14 de agosto de 2011 | 0h 17
Kenneth Serbin - O Estado de S.Paulo
Num episódio da novela Insensato Coração que foi ao ar recentemente, o jovem casal André e Carol atua numa cena que resume uma faceta importante da emergente economia brasileira: avaliando suas possibilidades para dar o grande salto com a compra do apartamento, eles se sentem mais confiantes ao concluir que poderão dar uma entrada e financiar o restante do valor do imóvel - sem que André precise vender outro apartamento adquirido antes do início do relacionamento dos dois.
Como André e Carol, milhões de brasileiros estão conseguindo os meios para comprar, pela primeira vez, um apartamento ou uma casa própria, porque o governo e o setor privado criaram as condições para a realização do seu projeto.
Já vão longe os dias em que financiar um imóvel era raro e complicado. Os brasileiros vivem atualmente o "sonho americano".
E os americanos estão a par disso. A confirmação do auge do Brasil como provedor de habitação tanto privado quanto público foi divulgada no dia 11 na paraestatal National Public Radio, um dos melhores e mais prestigiosos veículos de comunicação dos Estados Unidos. O noticiário econômico da manhã falou do sucesso de um novo bilionário brasileiro, Rubens Menin Teixeira de Souza, um dos principais parceiros do governo no programa da habitação conhecido como Minha casa, Minha Vida.
Rubens Menin também será focado no artigo de capa sobre os "bilionários ocultos" da edição de setembro da revista Bloomberg Markets. Como todos sabem, a empresa de Rubens Menin está prestes a se tornar a maior construtora do mundo.
O inverso dessas salutares tendências econômicas ocorre nos EUA, onde, no dia 5, a sombria perspectiva financeira de longo prazo levou a agência de avaliação de risco Standard & Poor"s a rebaixar o rating de crédito do país de AAA para AA+. A decisão histórica fez despencar as bolsas do mundo inteiro. Mas, na realidade, é apenas um dos vários indicadores do declínio dos EUA.
Os americanos estão sendo cada vez mais excluídos do patamar econômico da classe média e de seus dois atributos mais importantes: um emprego estável bem remunerado e uma casa.
Os grandes símbolos do sonho americano estão desaparecendo.
O desemprego oficial continua em 9% ou mesmo acima disso. Entretanto, a taxa real, que inclui os subempregados e os que já não constam das estatísticas porque desistiram de procurar trabalho, seria superior a 16%.
Isso significa que um em cada seis trabalhadores americanos se encontra em situação muito difícil. Essas estatísticas não abrangem os pobres que trabalham ou uma boa parcela da população empregada no amplo setor do comércio varejista, em companhias como a Wal-Mart, que ganha muito pouco e recebe poucos benefícios.
Na tentativa de estimular a economia, o governo injetou trilhões de dólares. Uma boa parte desse dinheiro foi emprestada por outros países. Entretanto, os números assustadores do desemprego continuam virtualmente os mesmos.
São poucos os líderes políticos e os especialistas que têm a visão e a coragem de admitir o fato de que a economia não pode gerar novos empregos porque muitas empresas americanas transferiram suas atividades de produção e serviços para o exterior, principalmente China, mas também Índia, Filipinas e outros.
Não há mais o que espremer aqui.
O outro lado da moeda do desemprego é a violenta queda no número de proprietários de imóveis residenciais, exacerbada pela crise financeira. A execução de milhões de hipotecas ainda não terminou.
A concessão de alvarás de construção de imóveis residenciais, em termos mensais, numa economia americana saudável deveria ser algo entre 1,2 e 1,7 milhão. Em abril de 2009, o número caiu para o nível baixíssimo de 478 mil. Dois anos mais tarde, mal superava os 600 mil. Alguns estudos indicam que o aumento maior da concessão de novos alvarás acontece na área da construção de prédios de apartamentos.
"Os Estados Unidos estão se tornando rapidamente uma nação de inquilinos", afirmou na edição de 5 de agosto o Chicago Tribune em um artigo que discutia um relatório sobre o setor da habitação divulgado pela empresa de serviços financeiros Morgan Stanley. Em 2004, 69,2% dos americanos tinham casa própria. Segundo a Morgan Stanley, agora a porcentagem caiu para 59,2% - o menor patamar desde meados da década de 60, quando o governo começou a elaborar estatísticas anuais.
"Pela primeira vez na história recente, o governo deixou de promover a compra de casa própria para todos os americanos, o que levou a uma revisão da política da habitação", disse o relatório da Morgan Stanley.
O governo do presidente Barack Obama confirmou essa mudança. Em um relatório de fevereiro citado pelo Tribune, o governo afirmou que seu objetivo é "garantir que os americanos tenham acesso a várias opções de habitação a seu alcance. O que não significa que o nosso objetivo seja tornar todos os americanos proprietários de um imóvel".
Não faz muito tempo, essa afirmação teria constituído suicídio político para um presidente dos Estados Unidos. Mas hoje reflete a dura realidade - aliás, para muitos, uma triste realidade - da nova economia americana.
Se os líderes do país não reverterem essas tendências, a classe média americana encolherá. O sonho americano - ou o que resta dele - se tornará privilégio de uma minoria e não mais a esperança de todo um povo.
KENNETH SERBIN É CHEFE DE DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE DE SAN DIEGO. FOI PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS BRASILEIROS (BRASA) DE 2006 A 2008
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