terça-feira, 30 de agosto de 2011

Caminhar é a atividade mais importante nas cidades


“Agora é a vez do pedestre”, afirma o diretor de desenho urbano da Prefeitura de Nova York, Alexandros Washburn.
A Folha conversou com o arquiteto durante o 1º Congresso Internacional de Habitação e Urbanismo, promovido pela Prefeitura de São Paulo em junho.
Ele critica o modelo de urbanização com prédios recuados e muros alto, comum em São Paulo.
Folha – São Paulo pretende adensar as áreas centrais para aproximar as pessoas dos empregos e da infraestrutura que já existe. A cidade não vai se tornar desagradável, cheia de prédios altos?
Alexandros Washburn -
 Não é agradável caminhar pela Quinta avenida? Não há nada de errado com prédios altos. A questão é como esses prédios se encontram com a rua. Aqui você tem uma regra que diz que os prédios devem ser recuados. Mas aí o que você tem é rua fechada com muros e grades.
E como deve ser?
O muro da rua tem que ser feito do tecido dos prédios, com lojas, janelas nos primeiros andares. Você tem que sentir que as extremidades da rua estão abertas para você. E que as pessoas estão olhando para você.
É preciso projetar desde a linha de um prédio à do outro. Em vez de recuar o prédio cinco metros, construir direto na calçada. Deixa uns três metros livres na calçada. E aí põe uma árvore, depois a guia. E então decide: Vou pôr uma ciclovia ou vou pôr os carros para estacionar aqui?
Alguém precisa desenhar isso. Hoje, está por conta própria.
Nova York enfrentou resistência dos moradores para implementar a ciclovia do East Side?
Tem havido um pouco de resistência. Mas isso é parte do processo de compreensão de como a mistura da via com as bicicletas funciona.
Em minha perspectiva, o pedestre é o mais importante. Caminhar é a atividade mais importante na cidade. Tanto pelo lado cultural como pela sustentabilidade.
Nova York tem muita sorte por lutar por ótimas ruas. Você conhece a música “Empire State of Mind”, da Alicia Keys? É sobre caminhar em Nova York. Tem outra do Frank Sinatra. As ruas de Nova York são tão boas para andar que as pessoas escrevem músicas sobre isso.
O que torna a cidade “caminhável”?
Entre os edifícios, há uma quantidade limitada de metros. Então é preciso decidir quantos metros para caminhar, quantos metros para árvores, quantos metros para bicicletas, para carros. Decidir que o pedestre é o foco é uma decisão política importante para a cidade.
É por isso que Nova York é uma cidade vibrante. Caminhar na rua em Nova York é minha experiência favorita. O espaço público é muito importante para construir confiança entre as pessoas de todas as classes e etnias.
Como colocar o pedestre em primeiro lugar em uma cidade projetada para carros, como São Paulo?
Cidades são projetos de longo prazo. Os carros estão em primeiro lugar há 50 anos. Agora é a vez do pedestre. É uma questão de equilíbrio, não de eliminação.
Quando você toma a decisão de colocar o pedestre em primeiro lugar, você adota um ponto de vista. Você vê os problemas através dos olhos de um cidadão caminhando pela rua. Não são soluções mutuamente exclusivas.
Por exemplo, como pedestre, é bom ter carros parados paralelamente à calçada. Eles formam uma barreira ao movimento da rua. Carros e pessoas podem andar juntos, mas a questão é perguntar primeiro ao pedestre.
É possível transformar o Minhocão em um parque suspenso, como o High Line, de Nova York?
A comparação entre o Minhocão e o High Line é difícil. Primeiro, o Minhocão não é uma linha de trem abandonada, como o High Line. O Minhocão tem uma função de transporte ativa.
