domingo, 23 de outubro de 2016

Vamos fazer de conta que está tudo bem? - MARCOS LISBOA


FOLHA DE SP - 23/10

A Secretaria do Tesouro Nacional divulgou, nesta semana, um relatório que revela a gravidade da crise fiscal nos Estados.

As despesas com pessoal, ativos e inativos, correspondem a mais de 50% da receita corrente líquida em todos os Estados e chegam a 78% no caso de Minas Gerais.

A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que essas despesas não podem superar 60% da receita. Segundo o trabalho do Tesouro, porém, oito Estados estão acima do limite e a maioria está acima de 55%.

A crise fiscal não deve surpreender. Nos últimos anos, os gastos estaduais cresceram significativamente.

As despesas com pessoal, por exemplo, cresceram mais de 40% acima da inflação em dez Estados, entre 2009 e 2016. Esses aumentos foram em parte financiados com receitas temporárias, como royalties de petróleo e novos empréstimos concedidos com apoio do governo federal.

Os dados reportados pelo Tesouro divergem, em alguns casos significativamente, dos apresentados pelos Estados. A divergência decorre das metodologias adotadas.

Em muitos Estados, o cálculo das despesas com pessoal não inclui gastos com terceirizados, os auxílios pagos aos servidores (como para moradia), o deficit da Previdência e, em alguns casos, até mesmo o imposto de renda pago pelos servidores.

A criatividade na contabilidade não foi exclusiva do governo federal nos últimos anos e resultou na subestimação das despesas com pessoal, permitindo expandir o gasto sem, formalmente, descumprir o limite previsto pela LRF.

O Rio de Janeiro, por exemplo, reporta que os gastos com pessoal, em 2015, corresponderam a 41,77% da receita líquida. Segundo a metodologia do Tesouro, que inclui todas as despesas com pessoal, o percentual correto é 62,84%.

Alguns Estados mais pobres do que o Rio de Janeiro têm enfrentado o desafio fiscal, caso de Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Pernambuco.

Outros optaram pela contabilidade criativa e medidas oportunistas, como utilizar depósitos judiciais para financiar os seus gastos.

Espera-se do setor público a prestação transparente das suas contas, demonstrando a sustentabilidade das obrigações assumidas, como as despesas com pessoal e aposentados.

Os critérios adotados por diversos Estados, com o aval dos Tribunais de Contas, tornaram opacas as contas públicas, permitindo um forte aumento da despesa sem a contrapartida de receitas permanentes para financiá-las.

O resultado é uma crise que está apenas no começo e vai comprometer serviços públicos essenciais.

Para que mesmo servem os Tribunais de Contas estaduais?

Brasil é o País mais perigoso do mundo para transporte de valor, dizem empresas


Escopetas.
Foto: Tiago Queiroz/ Estadão
SÃO PAULO - O Brasil é o País mais perigoso do mundo para transportar dinheiro em carros-fortes e guardá-lo em empresas de segurança. A afirmação é da Associação Brasileira de Empresas de Transporte de Valores (ABTV). Ela é baseada nos últimos ataques de criminosos feitos com o uso de armas potentes, como fuzis e metralhadoras calibre .50 – capazes de derrubar helicópteros –, explosivos e estratégia de guerra, que levaram cerca de R$ 140 milhões em ao menos quatro ações.
“É um fato. Você não ouve relato desse tipo de assalto no resto do mundo. Tanto a carro-forte quanto a bases das empresas”, disse Marcos Paiva, presidente da ABTV.

