sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Gilmar Mendes: nas Repúblicas ninguém está acima da lei


Publicado por Luiz Flávio Gomes - 1 dia atrás
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Particularmente quem é do mundo jurídico sabe muito bem o quanto que o Brasil precisa de constitucionalistas brilhantes como Gilmar Mendes. Ao mesmo tempo, o quanto ele nos decepciona quando nega os fundamentos da República colocando-se acima da lei e corroendo ainda mais a já complicada relação do brasileiro com o império do direito.
Se nas democracias, para se assegurar a transparência, são muito bem-vindas todas as atividades, críticas e movimentos opositores (democracia sem oposição e sem mídia vira ditadura), com muito maior razão há espaço para eles em mafiocracias infames como a brasileira. Mafiocracia é a soma da cleptocracia (governo de ladrões) com a corporacracia (governo das corporações econômicas e financeiras).
A oposição (desabridamente) política exercida pelo ministro da Suprema Corte contra o governo reconhecidamente corrupto no poder tem seu lado positivo ou até festivo (não se pode negar), mas entre as pessoas mais esclarecidas se sabe o quanto a exteriorização de uma ideologia, de um pensamento político-partidário ou de um preconceito, por um juiz, se torna gravemente pernicioso para o fortalecimento das instituições. A liberdade de expressão é institucionalmente autofágica quando os juízes falam o que, juridicamente, não podem falar.
Sabe-se que “gritar sempre com os demais é o único modo de estar seguro” (George Orwell). Ocorre que o Código de Ética da Magistratura, espelhado na Resolução 60, de 2008, do Conselho Nacional de Justiça, já no seu artigo 1º diz que “os juízes devem portar-se com imparcialidade, cortesia, diligência, integridade, dignidade, honra, prudência e decoro”.
Dizer que a história de cada um, por mais singular que seja, lhe confere o direito a ter direitos diferenciados, significa arguir um direito à desigualdade de direitos, um direito a ter privilégios. Numa República, nem sequer os ministros da Corte Máxima possuem o direito de não respeitar seus deveres funcionais. Ainda que bem intencionado, nenhum juiz tem o direito de ignorar as regras elementares da sua excelsa e insigne profissão.
Nas turvas ondas da Operação Lava Jato brotam personagens todos os dias, que bem ilustram o que o autor do livro Arte de furtar chama de “covil de ladrões” (p. 53). Alguns talvez ainda não tenham sido bem identificados, ao menos perante o grande público.
A Paulo Roberto Costa, por exemplo, pelo seu pioneirismo (na Lava Jato), não há como deixar de outorgar o título de Delator-Geral da República. Youssef seria um tipo de Sub-Delator-Geral da República (embora relevante, veio depois).
É nesse emaranhado de “ladrões e bandoleiros da República” (como diz Celso de Mello) que entra a irresignação e indignação de Gilmar Mendes, que passará para a história com muitas insígnias e honrarias (ministro, professor, doutrinador de escol etc.), mas nenhuma, talvez, será mais valorada (ou questionada) que a sua função, abertamente político-partidária, de pregnante Opositor-Geral da República, que em nada o deslustraria, muito pelo contrário, sobretudo quando se sabe do grau de mediocridade dos opositores existentes (em regra), não fosse sua qualidade de magistrado, que vai julgar muitos dos senhores patrimonialistas que contam com foro privilegiado: de qualquer juiz seria de se esperar, segundo os cânones vigentes, imparcialidade, vedação de prejulgamentos, prudência, equilíbrio e serenidade.
Loman (Lei Orgânica da Magistratura - Lei Complementar nº 35, de 1979) estabelece, com efeito, no artigo 36, inciso III, que não é licito aos juízes "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos ou em obras técnicas ou no exercício do magistério".
Ignorando completamente os seus deveres funcionais, Gilmar Mendes disse: “O que foi revelado na Petrobras é que os prejuízos envolvendo corrupção eram de R$ 6 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões devem ter ido para o sistema político, e R$ 2 bilhões devem ter ido para o PT. Isso não tem nada a ver com campanha política especificamente” (Valor 16/9/15: A8).
Sugere-se o tópico (o lugar-comum) de que o dinheiro das propinas na Petrobras foi para o PT (“exclusivamente para o PT”) assim como para os bolsos de alguns discípulos de Mercúrio, o “Deus das ladroíces”.
Toda população já sabe desse “malfeito”, mas quando isso é dito por um magistrado que vai julgar a mesma causa gera espanto e desapontamento, porque retira as vendas dos olhos da Justiça, cuja deusa, de repente, tem 100 kilos de ouro num dos pratos da balança, contra 10 no outro.
Deusa, ademais, que somente se desvenda para ver surrupio num único partido, ignorando as podridões em praticamente todos eles assim como as incontáveis delações que falam em R$ 10 milhões para Sérgio Guerra (PSDB), R$ 20 milhões para Eduardo Campos (PSB), R$ 500 mil para Aloysio Nunes (PSDB), R$ 250 mil para Mercadante (PT), milhões para o PMDB (Renan, Cunha, Jucá, Edson Lobão etc.), milhões para o PP etc.
Ajustar nossas obrigações com a justiça (se diz no livro Arte de furtar, p. 52) “depende de uma balança muito sutil, que tem o fiel muito ligeiro; e, como ninguém a traz na mão, tudo vai a esmo e a cobiça [assim como a tendenciosidade] pende para si mais que para os outros”.
No magistrado se torna censurável o prejulgamento (a emoção) quando ele assume o lugar do comedimento, da distância (Kant diria: da razão). Se o juiz não quer gerar desconfiança na população, ele deve “falar apenas nos autos”.
Somos todos animais loquazes, mas a loquacidade (particularmente a midiática), assim como a verbosidade, não cai bem a um juiz, que tem a obrigação jurídica de autocontenção e discrição. Quem julga a liberdade e o patrimônio alheios não tem direito a excentricidades, ainda que atue em nome de uma boa causa, que consiste em denunciar a estrutura da mafiocracia brasileira, fruto indecoroso de um grande “conluio de delinquentes” (como disse o ministro Celso de Mello), ou seja, de uma cleptocracia + uma corporacracia.
Todo prejulgamento inviabiliza a participação do juiz na causa implicada, por revelar tendenciosidade em favor de uma das partes (CPC, art. 135V). As posturas extravagantes ou ideologicamente matizadas dos juízes “são repudiadas pela comunidade jurídica, bem assim pela opinião pública esclarecida, que enxerga nelas um grave risco à democracia” (Lewandowski, Folha: 13/9/15: A3).
Eu fui juiz quinze anos e sabemos bem que a Loman diz a todos os magistrados o seguinte: não seja exibido. Afinal, “Não é o apito que põe o trem em movimento” (H. Jackson Brown).

