quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Meirelles pode dar esperança de um 2016 melhor, Balaio

MINERAÇÃO E TRAGÉDIAS EM MINAS GERAIS. ATÉ QUANDO ?, via Álvaro dosSantos


(publicado em http://saudedomeio.com.br/ )
Marcos Paulo de Souza Miranda  Promotor - Coordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais.
" Minas Gerais tem o seu próprio nome ligado à mineração, atividade que durante o apogeu do ouro e do diamante sustentou, em boa parte, a economia de Portugal. Nos dias de hoje, sem a fartura de pedras e metais preciosos, o minério de ferro é uma das bases da economia do Estado.
Mas um lado funesto decorrente das atividades minerárias ao longo de mais de três séculos de exploração é ainda pouco conhecido: a perda de vidas humanas e a destruição do meio ambiente em episódios recorrentes na história do povo mineiro.
Tratando sobre a extração de ouro no Morro de Pascoal da Silva, em Vila Rica, em 1717, o Conde de Assumar deixou registrado em seu diário que os negros faziam “huns buracos mui profundos aonde se metem, e pouco a pouco vão tirando a terra para a lavar; porém esta sorte de tirar ouro he mui arriscado, porque sucede muitas vezes cahir a terra e apanhar os negros debayxo deitando-os enterrados vivos”.
O Barão de Langsdorff, ao percorrer região de Mariana em 1824, registrou: “passamos por um vale pobre e árido, por onde ocorre o rio São José, turvo pela lavação do ouro e em cujas margens se veem montes de cascalhos, alguns até já cobertos de capim. É difícil imaginar uma visão mais triste do que a deste vale, outrora tão rico em ouro”
Em meados de 1844, na Mina de Cata Branca, município de Itabirito, à época alvo da exploração aurífera por uma empresa britânica, houve o desabamento da galeria explorada e soterramento de dezenas de operários escravos. Segundo os registros, dias depois do acidente ainda eram ouvidas vozes e gemidos dos negros em meio aos escombros. Ante a dificuldade de resgate, foi tomada a decisão de se desviar um curso d’água para inundar a mina, matando os pobres trabalhadores sobreviventes afogados, ao invés de espera-los morrer de fome.
Sobre o fato, José Pedro Xavier da Veiga deixou registrado nas suas célebres Efemérides Mineiras: “E lá estão enterradas naquele gigantesco túmulo da rocha as centenas de mineiros infelizes, que encontraram a morte perfurando as entranhas da terra para lhe aproveitar os tesouros. A mina conserva escancarada para o espaço uma boca enorme rodeada de rochas negras e como que aberta numa contorção de agonia”.
Em 21 de novembro de 1867, na Mina de Morro Velho, em Nova Lima, um desabamento matou dezessete escravos e um trabalhador inglês. Dezenove anos mais tarde, em 10 de novembro de 1886, a história se repetiu em Morro Velho.
Mais recentemente, rompimentos de barragens nas minas de Fernandinho (1986) e Herculano (2014), em Itabirito; Rio Verde (2001), no Distrito de Macacos, em Nova Lima; e da Mineração Rio Pomba (2008), em Miraí, redundaram em dezenas de outras mortes e prejuízos irreversíveis ao meio ambiente.
No último dia 05 de novembro de 2015, em Mariana, o rompimento de duas barragens da empresa Samarco soterrou quase integralmente o Distrito de Bento Rodrigues, ceifou vidas, destruiu dezenas de bens culturais e danificou de forma severa os recursos ambientais de vasta extensão da Bacia do Rio Doce.
Todos sabem que a história é mestra da vida e os fatos adversos por ela registrados devem servir de alerta para o futuro, para que os erros não sejam repetidos.
O aprendizado com os equívocos de antanho deveria impor ao setor minerário da atualidade uma completa mudança de paradigmas. Afinal, temos condições de sermos autores da nossa própria história e não podemos admitir a repetição reiterada desses desastres como algo normal, inerente às atividades econômicas de Minas Gerais.
Entretanto, percebemos que ainda se avultam as inconsequentes condutas induzidas pela ambição do lucro fácil e pelo desdém aos direitos alheios, não raras vezes secundadas pela omissão ou incompetência de autoridades públicas responsáveis pelos processos de licenciamento ambiental, que se contentam com a adoção de tecnologias ultrapassadas em empreendimentos de alto risco, que raramente são fiscalizados.
A anunciada flexibilização do licenciamento ambiental pelo Governo de Minas, com o nítido propósito de beneficiar, entre outros, o seguimento dos empreendimentos de mineração, segue na contramão do que a sociedade mineira espera e precisa: segurança e respeito aos seus direitos.
É hora de dizer um basta."