Empresas de valores reforçam segurança; veja fotos

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Segundo ele, as empresas de transporte de valores estão investindo na própria segurança para reforçar os prédios onde funcionam as suas bases, que guardam grande quantidade de dinheiro para ser transportado para bancos e empresas. “A tendência é aumentar a segurança das estruturas. Temos limitações legais, mas estamos trabalhando dentro daquilo que é possível. Investimos R$ 400 milhões nos últimos cinco anos no País em relação a esse aspecto”, disse Paiva.
Estado visitou uma empresa de transporte de valores. Logo na entrada, a novidade é um portão capaz de aguentar, junto com a blindagem da guarita e das paredes, tiros de fuzil e de metralhadoras. Dentro, há um verdadeiro labirinto com detectores de metais e esquemas especiais de segurança, onde uma porta de aço não abre sem que a primeira esteja completamente fechada.
Outro detalhe é que a espessura da porta dos cofres foi bastante reforçada, com muitas camadas de aço. E se os criminosos ainda conseguirem passar por todas essas barreiras, que incluem pontos estratégicos com escudos que suportam tiros de calibre .50, os locais onde fica o dinheiro ainda têm máquinas de neblina, além de módulos de uma espuma de poliuretano, que isola o cofre com uma camada muito grossa, que só é possível retirar três dia após o uso.
“Esse investimento todo visa a não só a proteção do dinheiro, mas também a do nosso funcionário”, disse Paiva.
Ele defende um investimento maior no setor de inteligência das polícias e mais compartilhamento de informações. “Não podemos esperar a onda de assaltos passar. Não basta apenas reagir quando o crime acontece. É preciso investir em inteligência para prender o bandido antes. A Polícia Civil fez isso há dois meses, antecipou-se e apreendeu uma grande quantidade de armas pesadas.”
Crimes. A sequência de ataques às empresas de transporte de valores começou em março, na sede da Protege, em Campinas; depois, em abril, na Prosegur, em Santos; em julho, também na Prosegur, em Ribeirão Preto. A última ação aconteceu em Santo André, em agosto. Neste último caso, nada foi levado. 
Segundo a apuração do Departamento de Investigações Criminais (Deic), as ações foram coordenadas pelos mesmos mentores. Antes negada pela Secretaria da Segurança Pública, a polícia investiga a participação de integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) nos crimes, conforme oEstado revelou em julho.
Para a polícia, os ataques cessaram após a ação em Santo André, graças às prisões de nove suspeitos pelo Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcóticos (Denarc) e a apreensão de várias armas, incluindo um fuzil .50.
Em nota, a Secretaria da Segurança afirmou que as polícias tomaram todas as providências necessárias para reprimir os assaltos. “Causa estranheza a declaração do presidente da associação, que participou de diversas reuniões do grupo de trabalho composto por integrantes da SSP, polícias Civil e Militar e seis representantes da ABTV.” A pasta diz que um encontro com associação – já agendado – poderá ser revisto após as declarações de Paiva.
Ações criminosas. Depois do ataque à Protege, em Santo André, outros Estados registraram megarroubos a empresas de valores como os praticados neste ano em São Paulo. A polícia suspeita que as ações podem ter sido coordenadas pelo mesmo grupo de criminosos. As semelhanças são muitas: os bandidos usaram caminhões para impedir a chegada da polícia, bloquearam as vias de acesso às empresas, portavam fuzis e armas de grosso calibre e tinham especialistas em explosivos entre o bando.
Em setembro, a sede da Prosegur, em Marabá, no Pará, foi atacada. Cerca de 30 criminosos usaram dois caminhões roubados que serviam para transportar madeira para chegar à empresa, na madrugada de uma segunda-feira.
Dez homens vieram nos caminhões, enquanto os outros ficaram do lado de fora para dar cobertura aos comparsas. Foram usados explosivos para abrir os cofres. Na fuga, os veículos foram incendiados para dificultar a chegada da polícia. O valor roubado não foi divulgado. Dias depois da ação, um suspeito foi preso com R$ 300 mil.
Na semana passada, bandidos armados assaltaram um carro-forte na divisa das cidades de Salgueiro e Cabrobó, em Pernambuco. O carro da empresa Preserve foi cercado pelos criminosos, que deram tiros de fuzil e renderam os vigilantes. O valor roubado não foi divulgado. A Polícia Civil está à procura de suspeitos, mas ninguém foi preso até agora.

Para Marcos Paiva, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Transporte de Valores (ABTV), os bandidos são do crime organizado. “Eles vão para os lugares onde há mais facilidade. Eles migram de um lugar para outro.”

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

PEC 241 não é pecado, é penitência - ROBERTO MACEDO (não lido)


ESTADÃO - 20/10

Desconforta saber que pecados de governantes levam o povo à penitência


Essa proposta de emenda constitucional (PEC) recentemente passou em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Na sua essência, estabelece um teto para o aumento do total das despesas primárias do governo federal. São as que excluem os juros da dívida – uma despesa enorme – e outros encargos financeiros de menor magnitude. O teto se instalaria em 2017, e determinado pelas despesas primárias pagas em 2016, incluídos restos a pagar quitados, e demais operações que afetam o resultado primário, corrigidas em 7,2%. A partir de 2018 a correção seria pela taxa do IPCA no período de 12 meses encerrado em junho do ano anterior.

Em síntese, uma correção pela inflação, o que é um risco, pois a arrecadação pode não aumentar tanto. Outro limite poderia ter sido a taxa desse crescimento, a que fosse menor. Na discussão na Câmara, os gastos em educação e saúde foram preservados de cortes, mas seus pisos só poderiam aumentar em termos reais se reduzidas outras despesas.

Ainda que com imperfeições, a PEC é um inaudito e bem-vindo ajuste fiscal pelas despesas. A prática usual era aumentá-las sem maior cuidado e, até onde possível, financiadas por mais impostos e endividamento. No período 2008-2015 as despesas primárias subiram 51% acima da inflação e a receita, apenas 14,5%.