Acho que o objetivo para o Minhocão pode ser modificar essa função de transporte, não eliminá-la, e fazê-la servir melhor a vizinhança ao redor dele.
Mas acho que não se deve chegar a ideias precipitadas. É preciso um debate amplo entre comunidade e especialistas para definir qual é o objetivo social, econômico e ambiental da transformação do Minhocão. No momento, me parece que desenhar a pergunta é mais importante do que fazer um projeto.
Há semelhanças entre a revitalização da área portuária de Nova York e a Nova Luz?
Diferentemente do que fizemos com a região portuária, a Nova Luz tem o potencial de ser uma vizinhança completa: tem uma ótima estação de trem, um ótimo parque, apartamentos, escritórios, lojas. E tem uma localização estratégica, próxima ao centro. A estrutura está toda lá para que se torne um bairro excelente.
Para mim, o sucesso da Nova Luz está nos detalhes. Primeiro: como os novos prédios vão se encontrar com a rua? A calçada contribui para que exista um lugar bonito para caminhar? Os estabelecimentos estão abertos para a calçada para reforçar a vitalidade do local para o pedestre? E qual é a mistura do que já existe e do novo?
Como é a participação nos projetos de Nova York?
Nós temos uma forma de ouvir as pessoas, a “Uniform Land Use Review Process”. Está na lei. Fazemos reuniões, ouvimos.
Assim, é possível pegar uma ideia da comunidade, transformá-la em uma política, que é então financiada pelo setor privado. E também um pouco pelo governo.
Um projeto que resultou desse método foi o High Line, que mudou o bairro ao redor.
Rudolph Giuliani [ex-prefeito de Nova York] já tinha assinado uma ordem para demoli-lo. Aí, dois caras organizaram um grupo chamado Amigos do High Line. Eles organizaram uma competição de ideias. Para qualquer ideia dar certo, política, financiamento e projeto têm de estar juntos.
As pessoas sempre se interessam pela mudança urbana?
Na área portuária, que é a área próxima de onde houve o ataque ao World Trade Center, nós nos engajamos com o conselho comunitário.
Mostrávamos os desenhos, argumentávamos, refazíamos. Tem muito a ver com diálogo. E às vezes pode ser muito emocional, às vezes técnico.
No final, todo mundo quis fazer com que a margem do rio ficasse melhor.
Esse é um valor importante para o desenvolvimento urbano: fazer com que o projeto pertença não só a quem o construiu, mas às pessoas que moram ali. A comunidade precisa sentir que ela quer que o projeto aconteça.
E como está a revitalização da zona portuária?
Está pronta. Você já pode ir lá e passear nela. É muito importante entender que a janela de oportunidades se abre por um tempo curto. Você tem que saber o que quer e fazer enquanto pode.
Quando a mudança vem, é de uma vez. E aí para. São Paulo é muito empolgante para mim. Me parece ser uma cidade à beira da mudança. Não tanto fisicamente, mas de ponto de vista. Quando essa mudança de perspectiva acontece é que a cidade muda fisicamente.
Você falou de ideias que surgiram da população. E quando o processo é inverso?
Tem um ditado em inglês, “o sucesso tem muitos pais”. Você está sempre procurando ideias que sejam bem-sucedidas. Muitas não vão a lugar nenhum. As que dão certo são as que têm ressonância. E é isso que estamos buscando. Dá para descobrir rápido. É como quando você toca a tecla certa do piano.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Quando o rato quer o gato, Fernando Reinach


