quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Uruguai, a educação como exemplo



4 DE AGOSTO DE 2011

PASQUALE CIPRO NETO 

Como educador, sempre achei que, por ser muito popular e "democrático", o futebol funciona como espelho


FREQUENTO o Uruguai há 34 anos. Quando lá estive pela primeira vez, em 1977, pude confirmar o que já sabia pelos livros e pelos relatos de outrem: o povo uruguaio esbanja educação, cortesia, discrição e formalidade -sim, formalidade, o que entre nós é algo mais do que raro. Em plena ditadura militar, muitas livrarias de Montevidéu ficavam (e ainda ficam) abertas até altas horas. E nelas não era (e não é) difícil ver jovens e idosos à procura do que ler.
O índice de alfabetização do Uruguai chega a 97,9%. Desde 2009, todos os alunos e professores do ensino primário do Uruguai têm laptop e internet sem fio à disposição. Bem, eu poderia me estender sobre outros dos inúmeros dados positivos do belo país vizinho, mas paro essa exposição por aqui para ir direto ao ponto: a relação entre a educação (formal e informal) e as recentes lições que a gloriosa Celeste Olímpica deu aos que gostam de futebol (e aos que não gostam também), desde que Óscar Washington Tabárez ("El Maestro") assumiu o comando da seleção do país, há cinco anos.
Tabárez é chamado de "El Maestro" justamente porque foi "maestro" (palavra que, em espanhol, tem, entre outros, o sentido de "professor", especialmente o primário). No ano passado, na África do Sul, tive a honra de participar de duas entrevistas coletivas do elegante, calmo e refinado treinador, ao qual pude fazer algumas perguntas.
Na primeira entrevista, depois do jogo África do Sul x Uruguai, perguntei-lhe sobre uma manifestação dele acerca da execução dos hinos nacionais. Nesse dia, o hino do Uruguai foi ouvido com respeito pela torcida, que, por motivos óbvios, era majoritariamente sul-africana. Tabárez fez questão de dar uma alfinetada nas torcidas sul-americanas (sem exceção), dizendo que, nas mesmas circunstâncias, o comportamento por aqui é lamentável.
Na segunda entrevista, depois do jogo Uruguai x Holanda (semifinal), em que a Celeste foi prejudicada pelo trio de arbitragem, Tabárez só se referiu aos erros dos "homens de preto" quando o assunto foi abordado pelos jornalistas. Cavalheiro, Tabárez disse que aquilo é coisa do futebol e que é preciso saber perder.
No mês passado, depois da emocionante vitória sobre o Paraguai e da consequente conquista da Copa América, mais uma vez "El Maestro" fez questão de mencionar o fator educação, que ele introduziu em todas as seleções uruguaias (sub 17, sub 20, principal). "Um jogador de futebol tem de saber outras coisas além de futebol", diz ele. Uma dessas outras coisas é a verdadeira noção de equipe. O resultado disso é visto no campo: o impressionante despojamento das estrelas (Suárez, Forlán e Cavani, entre outros) em prol do grupo funciona como verdadeiro elemento educador. O sentido coletivo da atuação de Suárez na final é simplesmente inesquecível.
Como educador, sempre achei que, por ser muito popular e "democrático", o futebol pode funcionar como espelho. Quando se ouve ou se lê um "jornalista" exaltar certas idiotices (uma delas é a abominável "malandragem" do jogador brasileiro, ainda cantada em prosa e verso por parte da imprensa esportiva) e quando se constata que o resultado dessa exaltação e da própria "malandragem" é pífio, vê-se que o caminho a seguir parece ser outro.
A quem duvidar disso sugiro uma rápida análise do resultado das truculências de Dunga, Ricardo Teixeira etc. e do comportamento de Daniel Alves, Robinho e Felipe Melo, entre outros, na Copa da África. Felizmente, uma parte da nossa imprensa captou a mensagem uruguaia. Sugiro a leitura, entre outros, do belíssimo artigo de Maurício Stycer (UOL, 24 de julho). É isso.

inculta@uol.com.br

Brasil, um exemplo de quê?