terça-feira, 22 de setembro de 2015

"Como continuar petista?", por Tati Bernardi


Folha de São Paulo


Nasci numa família petista. Acho que já escrevi isso antes, mas é uma lembrança muito forte: eu morava no Tatuapé, de frente para a fábrica de eletrodomésticos Philco, e o Lula comandava as greves lá. Eu acordava com ele berrando, irritada, mas minha mãe me mandava ter respeito pelo homem que mudaria o país. 

Quando o Lula foi eleito pela primeira vez e subiu a rampinha pra abraçar o Fernando Henrique, lembro da minha mãe no meio da sala, chorando mais do que quando eu voei da bicicleta, quebrei a clavícula e fiquei desacordada por longos segundos.

Sempre votei em todos eles: Suplicy, Marta, Mercadante, Lula, Dilma, Haddad. Mas de uns dois anos pra cá, minha família fez como a Marta: me abandonou, pegou horror ao partido. Se tornaram magoados vingativos. Os xingamentos vão de pinguço ladrão a escória da humanidade. Ela virou a típica senhorinha reaça das redes sociais, postando "Revoltados On Line", ajudando a viralizar vídeos terríveis de ministros sendo vaiados acompanhados de suas famílias. Senti um soprinho de esperança em recuperar meus pais quando num almoço o tema foi difamar o Cunha. Mas, no cafezinho, eles voltaram com força total, mostrando um clipezinho musicalizado da Dilma saudando a mandioca. E o milho também.

Fiquei sozinha nessa. Segui defendendo a ciclovia. Mesmo aturando 80% dos meus amigos falando que na periferia o Haddad deixou a desejar, que a faixa termina em lugar nenhum, que é malfeita, que antes a cidade deveria dar segurança pras pessoas andarem de bicicleta, que quem mandou comprar carro pra aquecer a economia foi o próprio PT. Que ciclovia é coisa pra agradar os alunos "de esquerda, mas com dinheiro" dele, que moram no centro expandido. 

Perdi uma quantidade enorme de amigos (que nunca fiz) quando comemorei a reeleição da Dilma. Tudo bem que fui meio sem noção e escrevi "Chupa Itaim" e "pega no meu pau Vila Nova Conceição" no Facebook. Muitos outros, esses sim importantes, me deram apenas "hide" e avisaram por inbox: "Quando você se curar dessa doença maligna chamada ignorância política, voltamos a falar". Não se "cura" com facilidade algo que se aprendeu a amar na infância. Sigo me agarrando aos poucos amigos que acreditam. Lendo os poucos articulistas que acreditam. Pedindo a um amigo que trabalha com o Haddad que me coloque em contato com ele, pra que eu possa conversar mais, entender mais, e não perder a fé. Mas a cada dia, um bom combatente entrega os pontos. Ligo para um colega escritor intelectual de esquerda e ele me aconselha: "Não escreve sobre isso não, tá feia a coisa, eu não acredito mais".

Está cada dia mais difícil responder "mas tanto foi feito pelos pobres" a cada 765 motivos para deixar de ser petista. Zé Dirceu armou o maior esquema de propina da história e mesmo depois de ser pego, armou de novo! Mas tanto foi feito pelos pobres! Os discursos da Dilma nunca falam com clareza sobre pedaladas fiscais e Petrolão! Mas tanto foi feito pelos pobres! Daí tento "mas nunca em um governo se colocou tanto bandido na cadeia! É a democracia!". Mas Dilma foi uma péssima gestora, olha como está o dólar, a inflação, o desemprego, os cortes na educação, na saúde, na grana dos aposentados! Mas nunca em um governo se colocou tanto bandido...Mas os bandidos estavam mancomunados com o PT ou, em grande parte, ERAM do PT. Mas nunca em... É... Veja bem... Que tristeza tudo isso.

"Um verdadeiro deserto para atravessar", por José Roberto Mendonça de Barros

Leia Mais:http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,lugar-de-honra,1684227


