro homens sem camisa e até o ministro Carlos Marun, que, desde o tempo em que defendia Eduardo Cunha, não tem a tecla contato com a realidade social.

“Vocês queriam que ela estivesse de burka?”, perguntou Marun aos repórteres. Ninguém a quer usando burka ou biquíni. O que a consciência dos políticos precisa incorporar é simplesmente isto: é errado nomear não apenas acusados de corrupção mas também pessoas que ignorem o conteúdo de sua pasta.

Marun está para Temer como estava para Cunha: pronto para defender o chefe, não importa se as circunstâncias são constrangedoras.

Com a mesma expressão séria com que afirmava a inocência de Eduardo Cunha, agora se dedica não só a atacar procuradores mas a defender o direito de Temer de indicar seus ministros, sejam quem forem.

Neurônios se perderam na operação, sinapses tornaram-se impossíveis. Interessante é que chamam isso de política. Não percebem que para a própria sociedade, política é algo muito mais amplo e aberto.

O aliado maior de Temer, o PT, queria nos convencer que o objetivo último da vida é consumir eletrodomésticos e viajar de avião. Em nome dele, valia tudo. A parte da quadrilha que sobreviveu quer nos fazer crer que o objetivo central da vida é uma aposentadoria segura. Em nome dela, vale tudo.

O vírus chamado fins justificam os meios acabou se introduzindo na consciência com tanta força na cena política, e talvez seja ele que acionou a degradação do programa mental, tornando a política algo tão vulgar quanto uma pornochanchada.