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Vale de lama, por Miriam Leitão no Globo


POR MÍRIAM LEITÃO
A Samarco tem dono. É a Vale e a BHP. Cada uma tem metade do capital. O presidente da empresa australiana, Andrew Mackenzie, falou com a imprensa desde o primeiro momento e embarcou para o Brasil. O presidente da Vale, o mineiro Murilo Ferreira, soltou nota. A presidente Dilma não foi ao local. A tragédia se propaga por dois estados e deixa vítimas em famílias que não enterrarão seus mortos.
Não é inesperado o que aconteceu em Mariana. Primeiro, pelos alertas dados pelo Ministério Público de Minas Gerais e por especialistas; segundo, porque a mineração é uma atividade altamente agressiva e de elevado risco ambiental. A Vale está fazendo furos e deixando rejeitos em Minas Gerais há 70 anos. Não pode, diante de um desastre dessa proporção, soltar uma nota lacônica como se não fosse sua obrigação agir imediatamente.
A atividade mineradora no mundo inteiro tem uma série de procedimentos já consolidados ao longo do tempo para prevenir e mitigar desastre. Neste caso, se vê, a cada novo passo da investigação, que as empresas foram displicentes na prevenção e não demonstraram ter um plano de ação preparado para o caso de desastre. Prevenção e mitigação de danos é o mínimo que se pode exigir de empresa que lida com atividade de alto risco.
O gerenciamento corporativo de desastres tem um protocolo e ele começa com a empresa não se escondendo. Ela precisa falar, e quem faz isso é o presidente da companhia. A Samarco foi ontem proibida por Minas Gerais de exercer atividade no estado. Mas nada recai sobre as suas controladoras. Nenhuma cobrança é feita à Vale, que é empresa brasileira, está aqui no país e tinha que saber o que acontece com a sua controlada.
A reação corporativa é absolutamente insuficiente. A Vale não pode ficar dizendo apenas que está prestando todo o apoio à Samarco e às autoridades. O que a empresa fará para proteger e indenizar as famílias das vítimas? Que plano tem para conter os efeitos do desastre? Como fará a descontaminação da área? Que desdobramentos os seus estrategistas em riscos estão vendo para as consequências como a contaminação das águas em Minas Gerais e no Espírito Santo? Já instalou uma sala de controle das informações sobre o desastre, no estilo situation room? É inacreditável que uma tragédia que aconteceu na quinta-feira tenha até agora de reação da empresa controladora apenas uma nota divulgada na sexta, um sobrevoo do CEO ao local e conversas entre executivos da Vale e da Samarco.
O comportamento público diante dos eventos também é insuficiente. O nome de um ministério é de “Minas" e Energia, o nome do outro é de Meio Ambiente. Não consta que estiveram em Mariana. O que o governo deveria ter feito é ir para lá a presidente, os ministros de áreas envolvidas, as agências reguladoras e, em seguida, divulgar um plano de ação. É inaceitável esse grau de omissão.
No governo está um jogo de empurra. Quando se procura o MME, aponta-se para o Departamento Nacional de Produção Mineral. O desastre ambiental é enorme, mas o Ministério do Meio Ambiente não fala. Águas estão sendo contaminadas e em Governador Valadares-MG e Colatina-ES o risco é de problemas de abastecimento. O que diz a Agência Nacional de Águas? O que farão as empresas a este respeito?
Há claramente falha regulatória e de fiscalização no rompimento das duas barragens que vitimou um número ainda indefinido de trabalhadores e moradores do distrito de Bento Rodrigues, deixou centenas de pessoas desabrigadas e pode afetar o abastecimento de pelo menos meio milhão de pessoas.
As informações até agora são de que não foi feito o plano de contingência recomendado, sirenes não foram instaladas para a eventualidade de um desastre e as famílias se queixaram de que até domingo não haviam sequer sido recebidas pela Samarco. A empresa aumentou a produção no ano passado e o governo estadual recentemente baixou uma lei para apressar as liberações ambientais da mineração, os alertas de professores da UFMG e de procuradores federais e estaduais foram ignorados. O caso é grave demais para ficarem todos os responsáveis apenas olhando os socorristas se afundando na lama criada pelo descaso e a incompetência.