quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Onda Conservadora, Le Monde

EDITORIAL
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EDITORIAL
Onda conservadora

por Silvio Caccia Bava
Como se forma o pensamento conservador? Como ele ganha mais adeptos na sociedade? Como ele pode vir a conformar maiorias?
Essa discussão remete à questão da imposição de uma visão de mundo que é de uma parte da sociedade como sendo a visão de toda a sociedade. Estamos no campo da produção da ideologia e da disputa pela hegemonia. Não é pela força, mas pelo convencimento que a maioria da sociedade adota uma visão de mundo, valores, um projeto de sociedade, uma forma determinada de convivência social.
Se a mobilização social pela redemocratização do país trouxe com a Constituição de 1988 um paradigma democrático e de respeito aos direitos humanos, a onda conservadora que se formou nos últimos anos traz a proposta de uma sociedade em que predomina o interesse das grandes empresas sobre o dos cidadãos, do privado sobre o público, do individualismo sobre os interesses coletivos, da competição sobre a solidariedade, da intolerância sobre a valorização da diversidade, da busca pela eliminação do adversário transformando-o em inimigo.
Assistimos ainda surpresos a manifestações cada vez mais frequentes de intolerância com aqueles que pensam de modo diverso ou têm outros valores. São expressão de uma direita que se viu estimulada por uma campanha sistemática feita pela mídia, especialmente pela televisão aberta, e por organizações da sociedade civil, como a Fiesp, e “saiu do armário”. Essas manifestações passam a hostilizar aqueles identificados como seus inimigos, sejam eles um partido político, uma religião afro, homossexuais, jovens negros da periferia ou meninos de rua. Guido Mantega, Chico Buarque, Leticia Sabatella, entre muitos outros, recentemente sofreram agressões gratuitas que expressam essa polarização social e política em nossa sociedade.
Certamente a mídia teve um papel muito importante nesse processo, mas seria ingenuidade supor que ela seja a única responsável por essa maré conservadora. A construção da hegemonia se dá no âmbito da sociedade civil, e é aí que devemos procurar suas raízes.
Não é de repente que boa parte da população se convence e assume uma narrativa em que se posiciona contra o aborto, pela redução da maioridade penal, criminaliza o consumo de drogas, reafirma as discriminações contra a mulher, os homossexuais, os negros, dá seu consentimento silencioso ao extermínio da juventude negra da periferia dos grandes centros urbanos.
Entre os fatores importantes que precisam ser levados em conta para compreender a formação desse pensamento conservador está o crescimento das Igrejas evangélicas, que nos anos 1970 atraíam 5,2% da população brasileira e, pelo Censo de 2010, passaram a reunir 22,2%. Esse crescimento se deveu principalmente às Igrejas neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), fundada em 1977. Hoje os evangélicos são mais de 42 milhões de brasileiros e brasileiras, e as projeções indicam que em 2030 eles serão tantos quanto os católicos.
Numa sociedade marcada por profundas e históricas desigualdades, que se urbanizou muito rapidamente e hoje concentra mais de 85% de sua população nas cidades, sobretudo em grandes centros urbanos, as Igrejas pentecostais focaram sua atenção no que a imprensa convencionou chamar de “nova classe média”, ou seja, em 54% da população, um segmento que compreende as famílias com renda entre R$ 1.200 e R$ 5.174.
A vida dessas famílias está marcada pelos problemas de moradia inadequada, precariedade dos serviços públicos, violência cotidiana e desagregação dos laços familiares. É nas periferias das grandes cidades que essa população vive, e é aí que se concentra o crescimento do neopentecostalismo. O perfil de seus fiéis mostra que na verdade não se trata de uma classe média: 63,7% não ganham mais que um salário mínimo; 8,6% são analfabetos; 42,3% têm ensino fundamental incompleto.1
