terça-feira, 26 de dezembro de 2017

'Dum medium silentium', Carlos Heitor Cony, FSP ( muito bom!)

RIO DE JANEIRO - É um Natal triste. Podemos enfeitar as avenidas, as ruas, as casas e a nós mesmos. Ainda não saiu o saldo financeiro que beneficiou o comércio. De qualquer maneira, houve ceias, papais Noeis vagabundos andando pelas ruas e provocando o medo nas crianças. No fundo, o Natal transformou-se num produto comercial, embora tenha o mérito de reunir a família, os amigos e até mesmo alguns inimigos.
Para valer, o Natal é uma festa de meditação e silêncio. "Dum medium silentium... Foi num grande silêncio que Jesus nasceu". Esse silêncio só foi quebrado pelo coro dos anjos que cantavam a gloria de Deus e a paz aos homens de boa vontade.
Repito, é um Natal triste. Temos prisões, investigações e a constatação de que estamos cercados de ladrões. É um Natal triste. Os Estados Unidos e a Coreia do Norte poderão acabar com o mundo. É um Natal triste, não recebi o presente que julgava merecer.
Passei um Natal preso numa cela da rua Barão de Mesquita, que se tornou célebre durante os anos de ditadura. Não guardei o nome do coronel que comandava aquela parcela do Exército. Quase no fim da noite, a porta se abriu e dois soldados empurraram uma mesinha com a ceia de Natal da casa do próprio coronel.
Tinha de tudo. Rabanadas, castanhas, nozes, tâmaras, passas e uma garrafa de vinho. Foi um caso especial, talvez único. Embora preso, não tive um Natal triste como o de hoje.
Meu companheiro de cela era Joel Silveira, foi famoso correspondente da Segunda Guerra que abalou o mundo. Tínhamos a certeza de que, apesar de muito sangue derramado, teríamos paz, paz que infelizmente durou pouco.
Não importa. A esperança confirmava o sonho de um país melhor, que ainda não tivemos. 

Novo livro revela e discute questões sobre a vida sexual de garotas, FSP


Michael Todd
A jornalista e escritora Peggy Orenstein, que escreveu o livro intitulado 'Garotas e Sexo
A jornalista e escritora Peggy Orenstein, que escreveu o livro intitulado 'Garotas e Sexo'

Um dos assuntos que dominou o ano de 2017 na área da educação foi a "ideologia de gênero". A proposta aprovada neste mês pelo Conselho Nacional de Educação deixou de fora essa questão e o outra ligadas à de educação sexual –os temas não entraram no documento da nova base curricular homologada pelo MEC.
Em tempos como esses, surge o livro "Garotas e Sexo", da jornalista Peggy Orenstein, para fomentar o debate. A autora entrevistou, em cinco anos, cerca de 70 garotas com idades entre 15 e 20 anos sobre suas experiências sexuais e reflexões sobre o tema.
Apesar de a obra expor o contexto vivido por garotas americanas, existem muitas semelhanças com a realidade brasileira. Assim como aponta a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, que assina o prefácio, tanto lá quanto aqui a religião tem um papel influente na iniciação sexual dos jovens.
"Para os religiosos, sexo casual é considerado um pecado e existe uma conversa sobre abstinência", disse Orenstein à Folha. "Mas os jovens continuam fazendo sexo, muito sexo. O problema [de aconselhar a abstinência] é que isso só retarda o início da vida sexual dos jovens em comparação com quem recebe mais educação sexual, não os deixa mais seguros."
Segundo a autora, os jovens que optam pela abstinência, quando iniciam a vida sexual, apresentam mais chances de contrair doenças sexualmente transmissíveis e engravidar. "É uma ideia hipócrita, ninguém está protegendo esses jovens. Se quisermos que eles façam menos sexo e de forma responsável, quanto mais eles souberem sobre o assunto, melhor."
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O SEXO DOS JOVENS