Em 2014 e 2015 a “gerentona” Dilma agravou muito o desequilíbrio, no primeiro ano com gastança eleitoreira que levou então a um insólito déficit primário. Ou seja, um em que o governo fica sem dinheiro até para pagar parte dos juros de sua dívida, estes “honrados” com endividamento adicional, assim como o déficit primário, o que se repetiu com maior vigor em 2015 e 2016, ampliando fortemente a dívida pública.

As piores sequelas desse desastre vieram rápida e cumulativamente. Disseminou-se o medo quanto a que poderia levar, como à insolvência do governo, o maior ente da economia. Com isso se retraíram decisões de investir e consumir, a economia entrou em recessão, caíram as receitas tributárias e a situação ficou ainda pior.

O forte desequilíbrio fiscal foi o pecado e, agora, deve vir a PEC como penitência. Quem o cometeu jamais o confessou. Pior, pecou novamente ao mentir com sua narrativa de que nada fez de errado. E houve quem acreditasse nessa conversa, alguns até se contorcendo para dar-lhe frágeis fundamentos jurídicos. Desconforta saber que não é a primeira vez na História, nossa e mundial, que pecados de governantes levam o povo à penitência.

Pecado porque violou mandamentos da boa gestão financeira, pessoal, empresarial ou governamental, em particular o que prega moderação nos déficits orçamentários e no endividamento. Lembra também um pecado capital, a gula, pois o que houve aqui dá razão ao que disse Ronald Reagan, ex-presidente dos EUA: “O governo é como um bebê, um tubo digestivo com grande apetite numa ponta e nenhum senso de responsabilidade na outra”. Como nunca antes neste país, o nosso se comportou como um bebê guloso de enormes dimensões. E sem trocar a fralda.

Alternativas à PEC? Há quem ainda proponha aumentar impostos, mas mesmo políticos que fizeram isso reconhecem que a carga tributária já é pesada demais. E os “contribuintes”, a quem chamo de tributados, já sentem isso e execrarão eleitoralmente quem optar por esse caminho.

Saudosistas da “nova política econômica”, que no governo Dilma balizou o desastre fiscal, seguem inebriados por ideias de um famoso economista, Keynes, que pregava mais gastos públicos para estimular economias em recessão. Mas não aprenderam ou se esqueceram de que uma coisa é fazer isso numa economia como a americana, cujo governo emite dólares, e com dívida sob controle; aqui, esse caminho agravaria a recessão, amedrontando ainda mais os consumidores, investidores e o mercado financeiro nas suas avaliações e tomadas de decisões.

A PEC 241 diz ter como objetivo um novo regime fiscal, o que sobre-estima sua amplitude e seu impacto. Para se credenciar como tal precisaria ser seguida por outras medidas. A mais importante e urgente é reformar a Previdência Social, pois com a população envelhecendo, e várias distorções nos seus benefícios, suas despesas continuarão subindo acima da inflação. Com o teto da PEC 241, outras precisariam ser reduzidas, com novas distorções nos gastos.

Num autêntico regime fiscal novo, caberia corrigir várias outras distorções. Entre elas, a excessiva concentração de recursos tributários na União, a ausência de uma avaliação caso a caso de custos e benefícios dos gastos públicos, os ínfimos investimentos públicos, o excessivo peso dos impostos indiretos – como sobre produção e vendas, que oneram com maior força os segmentos mais pobres da população –, os supersalários no governo, vários privilégios tributários e o acesso a serviços públicos por quem pode custeá-los, com nas universidades.

Como toda penitência, a PEC 241 também pode trazer outros benefícios, pois deverá levar a uma grande reflexão sobre o que aumentar e o que diminuir no contexto de um teto para o total das despesas primárias, ensejando a correção de distorções fiscais como as citadas.

Mas existe um excesso delas e não há como arrumar várias numa mesma PEC. Ademais, ampliar a 241 prejudicaria a sua urgência e só aumentaria o exército de seus opositores. Assim, é melhor não mexer no seu texto e lutar para que chegue rapidamente à promulgação. E que venham outras medidas como as citadas.

Vivemos hoje um momento que lembra com esperança o que disse Winston Churchill, em 1936: “Devido a negligências no passado, apesar de claras advertências, entramos num período perigoso. A era da procrastinação, de meias medidas, de atrasos que aliviavam e enganavam está chegando ao final. No seu lugar, estamos adentrando um período de consequências. Não podemos evitá-lo”.

*Economista (UFMG, Usp e Harvard), consultor econômico e de ensino superior