É na igreja que essas pessoas vão encontrar apoio, proteção, um espaço de convívio e de pertencimento. Os pastores evangélicos procuram enfrentar os problemas concretos de seus fiéis com propostas de solução imediatas, e sua Teologia da Prosperidade afirma que a superação das dificuldades é a comprovação da fé em Deus. Não é casual que seu crescimento recente coincida com a fase de aumento de renda desse segmento social nos últimos anos.
Entre os novos fiéis estão milhares de jovens convertidos que se afastam do narcotráfico e passam a frequentar o culto, deixam de beber e se drogar, resgatam sua dignidade, assumem um novo papel de trabalhador honesto, encontram aí um espaço de valorização pessoal, de convivência, de celebração. Nesse sentido, encontram na igreja uma alternativa, um novo projeto de vida.
E é nesses templos que acolhem seus fiéis que os pastores fazem sua pregação de valores e, mais recentemente, também sua pregação política. É aí que recolhem o dízimo e amealham fortunas, como Edir Macedo, fundador da Iurd e presente na lista dos bilionários publicada pela revista internacional Forbes.
O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, prega contra os candidatos que defendem princípios “não cristãos”, como liberalização do aborto, casamento entre homossexuais, descriminalização das drogas etc., e combate abertamente candidatos do Psol e do PT.2
A teoria pentecostal diz que cabe à Igreja salvar as pessoas do mal e se pôr em luta contra Satanás e o pecado. Se nos anos 1950-1970 essas Igrejas evangélicas procuravam a cura divina, a partir dos anos 1980 o que predomina nesses cultos são os rituais de exorcismo. É uma guerra contra o mal e contra o diabo, na qual os fiéis são soldados. A intolerância manifesta para com as religiões afro-brasileiras bebe dessa ideologia, pois identifica nelas Satanás e o pecado.
Segundo o reverendo Carlos Eduardo Calvani, da Igreja Anglicana no Brasil, o movimento evangélico é um dos maiores perigos para a sociedade brasileira. Seu fundamentalismo elabora discursos para enganar analfabetos funcionais e levá-los a cometer barbaridades em nome da fé. Calvani acredita que os evangélicos têm um projeto de tomada de poder na sociedade brasileira.3
O crescimento dessas Igrejas neopentecostais as coloca como uma das mais importantes instituições que tratam do cotidiano dos moradores das periferias. Na década passada, os evangélicos, especialmente as Igrejas neopentecostais, conquistaram 16 milhões de novos fiéis. A Assembleia de Deus é a maior, com 12,3 milhões de fiéis. A Congregação Cristã do Brasil é a segunda, com 2,2 milhões de fiéis. A Igreja Universal do Reino de Deus é a terceira, com 1,9 milhão de fiéis.
Esse crescimento se explica pela retração da Igreja Católica, que nos anos 1970 e 1980 organizava a sociedade em comunidades eclesiais de base, mas também pela impotência da sociedade em resolver seus problemas pela via social, política e econômica. Apela-se ao sobrenatural para a solução dos problemas da vida.4
A ideia de que os evangélicos pentecostais têm um projeto de poder não é descabida. A disputa por corações e mentes na sociedade para converter a população para suas crenças e valores e afirmar sua hegemonia na sociedade parece nortear sua atuação no plano da comunicação e junto às instituições políticas.
As Igrejas evangélicas controlam 25% das rádios FM. Todo pastor importante tem um templo, uma rádio, um canal de TV. Algumas Igrejas têm editoras, produtoras de discos, agências de viagem. É cada vez maior o número de horas compradas por essas Igrejas na TV aberta.
Se tomarmos como referência a Igreja Universal, podemos observar que ela é uma potência em comunicação. Distribui gratuitamente nas ruas um semanário com 1,8 milhão de exemplares; comprou em 1989 a TV Record, a segunda maior rede de televisão do país; controla mais de vinte emissoras de TV; transmite seus programas através de mais de quarenta estações de rádio.