Carlos Alberto Sardenberg - O Estado de S.Paulo
Hillary Clinton andou elogiando o sistema tributário brasileiro, pela ampla capacidade de arrecadação de impostos, como definiu, e o modo como o governo gasta o dinheiro em programas sociais que tiram pessoas da pobreza. O comentário serviu para o momento político nos EUA.
O governo democrata de Barack Obama, ao qual pertence Hillary, como secretária de Estado, está justamente numa guerra fiscal com os republicanos, que dominam o Congresso. Os democratas querem um programa de ajuste que aumente os impostos - mas só para os mais ricos, ressalva Obama - sem prejudicar programas sociais. Os republicanos querem um forte e amplo corte de gastos públicos e se opõem a qualquer aumento de imposto.
Faz sentido falar em aumentar imposto nos EUA? Sim, se a comparação se dá entre os países desenvolvidos. Nesse grupo, excetuando o Japão, os EUA têm a mais baixa carga tributária, em torno dos 27% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos demais, essa carga está acima dos 35% e passa dos 40% em muitos europeus, como na França.
Mas há diferenças enormes no modo de organização da sociedade. Nos europeus, o governo precisa de mais dinheiro porque presta mais serviços diretamente à população. Os serviços de saúde, por exemplo, são basicamente públicos na Europa e privados nos EUA. Idem para o sistema de aposentadoria e de escolas.
Na verdade, porém, todo mundo paga. Os americanos recolhem menos impostos, mas precisam pagar quando vão ao médico ou às universidades. Os europeus são atendidos de graça (ou fortemente subsidiados), mas pagam mais caro pelos produtos que compram por causa dos impostos.
E, curiosamente, tanto os EUA como muitos países europeus estão com o mesmo problema: déficit no orçamento dos governos e dívidas públicas muito elevadas.
Por outro lado, entre os emergentes, o Brasil ostenta, disparado, a maior carga tributária, em torno dos 35% do PIB. Na China, por exemplo, os impostos levam apenas 20% da renda nacional. Na América Latina é a Argentina que arrecada mais impostos, depois do Brasil, mas não chega aos 30%. No México está em torno dos 20%.
Embora arrecade mais, o setor público brasileiro deve mais do que na maior parte dos emergentes, especialmente quando se considera a dívida bruta. E opera com déficit nominal no orçamento total do governo (federal, estadual e municipal.)
Resumindo, o governo brasileiro arrecada mais e toma mais dinheiro emprestado. Gasta mais, portanto, e bastante em programas sociais, como disse Hillary Clinton.
Por exemplo, um quarto da população brasileira recebe os pagamentos mensais do Bolsa-Família. Mas também um quarto da população mexicana está no Oportunidades, o Bolsa-Família deles e que, aliás, é anterior ao nosso. Também no Chile, que recolhe ainda menos impostos que no México, há o Solidariedade, distribuição de renda tão ampla e eficiente quanto os outros dois.
Considerando padrões como saúde e educação, os indicadores brasileiros de qualidade e eficiência não são superiores aos dos demais emergentes. Ao contrário, nossos alunos, nos testes internacionais, perdem de colegas de países onde a arrecadação e o gasto por estudantes é menor do que aqui.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é admirado em alguns países da América Latina, pela sua ampla capacidade de atendimento. Mas o pessoal talvez não saiba que, além de recolher os impostos que financiam o SUS, cerca de 45 milhões de brasileiros pagam planos de saúde privados. (E que Hugo Chávez vai ser tratado num hospital privado, onde se trataram, aliás, José Alencar e Dilma Rousseff).
De todo modo, um tema frequente aqui na região é, como na proposta de Hillary, aumentar impostos para financiar saúde e educação - e melhorar esses indicadores. Dizem: já que a carga tributária ainda é baixa...
Ora, isso, em si, já mostra como algo deu errado no Brasil. Nossos impostos já estão lá em cima e não se nota desempenho notável dos serviços públicos prestados. Mas a aposentadoria pública funciona bem, especialmente para os mais pobres, no caso do INSS, e para os funcionários públicos. Só que é também uma fonte enorme de déficit. Ou seja, aqui, paradoxalmente, a arrecadação de impostos e contribuições não é suficiente.
Entre os ricos também há comparações interessantes: o ensino médio europeu, basicamente público e gratuito, é superior ao americano, público e privado. Mas as universidades dos EUA, privadas e pagas, mesmo quando pertencem a governos, são muito superiores às da Europa, públicas em geral.
Somando dinheiro público e privado, os EUA são os que mais gastam (per capita) em saúde, com resultados contraditórios. Há setores da população que não conseguiam nenhuma assistência - objeto do novo programa de Obama - e setores atendidos com medicina de alto nível.
Transporte e infraestrutura nos EUA, mais privados, igualam ou superam muitos europeus, públicos.
Dá o que pensar, não é mesmo? Leva a uma conclusão que a muitos parece tão simples que não pode ser isso. Mas considerem: a questão central não está no tamanho da carga tributária e do gasto, mas na eficiência de uma e de outro. E, olhando por esse lado, o elogio de Hillary ao modelo brasileiro foi apenas uma fala para a política interna, ou resulta de falta de informação, ou as duas coisas. O governo, aqui, arrecada muito, complica e encarece a vida do contribuinte e não entrega serviços e obras na proporção esperada.
Claro que, com pouco dinheiro, governos podem fazer pouco. Mas não decorre daí que, com muito, farão mais e melhor. O Brasil é exemplo disso. Nosso caso, aqui, é como reduzir impostos e aumentar a eficiência do gasto.
JORNALISTA
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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Mais retrofit energético