25 de agosto de 2011 | 0h 00
Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
Nada como o desejo sexual para diminuir a aversão ao risco. Mas quando um rato se sente atraído por um gato, acaba comido. Literalmente. Ruim para o rato, bom para o gato e para o parasita que, instalado no cérebro do rato, faz com que o roedor se apaixone pelo inimigo.

Em 1999, foi descoberto que ratos infectados com o parasita Toxoplasma gondii apresentavam um comportamento estranho. Enquanto um rato normal fica totalmente paralisado e tenta se esconder ao sentir o cheiro de um gato, ratos infectados pelo Toxoplasma pareciam ficar curiosos e começavam a explorar o ambiente. E, óbvio, encontravam-se com o gato e eram devorados. Mas como explicar esse comportamento quase suicida, aparentemente causado pela presença do parasita?
O Toxoplasma infecta diversos animais, até mesmo seres humanos, alojando-se no cérebro, onde forma minúsculos cistos. Mas o Toxoplasma só se reproduz sexualmente no intestino de um gato. É lá que ele se divide e acaba contaminando as fezes do bichano.
Nós e os ratos somos contaminados quando entramos em contato com fezes de gatos contaminados. Uma vez no rato, o grande desafio do Toxoplasma é voltar para o seu hospedeiro primário, o gato, a fim de se multiplicar. Para isso é necessário que o gato coma o rato - e, infelizmente para o Toxoplasma, não é sempre que o gato consegue capturar o rato (vide Tom & Jerry).
Na época em que esse comportamento foi descoberto em ratos infectados, os cientistas sugeriram que, ao longo da evolução, o Toxoplasma teria adquirido a capacidade de se alojar em um local do cérebro dos ratos, alterando o comportamento do roedor, o que facilitaria sua captura pelos gatos. Essa hipótese, digna de um filme de ficção científica, agora foi confirmada.
Experiência. O experimento é simples. Dezoito ratos foram infectados com Toxoplasma e 18 ratos saudáveis serviram como controle. Nove ratos infectados e 9 ratos saudáveis foram colocados em gaiolas contendo um pedaço de tecido umedecido com urina de gato. A outra metade, 9 ratos saudáveis e 9 infectados, foi colocada em uma gaiola, na qual podiam sentir o cheiro de uma fêmea no cio colocada na gaiola ao lado.
O estímulo durou 20 minutos. Uma hora e meia após o término do estímulo, os ratos foram sacrificados e seus cérebros, preservados, fatiados e examinados ao microscópio. O objetivo era determinar qual área do cérebro havia sido estimulada durante a exposição à urina de gato ou ao cheiro das atrativas fêmeas no cio. Isso é possível porque, quando um neurônio fica ativo por muito tempo, ele sintetiza uma proteína chamada c-Fos, que pode ser detectada nas fatias de cérebro. Se os neurônios possuem c-Fos, isso indica que eles estavam ativos antes da morte do animal. As áreas do cérebro envolvidas no desejo sexual e nas reações de medo foram examinadas cuidadosamente nos quatro grupos de animais.
Nos ratos normais estimulados pela presença da fêmea, somente a região envolvida no desejo sexual havia sido ativada. Também como esperado, os ratos normais submetidos ao cheiro de urina de gato apresentavam a área relacionada ao medo ativada e a região relacionada ao estímulo sexual desativada. O interessante é o que foi observado nos ratos infectados com Toxoplasma. Nos ratos submetidos ao cheiro das fêmeas, somente a área sexual era ativada. Mas nos ratos infectados submetidos ao cheiro de urina de gato, tanto a área relacionada ao medo quanto a área relacionada ao desejo sexual haviam sido ativadas. Em outras palavras, os ratos infectados pelos parasitas, ao sentir o cheiro de urina de gato, ficavam com medo (como esperado), mas ao mesmo tempo ficavam atraídos sexualmente pelo cheiro. Como a atração sexual é mais forte que o medo, eles se aventuram a procurar a origem do cheiro de urina. Acabam encontrando o gato, são devorados, e o parasita pode colonizar o gato.
Esse resultado demonstra que a infecção pelo parasita não suprime o medo que os ratos sentem dos gatos, mas estimula de tal forma o desejo sexual que este supera o medo. Parece-me que esse tipo de reação, o desejo superando o medo, não é estranho aos seres humanos. Seria curioso investigar se pessoas infectadas pelo Toxoplasma são mais propensas à infidelidade.

MAIS INFORMAÇÕES: PREDATOR CAT ODORS ACTIVATES SEXUAL AROUSAL PATHWAYS IN BRAINS OF TOXOPLASMA GONDII INFECTED RATS. PLOS ONE, VOL. 6 PÁG. 23.277, 2011

