sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Perdas e danos hoje, uma anistia amanhã - JOSÉ CASADO


O Globo - 01/09
Foi uma jornada de perdas e danos para todos. Alguns estavam preocupados em jogar para o futuro. Perdeu o novo governo, porque já nasceu com fraturas expostas na base, a “coletividade partidária” na definição do ex-vice e exinterino Michel Temer, agora presidente “sub judice”.

Temer foi empossado para um período de 28 meses na Presidência. Porém, seu mandato ainda depende de confirmação judicial.

A destituição de Dilma Rousseff o transformou em réu único num processo para cassação da chapa eleita em 2014. Ontem, ele virou presidente e ficou refém da Justiça Eleitoral que só prevê decisão sobre o caso no próximo ano.

Dilma capitaneou o epílogo de um ciclo de poder petista exibindo o seu isolamento no partido. Em vermelho, deu um colorido sanguíneo à deposição, ladeada por reduzido grupo de parlamentares do PT, todos já empenhados no debate interno que pode levar à cisão do partido.

Ela desabafou sobre a “farsa jurídica” dos últimos 108 dias — o processo de impedimento supervisionado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, recorrerá ao tribunal.

Apresentou-se como vítima “de corruptos, que desesperadamente tentam escapar dos braços da Justiça”. Entre petistas que aplaudiam, alguns são investigados por envolvimento na corrupção que devastou a Petrobras.

Saiu beneficiada por manobra do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) , alvo de uma dezena de inquéritos no Supremo. Fez um acordo discreto com o PT para não cassar os direitos políticos de Dilma. Incendiou a base de Temer, que alegou surpresa, sob explícita desconfiança do PSDB e do DEM.

Esse acerto PMDB-PT tem efeito político muito além de um “gesto de boa vontade”, como relativizou Temer, para com a presidente deposta e visivelmente fragilizada.

Abriu uma vereda legislativa de interesse comum: a exploração de formas de anistia para parlamentares que venham a ser condenados por corrupção. Continuariam habilitados para exercer cargos públicos, com ou sem mandato.

Vices e versos - NELSON MOTTA


O Globo - 02/09

No papel, Michel Temer parece até mais qualificado do que Itamar Franco. O problema são as companhias…


Temer em más companhias. Com os escândalos de Collor e PC Farias explodindo na mídia, em algum momento caiu a ficha: se elle sair, quem vai entrar? Itamar Franco??? Meu Deus! Foi a reação geral. Mas foi ele, tido como um provinciano simplório e antiquado, que, em decisão de sábia audácia, nomeou um sociólogo ministro da Fazenda e bancou a criação do Plano Real, resolvendo um problema que durante 30 anos parecia insolúvel, nos dando uma moeda e mudando a História do Brasil. Pois é, Itamar, do pão de queijo, do topete ridículo...

O ex-vice Michel Temer só agora é presidente, antes esteve pressionado por exigências, ameaças e chantagens, de partidos, de políticos, de corporações, que não podia enfrentar como in Engoliu tudo e esperou sua hora. Agora não tem mais desculpas, tem que fazer o que tem que ser feito. Seu look de mordomo de filme de terror, seu carisma zero, sua aparência antiga e conservadora não ajudam na missão ciclópica de resgatar o Brasil da beira do abismo de nossas desesperanças. As esperanças são sua vasta experiência e habilidade politica, fundamentais para qualquer mudança, sua carreira de jurista emérito, seu temperamento conciliador. No papel, Temer parece até mais qualificado do que Itamar. O problema são as companhias... O que esperar de velhas raposas, muitas delas agatunadas, algumas competentíssimas, de volta ao poder, onde na verdade sempre estiveram, terino. inclusive no governo Dilma? Mas ao menos há muita gente competente na área econômica, a base de tudo.

Agora é o melhor momento para uma reforma política. A opinião pública está mobilizada, o país exige mudanças, os líderes políticos e os parlamentares têm uma oportunidade de reabilitação perante os eleitores. Neste reinício, com a sociedade vivendo uma mudança de paradigmas que está levando políticos e empresários poderosos aos tribunais e à cadeia, o que esperar de Temer e seus aliados de ocasião?

As reformas política, previdenciária e tributária podem ser o Plano Real de Temer e justificar seu mandato — e como chegou ao poder. Se não, vai virar o ex-vice Sarney, que também escrevia versos.

Agenda livre - RUY CASTRO, FSP


FOLHA DE SP - 02/09

A ex-presidente Dilma Rousseff saiu atirando em seu discurso de despedida. Nem se lembrou de agradecer aos senadores golpistas que votaram pela manutenção dos seus direitos políticos e a salvaram da pena de morte. Este é um velho problema de Dilma: excesso de cabelinho nas ventas. Se foi ingrata até para com seu criador, o ex-presidente Lula, não lhe devolvendo o trono que ele esperava ter de volta em 2014, por que seria simpática com os que lhe garantiram uma sobrevida?

O fato é que, agora, com agenda livre e todas as opções, Dilma deveria aproveitar para algo que nunca teve tempo de fazer: estudar. Os que a conhecem sabem que isso — permitir que alguma informação nova penetre em sua carapaça de certezas — poderá ser uma revolução em sua vida. Mesmo porque é disso que dependerá sua sobrevivência política.

Dilma tem zero experiência legislativa, por exemplo. Poderia candidatar-se a vereadora em Porto Alegre, para se familiarizar com o beabá do jogo político e aprender que a democracia não vive de decisões monárquicas, mas de acordos e desacordos — ou não será democracia. A vereança, por municipal, terá também a vantagem de impedi-la de propor medidas que afetem a economia nacional. Se for bem sucedida, Dilma poderia, aos poucos, aspirar às legislaturas mais altas. Em apenas oito anos, estaria de volta a Brasília.

Se quiser tirar férias da política, Dilma poderá aceitar os convites para se tornar professora das universidades de Bolívia, Equador e Venezuela — espera-se que não de administração. Ou efetivamente cumprir o mestrado e/ou doutorado (nunca se soube qual) em ciências econômicas que dizia ter feito na Unicamp.

Talvez estas sejam as suas melhores opções. Mesmo porque Lula e o PT só esperam a poeira assentar para dizer-lhe — de vez — tchau, querida.