Esse investimento em comunicação parece sincronizado com seu crescente envolvimento na política. Foi no começo da década de 1990 que a Universal assumiu um protagonismo na política. A cúpula da Igreja indica candidatos com base em critérios como o número de eleitores de uma igreja ou distrito. Cada templo tem um candidato para deputado federal e um para estadual. Esses candidatos são líderes religiosos carismáticos, com habilidades de comunicação, e estavam distribuídos por vários partidos antes de a Universal ter seu próprio partido, o PRB, que conta hoje com dez deputados federais e 21 estaduais.
O crescimento constante dos parlamentares da Universal tornou-a um modelo para outras Igrejas, como a Assembleia de Deus, e deu ensejo à criação da Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil, em 2009. Esta organização, de caráter nacional, visa consolidar a força política dos evangélicos, principalmente os pentecostais e neopentecostais, dando suporte a candidaturas de prefeitos e vereadores este ano. Das 52 candidaturas a prefeito acompanhadas por esse conselho nas eleições deste ano, 43 são do PRB. A mais importante delas neste momento é a do sobrinho de Edir Macedo, o senador Marcelo Crivella, que tem boas chances de se tornar prefeito do Rio de Janeiro. Crivella foi bispo da Iurd antes de se tornar senador. Outro candidato do PRB foi Celso Russomano, que permaneceu em primeiro lugar nas pesquisas em São Paulo durante quase toda campanha eleitoral.
O projeto da Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil é que a partir de 2017 os políticos evangélicos passem a trabalhar de maneira mais articulada, com as mesmas pautas, independentemente dos partidos em que estejam.5
O Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política contabiliza cerca de 10 mil “vereadores de Deus”, algo como um quinto do total; no plano estadual já existem frentes parlamentares evangélicas em quinze estados; a bancada evangélica na Câmara dos Deputados é de 73 parlamentares e no Senado conta com três senadores.6
No Congresso, os parlamentares evangélicos se reúnem toda quarta pela manhã para o culto, depois discutem projetos de lei e a pauta. O acompanhamento legislativo é feito por assessores, muitos deles indicados pela Iurd, que orientam a ação dos parlamentares.
Os parlamentares evangélicos formam uma presença importante em Comissões do Congresso, como Seguridade Social, Direitos Humanos, Constituição, Justiça e Cidadania. Têm aí uma postura ideológica e se posicionam contra todos os projetos que, em seu entender, ferem seus valores. É o que vimos com o deputado Marcos Feliciano (PSC-SP), pastor da Catedral do Avivamento, uma Igreja neopentecostal ligada à Assembleia de Deus, e que esteve na presidência da Comissão de Direitos Humanos. Aí eles utilizam a Bíblia para propor ou alterar leis e atacar cláusulas pétreas de nossa Constituição. Se fazem presentes também na Comissão de Tecnologia e Comunicação, com catorze dos 42 assentos, para impedir qualquer iniciativa que venha a limitar seu poder midiático.
Segundo Silas Malafaia, existem centenas de projetos de lei no Congresso Nacional para detonar a família e os bons costumes, como os direitos LGBT, e cabe à bancada evangélica combater esses projetos. Mas seus interesses vão além disso: eles buscam isenções fiscais, a cessão de terrenos públicos para seus templos, alvarás de funcionamento das igrejas, o reconhecimento da cultura evangélica e seu financiamento com recursos públicos, a manutenção das leis de radiodifusão, a concessão de canais de rádio e TV.
Com uma atuação significativa no Congresso, os evangélicos, no entanto, não descuidam da importância de seu trabalho no seio da sociedade. Em janeiro de 2015, a Universal criou os Gladiadores do Altar, um grupo selecionado entre os integrantes da Força Jovem Universal. A Iurd declara que eles já são 4.300 e compõem-se de homens de até 26 anos, que marcham fardados, batem continência para um líder, juram dar a vida pelo altar, valorizam a disciplina e a hierarquia. São reuniões semanais que ensinam na teoria e na prática a importância da Obra de Deus.
Marcio Alexandre, coordenador do Coletivo de Entidades Negras, alerta que no âmago da teoria pentecostal está presente a ideia de uma guerra contra o mal e que cabe às Igrejas salvar as pessoas desse mal. “Se a linguagem deles é de guerra, a prática também pode ser.”7

Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil


1          Adriano Senkevics, “A ‘nova classe média’ e o crescimento das Igrejas evangélicas”, 24 out. 2013. Disponível em: .
2          “Pastor grava vídeos para explicar em quem ‘cristãos não devem votar’”, Folha de S.Paulo, caderno Eleições, p.4, 21 set. 2016.
3          Dan Martins, “Pastor compara políticos cristãos a fundamentalistas islâmicos, e afirma que ‘evangélicos têm um projeto de tomada de poder na sociedade brasileira’”, 1º set. 2013. Disponível em: .
4          Lamia Oualalu, “El poder evangélico en Brasil”, Nueva Sociedad, Buenos Aires, n.260, nov.-dez. 2015.
5          Thais Arbex, “Evangélicos buscam atuação política mais coesa com campanha”, Folha de S.Paulo, caderno Eleições, p.6, 19 set. 2016.
6          Piero Locatelli e Rodrigo Martins, “O poder dos evangélicos na política”, Carta Capital, 12 ago. 2014. Disponível em: .
7          “‘Exército’ da Universal preocupa religiões afro-brasileiras”, Carta Capital, 5 abr. 2015. Disponível em: .

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Potencial eólico em terra do Brasil pode ser seis vezes maior do que o estimado, da Fapesp

Revisão de pesquisadores do INCT-Clima leva em conta a altura das atuais torres de geração energética e a expansão de áreas economicamente viáveis para instalá-las (Wikimedia)


03 de outubro de 2016

Noêmia Lopes  |  Agência FAPESP – Uma revisão do potencial eólicoonshore (“em terra”) do Brasil, realizada em resposta ao aumento da altura das torres de geração energética, aponta que o país pode ter uma capacidade seis vezes maior de produzir energia a partir dos ventos do que o estimado no último grande levantamento nacional, o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, lançado em 2001.
A conclusão é de um estudo do subprojeto Energias Renováveis do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-Clima),apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e foi apresentada durante a Conferência Internacional do instituto, realizada em São Paulo entre os dias 28 e 30 de setembro.
“O Atlas do Potencial Eólico Brasileiro foi feito com a estimativa do uso de torres de 50 metros de altura. Hoje, temos torres acima de 100 metros, que ampliam o potencial tecnicamente viável de exploração de 143 gigawatt para 880 gigawatt”, disse o coordenador da pesquisa, Ênio Bueno Pereira, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Além disso, consideramos uma expansão das áreas que se tornam economicamente viáveis para a instalação das torres.”
Embora no Brasil a produção de energia eólica ainda seja restrita, Pereira aponta que o país é o quarto no mundo em termos de expansão da capacidade eólica instalada, perdendo apenas para China, Estados Unidos e Alemanha.
“É um movimento importante, em um momento em que se busca a diminuição da emissão de gases de efeito estufa, menor dependência de combustíveis fósseis e garantia de segurança energética”, disse.
No campo da energia eólica, o subprojeto Energias Renováveis também estuda o potencial offshore (“em mar”), buscando avaliar a zona costeira brasileira, particularmente na região Nordeste; a viabilidade de exploração em áreas de reservatórios hidrelétricos; a previsão da capacidade de geração, visando aprimorar as estimativas calculadas em dias e horas de antecedência; e a densidade de potência estimada até o final do século.
Sobre esse último tema, modelos revelam tendência de aumento dos ventos em determinadas porções do norte da região Nordeste. “Embora pareça uma notícia interessante, ventos intensos e rajadas nem sempre são bons para o sistema de geração de energia eólica, que pode sofrer danos estruturais”, disse Pereira.
Outro aspecto ressaltado pelo pesquisador foi o potencial de geração de energia elétrica a partir da irradiação solar. “O pior nível de irradiação no Brasil – na região litorânea de Santa Catarina e do Paraná – é comparável aos melhores níveis de irradiação que se tem na Alemanha, o país que mais explora a energia fotovoltaica [na qual células solares convertem luz diretamente em eletricidade] no mundo.”
A Rede Sonda, financiada parcialmente pelo INCT-Clima, coleta dados de irradiação no território nacional. Uma edição atualizada do Atlas Brasileiro de Energia Solar, com informações obtidas pela Rede nos últimos 15 anos, deve ser lançada ainda neste ano.
“São necessários mais estudos sobre a variabilidade solar, mas já sabemos que, se fossem usadas áreas como aquelas que são alagadas por hidrelétricas ou as que estão em estado avançado de desertificação, teríamos uma grande geração de energia fotovoltaica no Brasil”, disse Pereira.
Segundo o pesquisador, em temos de potencial teórico, fontes eólicas e solares seriam capazes de suprir toda a demanda energética nacional. Contudo, ainda é necessário ultrapassar obstáculos financeiros e de conhecimento.
“O problema do custo vem sendo superado pela evolução tecnológica, tanto que esses dois tipos renováveis já são competitivos com a energia termelétrica. Já a barreira do conhecimento é aquela que ainda impede investidores de ter mais interesse na geração eólica e solar. É o que o nosso projeto tenta enfrentar, investigando e disseminando dados científicos sobre os verdadeiros potenciais dessas energias”, disse.
Na manhã do dia 29 de setembro, a Conferência Internacional do INCT-Clima também teve apresentações de Luiz Pinguelli Rosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que tratou sobre os atuais desafios da política energética no Brasil e no mundo, e de Christovam Barcellos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que falou sobre a relação mudanças climáticas e impactos na saúde humana. 
 