27%
dos jovens entre 13 e 15 anos já tiveram relação sexual
59,7%
afirmam ter usado preservativo na primeira relação
60,3%
afirmam ter usado preservativo na última relação sexual
68,4%
dos jovens no 9° ano receberam informações sobre como adquirir preservativo gratuitamente
87,3%
afirmam ter recebido informações sobre DSTs e Aids na escola
79,2%
afirmam ter recebido informações sobre gravidez precoce
14,3%
foi o quanto aumentou a detecção de HIV/Aids entre garotas de 15 a 19 anos entre os anos de 2006 e 2016
de 2,4% para 6,7%
foi quanto o índice aumentou na mesma faixa etária para garotos; ou seja, triplicou
70%
das vítimas de estupro são crianças e adolescentes
36%
de todos os abortos legais foram de adolescentes vítimas de estupro
Fontes: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015; boletim epidemiológico do Ministério da Saúde; Ipea
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Por outro lado, mesmo com essas questões nos EUA, a gravidez entre adolescentes por lá tem diminuído. No Brasil, o índice se mantém alto e pouco mudou nos últimos 10 anos. Segundo o Datasus, a taxa de nascidos vivos de mães menores de 20 anos no país foi de 21,1% em 2007 para 21,2% em 2016.
Nos Estados Unidos, a mesma taxa caiu 44% entre 2007 e 2015 (segundo último dado disponível). Os bebês de mães adolescentes representam cerca de 6% do total.
Além do debate sobre gravidez indesejada e DSTs, Orenstein também levanta a discussão sobre qualidade do sexo feito entre os jovens, algo que não entra na cartilha da educação sexual escolar.
Poucas das garotas heterossexuais com quem ela conversou relataram ter tido orgasmos e muitas delas não conhecem o próprio corpo.
"Não existe uma conversa sobre prazer e isso é uma parte importante quando se fala de sexo", diz. "Nós esperamos que os jovens tenham uma boa experiência quando eles decidirem fazer sexo, mas acreditamos que isso vai acontecer de uma forma mágica."
Inspirada em sua própria experiência como mãe de uma adolescente de 14 anos, Orenstein escreveu "Garotas e Sexo" para tentar incentivar adultos a conversarem mais com jovens e não deixarem o papel de educar para a televisão ou para a internet
"Nós ficamos com medo de falar sobre sexo porque não sabemos a linguagem certa. O que acontece, no fim, é que os filhos crescem mentindo para os pais. É o que queremos?"
SEXY
No livro, a autora faz críticas à exposição de mulheres na mídia e nas redes sociais e à influência das estrelas pop no comportamento sexual das adolescentes. "A ideia que existe do que é ser sexy é muito limitada", opina. "Toda essa performance de parecer sensual na internet não faz com que as garotas tenham mais voz. Com frequência, a objetificação sexual está ligada a um entendimento menor das garotas sobre seus corpos e suas vontades."
Por outro lado, a jornalista vê com bons olhos a onda de campanhas contra assédio na internet, como a #metoo que revelou casos de abuso sexual na indústria do cinema. "As garotas estão vendo que não estão sozinhas, que suas experiências não foram isoladas, que existe uma cultura em torno desse tema da sexualidade e do sexo", afirma. "Tudo isso que vemos fez com que as mulheres despertassem em muitos aspectos, principalmente as mais jovens, que lideram os movimentos na internet."
Para Orenstein, existem duas razões pelas quais é inevitável falar sobre sexualidade sem falar de violência. A primeira está relacionada a um aspecto cultural polêmico. "As pessoas se sentem mais confortáveis em ver as mulheres sendo vítimas ao invés de protagonistas, seres sexuais que merecem sentir prazer e podem escolher fazer sexo."
Em segundo lugar, vêm os números. Ela aponta que há um alto índice de relatos de estupro em universidades. Em 2015, a Pesquisa da Situação no Campus da Associação de Universidades Americanas apontou que pelo menos um terço das alunas de graduação afirmam terem sido vítimas de contato sexual não consentido.
Enquanto isso, o Brasil registrou 135 casos de estupro por dia em 2016, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em São Paulo, entre janeiro e julho deste ano, cerca sete registros por dia.
"Muitas garotas muito jovens relatam experiências de estupro e situações em que elas são coagidas. Não sofrer violência ou coação são exigências muito baixas para uma experiência sexual, mas é o que muitas garotas esperam", diz a autora.

GAROTAS E SEXO

AUTORA Peggy Orenstein
EDITORA Zahar
QUANTO R$ 49,90 (274 págs.) 

Êxitos de Anitta e da Embraer oferecem uma lição para o país, FSP


SÃO PAULO - Os brasileiros que andam céticos sobre o futuro ganharam de presente nos últimos dias do ano duas histórias que fazem pensar no que ainda dá certo no país.
Mesmo quem nunca tinha prestado atenção na cantora Anitta pôde perceber como ela foi longe. Aos 24 anos, rebolando numa favela carioca com um biquíni de fita isolante, sem vergonha de expor as imperfeições do próprio corpo, ela atraiu a atenção de milhões de pessoas para o clipe de sua nova música na internet.
Na véspera do Natal, "Vai Malandra" estava entre as 20 canções mais ouvidasno mundo pelos usuários de um dos principais serviços de música por assinatura da rede. Foi a primeira vez que uma artista brasileira apareceu tão bem no ranking.
Dias depois da estreia do clipe de Anitta, noticiou-se que a americana Boeing quer comprar a Embraer, a indústria brasileira que lidera o mercado mundial de jatos para aviação regional. Além do êxito comercial dos aviões, que podem ajudar a Boeing na competição com sua rival Airbus, os americanos estão de olho no intelecto dos engenheiros brasileiros.
As ações da Embraer dispararam com a expectativa criada pela notícia. Privatizada há mais de duas décadas, a companhia hoje tem investidores do mundo inteiro como sócios e viu seu valor de mercado aumentar 26% de um dia para o outro.
Há um traço comum nas trajetórias de Anitta e da Embraer. A cantora conquistou o mundo ao se associar a produtores e artistas internacionais que ampliaram sua visibilidade. A fabricante de aviões cresceu aliando-se a fornecedores estrangeiros que a ajudaram a absorver tecnologia e desenvolver novos produtos.
Anitta incomoda as feministas, os puristas da língua e a polícia dos costumes. O avanço da Boeing sobre a joia da coroa da indústria nacional assustou os nacionalistas, que ameaçam barrar a transação. Talvez tenha chegado a hora de os críticos deixarem de lado os preconceitos para tentar entender a lição da malandra.