domingo, 21 de agosto de 2011

O encolhimento do sonho americano

Classe média dos Estados Unidos vê se distanciarem dela dois de seus maiores ícones: o emprego estável e a casa própria
14 de agosto de 2011 | 0h 17
Kenneth Serbin - O Estado de S.Paulo
Num episódio da novela Insensato Coração que foi ao ar recentemente, o jovem casal André e Carol atua numa cena que resume uma faceta importante da emergente economia brasileira: avaliando suas possibilidades para dar o grande salto com a compra do apartamento, eles se sentem mais confiantes ao concluir que poderão dar uma entrada e financiar o restante do valor do imóvel - sem que André precise vender outro apartamento adquirido antes do início do relacionamento dos dois.
Como André e Carol, milhões de brasileiros estão conseguindo os meios para comprar, pela primeira vez, um apartamento ou uma casa própria, porque o governo e o setor privado criaram as condições para a realização do seu projeto.
Já vão longe os dias em que financiar um imóvel era raro e complicado. Os brasileiros vivem atualmente o "sonho americano".
E os americanos estão a par disso. A confirmação do auge do Brasil como provedor de habitação tanto privado quanto público foi divulgada no dia 11 na paraestatal National Public Radio, um dos melhores e mais prestigiosos veículos de comunicação dos Estados Unidos. O noticiário econômico da manhã falou do sucesso de um novo bilionário brasileiro, Rubens Menin Teixeira de Souza, um dos principais parceiros do governo no programa da habitação conhecido como Minha casa, Minha Vida.
Rubens Menin também será focado no artigo de capa sobre os "bilionários ocultos" da edição de setembro da revista Bloomberg Markets. Como todos sabem, a empresa de Rubens Menin está prestes a se tornar a maior construtora do mundo.
O inverso dessas salutares tendências econômicas ocorre nos EUA, onde, no dia 5, a sombria perspectiva financeira de longo prazo levou a agência de avaliação de risco Standard & Poor"s a rebaixar o rating de crédito do país de AAA para AA+. A decisão histórica fez despencar as bolsas do mundo inteiro. Mas, na realidade, é apenas um dos vários indicadores do declínio dos EUA.
Os americanos estão sendo cada vez mais excluídos do patamar econômico da classe média e de seus dois atributos mais importantes: um emprego estável bem remunerado e uma casa.
Os grandes símbolos do sonho americano estão desaparecendo.
O desemprego oficial continua em 9% ou mesmo acima disso. Entretanto, a taxa real, que inclui os subempregados e os que já não constam das estatísticas porque desistiram de procurar trabalho, seria superior a 16%.
Isso significa que um em cada seis trabalhadores americanos se encontra em situação muito difícil. Essas estatísticas não abrangem os pobres que trabalham ou uma boa parcela da população empregada no amplo setor do comércio varejista, em companhias como a Wal-Mart, que ganha muito pouco e recebe poucos benefícios.
Na tentativa de estimular a economia, o governo injetou trilhões de dólares. Uma boa parte desse dinheiro foi emprestada por outros países. Entretanto, os números assustadores do desemprego continuam virtualmente os mesmos.
São poucos os líderes políticos e os especialistas que têm a visão e a coragem de admitir o fato de que a economia não pode gerar novos empregos porque muitas empresas americanas transferiram suas atividades de produção e serviços para o exterior, principalmente China, mas também Índia, Filipinas e outros.
Não há mais o que espremer aqui.
O outro lado da moeda do desemprego é a violenta queda no número de proprietários de imóveis residenciais, exacerbada pela crise financeira. A execução de milhões de hipotecas ainda não terminou.
A concessão de alvarás de construção de imóveis residenciais, em termos mensais, numa economia americana saudável deveria ser algo entre 1,2 e 1,7 milhão. Em abril de 2009, o número caiu para o nível baixíssimo de 478 mil. Dois anos mais tarde, mal superava os 600 mil. Alguns estudos indicam que o aumento maior da concessão de novos alvarás acontece na área da construção de prédios de apartamentos.
"Os Estados Unidos estão se tornando rapidamente uma nação de inquilinos", afirmou na edição de 5 de agosto o Chicago Tribune em um artigo que discutia um relatório sobre o setor da habitação divulgado pela empresa de serviços financeiros Morgan Stanley. Em 2004, 69,2% dos americanos tinham casa própria. Segundo a Morgan Stanley, agora a porcentagem caiu para 59,2% - o menor patamar desde meados da década de 60, quando o governo começou a elaborar estatísticas anuais.
"Pela primeira vez na história recente, o governo deixou de promover a compra de casa própria para todos os americanos, o que levou a uma revisão da política da habitação", disse o relatório da Morgan Stanley.
O governo do presidente Barack Obama confirmou essa mudança. Em um relatório de fevereiro citado pelo Tribune, o governo afirmou que seu objetivo é "garantir que os americanos tenham acesso a várias opções de habitação a seu alcance. O que não significa que o nosso objetivo seja tornar todos os americanos proprietários de um imóvel".
Não faz muito tempo, essa afirmação teria constituído suicídio político para um presidente dos Estados Unidos. Mas hoje reflete a dura realidade - aliás, para muitos, uma triste realidade - da nova economia americana.
Se os líderes do país não reverterem essas tendências, a classe média americana encolherá. O sonho americano - ou o que resta dele - se tornará privilégio de uma minoria e não mais a esperança de todo um povo.
KENNETH SERBIN É CHEFE DE DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE DE SAN DIEGO. FOI PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS BRASILEIROS (BRASA) DE 2006 A 2008