O Estado de São Paulo


Ao final do primeiro semestre, não existem mais dúvidas de que temos um governo precocemente enfraquecido e uma economia em franca recessão. Ainda não chegamos ao fundo do poço e o desemprego deve se elevar até o final do ano. 
Na verdade, o que está por trás de tudo é a implosão de duas grandes apostas, interconectadas: 
– A tentativa de hegemonia e eternização no poder de um grupo político que comanda o País desde 2003. 
– A tentativa de fazer com que o Estado dominasse e conduzisse, em aliança com certos grupos campeões, todas as fontes de crescimento da economia. 
A implosão dessas apostas foi espetacular: afinal, como diz a sabedoria popular, quanto maior a escada, maior é o tombo. Ao final de 2014, ficou evidente o desastre macroeconômico, expresso na inflação elevada (a despeito dos grandes esforços de repressão do câmbio e de itens relevantes, como a gasolina e a energia elétrica), no déficit externo em conta corrente (que cresceu para US$ 105 bilhões em 2014, na nova metodologia do Banco Central), na elevação dos juros (que foram de 10,50% em janeiro de 2014 para 12,25% em janeiro deste ano), na piora fiscal (o déficit nominal subiu de 2,6% do PIB em 2011 para 6,2% no ano passado) e na desaceleração do crescimento até a recessão atual. 
Há também o maior desastre microeconômico dos últimos tempos: existem grandes problemas nos setores elétrico, de etanol, na Petrobrás e seus fornecedores, em todos os componentes da construção civil (residencial, comercial, industrial e construção pesada), nos bens de capital e na indústria em geral.
Aliás, o Brasil fez de tudo nos últimos anos em matéria de política industrial: protecionismo, exigências de conteúdo nacional, margens de preferência em compras públicas, crédito subsidiado, incentivos fiscais, etc. 
Entretanto, nunca a indústria representou tão pouco frente ao PIB: algo como 11% em 2014. Está aí algo que deve ser explicado ao distinto público, naturalmente, sem colocar a culpa na crise internacional. 
Teremos um deserto para atravessar, que vai durar pelo menos dois anos. Projetamos queda do PIB de 2,1% e de 0,6% em 2015 e 2016, respectivamente, devendo ser destacado que esses números têm viés de baixa.
Do ponto de vista das empresas, o grande desafio é como atravessar este deserto sem destruir o seu futuro. Até porque, quando voltarmos a crescer, eventualmente a partir de 2017, o modelo de crescimento terá de ser bem diferente do passado. 
No curto prazo, a receita é a usual: defender a liquidez, reduzir custos (como o que está acontecendo na questão do aluguel, cujos contratos estão sendo revisados fortemente para menos, tendo em vista a imensa oferta de lojas, escritórios e galpões fechados, todos na busca de novos inquilinos) e observar os ajustes da sua demanda, tanto para encolher a produção como para aproveitar nichos e novas oportunidades
Por exemplo, os consumidores estão adiando compras de itens caros e que exigem tomada de crédito, como é o caso de carros e imóveis. Entretanto, isso abre oportunidades para a venda de itens do lar, uma espécie de compensação para as famílias que ficarão mais tempo em casa. 
Acredito que as empresas têm de dar atenção, nesta travessia, a quatro elementos chave na reorganização da economia:
1) Uma das poucas coisas inequívocas quanto ao futuro é que o real vai continuar se desvalorizando nos próximos meses. Daí porque será necessário retomar ou reforçar as linhas de exportação e investimentos complementares na internacionalização das empresas (escritórios de representação, centros de distribuição, etc). Na mesma linha, será preciso aproveitar a maior competitividade da produção nacional com as importações e as eventuais oportunidades de nacionalização de produtos e componentes, que se tornaram caros demais quando trazidos do exterior.
2) É indispensável um grande esforço na direção das melhores práticas e de redução de custos. Será preciso também fazer uma revisão na política de crédito para clientes e fornecedores. Finalmente, nesta nova fase do País, é imperioso elevar a produtividade e passar a inovar de fato. A propósito, a comparação com a experiência exitosa do agronegócio, sobre a qual tenho escrito frequentemente, é algo a ser copiado. 
3) Haverá necessariamente consolidação na maioria dos setores, nos quais empresas com balanço forte irão adquirir bons ativos, pertencentes a companhias em dificuldades a bons preços. 
4) É indispensável diminuir a dependência de favores fiscais e de créditos subsidiados, uma vez que está evidente para todos o total esgotamento das possibilidades do Tesouro Nacional, pelo menos nos próximos anos. Muitos modelos de negócios terão de ser rapidamente reajustados a este respeito. 
******************
A redução das metas fiscais para este ano e os próximos não foi surpresa. Inesperada foi sua magnitude, muito maior que o imaginado. Assim, o ajuste mesmo foi relegado para os últimos dois anos do governo. 
Não é, pois, de surpreender a forte reação dos mercados. O medo de perder o grau de investimento voltou a ser bem concreto. 
Cada dia está mais claro que não cresceremos sem reformas e avanços mais profundos em três áreas: 
1) As despesas públicas correntes crescem sempre mais do que a receita. Enquanto deu, a elevação de impostos fechou as contas. Agora, é impossível seguir adiante sem reformas mais profundas em regras do gasto público, especialmente em itens como a previdência. 
2) Há muito tempo os custos de produção sobem de forma independente da atividade econômica, por conta de burocracia, impostos, logística e custo direto e indireto da mão de obra, sem grandes ganhos de produtividade que possam fazer uma compensação. Ou isto é revertido ou os investimentos e o crescimento não voltarão. 
3) Nosso sistema educacional é lamentavelmente fraco, embora os gastos com o mesmo estejam no padrão internacional em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Ou isto é revertido além dos discursos ou não teremos chances no mundo do conhecimento.
O resto são apenas paisagens.
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