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Acordo de Paris é insuficiente para frear o aquecimento global, diz relatório, in Fapesp

Acordo de Paris é insuficiente para frear o aquecimento global, diz relatórioMedidas mais drásticas para reduzir a emissão de gases estufa serão necessárias para evitar que o planeta esquente mais de 2 °C até o fim do século, aponta análise coordenada por ex-presidente do IPCC que tem José Goldemberg entre os autores (imagem: NASA/NOAA)


03 de outubro de 2016

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – Um grupo internacional de especialistas alerta que, caso não sejam adotadas medidas mais drásticas para reduzir a emissão de gases do efeito estufa do que as estabelecidas no âmbito do Acordo de Paris, o teto considerado seguro para o aquecimento global – de 2 ºC acima dos níveis pré-industriais até o final do século – pode ser alcançado já em 2050.
A conclusão está no relatório "The Truth About Climate Change". (A verdade sobre a mudança climática), divulgado no dia 29 de setembro. A análise foi coordenada por Robert Watson, ex-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU). Entre os autores do documento está José Goldemberg, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da FAPESP.
“O documento é um alerta de que não podemos ficar confortáveis apenas com os compromissos assumidos no Acordo de Paris. Mostramos que mesmo se todas as metas para 2030 forem cumpridas não será suficiente para evitar o aquecimento acima de 2 °C. E parte dos compromissos assumidos pelos países depende de condições externas, como financiamento”, disse Goldemberg.
Em entrevista coletiva concedida pela internet, Watson ressaltou que, além de pressionar governos e empresas para adotarem medidas que visem reduzir as emissões, cada cidadão dever rever seus hábitos e dar sua contribuição. “Precisamos avaliar como estamos usando a energia em nosso dia a dia, aumentar a eficiência energética de nossa casa, preferir formas alternativas de transporte em detrimento dos carros individuais”, afirmou.
No relatório, os especialistas disseram haver ainda muitos mal-entendidos sobre o tema – e também muita desinformação disseminada de forma deliberada –, o que leva um grande número de pessoas a entender as mudanças climáticas como algo “abstrato, distante e até mesmo controverso”.
Para os cientistas, no entanto, não restam dúvidas de que o planeta está aquecendo – e ainda mais rápido do que se previa. Apesar das evidências científicas incontestáveis, afirmam, iniciativas para minimizar a mudança do clima têm sido postergadas e as emissões de gases-estufas continuam a crescer, o que torna o combate ao problema cada vez mais caro e difícil.
“O apoio da sociedade será crucial para acelerar as medidas de combate ao aquecimento global. Portanto, as questões seguintes têm como objetivo esclarecer mal-entendidos sobre as mudanças climáticas e sobre o Acordo de Paris”, apontaram os cientistas no relatório.
O documento reconhece que o Acordo de Paris foi bem-sucedido e representa um “passo decisivo para que sejam tomadas medidas coletivas relacionadas ao clima global”. O objetivo de longo prazo é manter o aquecimento global abaixo de 2 ºC – o mais perto possível de 1,5 ºC – até o final do século. Acima desse teto, segundo estimativas feitas pelo IPCC, cresceriam rapidamente os riscos associados a eventos climáticos extremos e à elevação do nível dos oceanos.
Em 2015, a temperatura média do planeta já superou a marca de 1 °C acima dos níveis registrados na época pré-industrial. Para não extrapolar o limite proposto para o fim do século, seria necessário reduzir em 22% a emissão de gases de efeito estufa até 2030.
O relatório ressalta, contudo, que, no melhor dos cenários, se todas as metas propostas pelos 195 países forem totalmente cumpridas, as emissões devem se manter nos níveis atuais: 54 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (ou CO2eq, medida usada para comparar as emissões de diversos gases de efeito estufa baseada na quantidade de CO2 que teria o mesmo potencial de causar aquecimento global) por ano.
Se apenas forem cumpridos os compromissos assumidos de forma incondicional pelos países, ou seja, aqueles que não dependem de financiamento externo, transferência de tecnologia ou capacitação, as emissões devem crescer 6% até 2030. Sem o Acordo de Paris seria ainda pior: o aumento seria de 30%.
Metas brasileiras
No dia 21 de setembro, o presidente Michel Temer entregou ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, documento no qual o Brasil ratifica o Acordo de Paris. O país se comprometeu, de forma incondicional, a reduzir as emissões de gases-estufa em 37% até 2025, na comparação com os níveis registrados em 2005; e em 43% até 2030.
Para Goldemberg, a meta é “adequada”. Ele ressalta, no entanto, que por enquanto trata-se apenas de uma “manifestação de intenção”, pois não se especificou de que forma os objetivos serão alcançados.
“Faz parte da INDC [Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida, na sigla em inglês] brasileira, por exemplo, o reflorestamento de 12 milhões de hectares da Amazônia. Mas não se sabe quem vai plantar as árvores e com qual dinheiro. Há insegurança de como isso será feito”, disse.
Ainda segundo Goldemberg, no caso brasileiro, o maior impacto caso o limite de 2 °C seja ultrapassado é a savanização da Amazônia. “Esse fenômeno alteraria o clima em todo o país, com grande prejuízo para a agricultura. A chuva que cai aqui no centro-sul vem da Amazônia”, ressaltou.
Goldemberg lembrou ainda os prejuízos associados à inundação de cidades costeiras, como Santos. Um estudo apoiado pela FAPESP estimou que o nível do mar na cidade pode aumentar entre 18 e 30 centímetros até 2050 e entre 36 centímetros e 1 metro em 2100. Sem medidas de mitigação e adaptação, os danos econômicos podem chegar a R$2 bilhões (leia mais em:http://agencia.fapesp.br/21997).
O relatório The Truth About Climate Change está disponível no site da Fundação Ecológica Universal dos Estados Unidos (FEU-US), sediada na Argentina, em: http://feu-us.org/the-report