Bunker nazista se torna usina sustentável

Torre que resistiu a bombardeios e tentativas de implosão na cidade alemã de Hamburgo fornecerá energia elétrica para 3 mil residências

10 de agosto de 2011 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
HAMBURGO - Durante a 2.ª Guerra, até 30 mil pessoas se aglomeravam no bunker de Wilhelmsburg, na cidade alemã de Hamburgo, buscando abrigo contra as bombas lançadas pelos Aliados - a enorme torre construída no Terceiro Reich por Adolf Hitler é tão resistente que sobreviveu às tentativas de implodi-la no pós-guerra. Décadas mais tarde, o edifício estava em ruínas. Mas agora urbanistas fazem dele um abrigo para um importante projeto de energia renovável.
A modernização do "bunker da energia" está bem adiantada. Escavadeiras puseram por terra suas paredes de 2 metros de espessura, abrindo uma das fachadas. A reforma deve ser concluída no início de 2013 e a parte central oca abrigará uma usina termoelétrica movida a biomassa. O teto e a parede do lado sul serão cobertos de painéis solares e a usina terá um tanque de armazenamento para bombear água para casas vizinhas.  
 
A iniciativa é da IBA Hamburg, projeto de renovação que busca soluções ambientais para as cidades. Urbanistas e especialistas em energia pretendem mostrar que as cidades podem fazer mais que importar energia renovável de áreas rurais. Segundo eles, as cidades, que consomem 80% dos recursos, estão demorando para repensar a fonte da energia que consomem.
Concentrando-se no bairro de Wilhelmsburg, a equipe do IBA dá uma amostra em pequena escala do que pode ser uma paisagem urbana sustentável. "Estamos realizando algo novo, trazendo a produção de energia para o centro do ambiente urbano", disse Karsten Wessel, coordenador do projeto Cidades e Mudança Climática. "Na Alemanha, temos povoados que são 100% suficientes em termos energéticos, mas estão quase todos em áreas rurais."
Em 2010, Munique anunciou planos para consumir apenas energia renovável em 2015. "Mas o que eles pretendem é importar energia da Europa e de fazendas eólicas em alto-mar", diz Wessel. "Nosso trabalho é local." Ele e seus colegas pretendem tornar Wilhelmsburg num bairro isento de carbono e suprir suas necessidades com energias renováveis dentro de 15 anos. Em 2050, as energias renováveis também deverão prover os sistemas de aquecimento do bairro.
A bordo de uma construção flutuante repleta de painéis solares no Elba, os urbanistas trabalham para atingir sua ambiciosa meta. Sua colorida "casa flutuante" abriga uma exposição do projeto. Guias conduzem grupos de bicicleta em visitas ao local. Da sacada, os visitantes observam a paisagem industrial. É um bairro que abriga uma das maiores populações imigrantes de Hamburgo e importantes vias de tráfego.
Ambivalência. Mas a reação dos moradores tem sido ambivalente. Margaret Mackert, que cria um centro de documentação sobre a torre, diz que o local é importante e sua história precisa ser preservada. "Para as pessoas mais velhas, que eram crianças durante a guerra, o bunker é visto como algo positivo, como se oferecesse proteção. Os mais jovens o consideram um memorial feio e ameaçador - mas sabem que é importante que permaneça." / DER SPIEGEL. TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO