quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Vindas e Voltas, do Blog José Roberto de Toledo. OESP 18/07/2011


“E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. (…) Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos”.
Em 1938, Graciliano Ramos vaticinava o destino de milhões de nordestinos nas décadas seguintes. A cíclica busca da sobrevivência em outra parte. Em 1963, Nelson Pereira dos Santos filmava Vidas secas no auge das migrações do Nordeste para o Sudeste. A essa altura, um menino fugido do agreste pernambucano aprendera coisas necessárias no Senai em São Paulo. A geração de Luiz Inácio Lula da Silva ajudaria a quebrar o ciclo.
O que foi sina para Fabiano/Aristides Inácio da Silva e Sinhá Vitória/Eurídice Ferreira, é história para seus netos. O saldo migratório do Nordeste para o Sudeste na década passada foi quase nulo: cerca de 50 mil pessoas. Se 992 mil nordestinos vieram, 940 mil voltaram para seus estados de origem desde São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente. A principal causa dessa reversão é a diminuição das desigualdades regionais.
Enquanto o Sudeste saturou e ficou menos atraente, a economia do Nordeste cresceu acima da média nacional, tornando a região menos inóspita. A valorização do salário mínimo e a distribuição de renda -iniciadas no governo Fernando Henrique Cardoso e ampliadas no de Lula- garantiram a sobrevivência de quem antes só tinha alternativa na arribação. As cidades grandes do sul perderam vigor para prover emprego e realizar sonhos, de tão cheias de pessoas. No fim das contas, o sertão parou de mandar gente.
Se 11 milhões de nordestinos permanecem em terra desconhecida, sua proporção entre moradores de Sudeste é cadente, nem 9%. Emigrar menos é uma tendência nacional. Cada vez mais nativos compõem a população dos estados onde nasceram: de 49% de brasilienses no Distrito Federal a 96% de gaúchos no Rio Grande do Sul. Em quase todos os estados, a fatia de forasteiros é menor do que 10 anos atrás.
Entre as raras exceções, os paulistas em Santa Catarina pularam de 1,2% para 1,9% da população catarinense entre 2001 e 2009. Já somam 116 mil, ou 50 mil a mais do que há 10 anos. Esses novos bandeirantes não buscam índios guaranis como seus antepassados, mas qualidade de vida (por ironia, sua presença interfere negativamente na própria meta, ao inflacionar os preços locais).
Do mesmo modo como as comunidades de migrantes ajudaram a fixar novos baianos, pernambucanos e alagoanos em São Paulo, as redes sociais de conterrâneos atraem paulistas para solo catarinense. Amigos, parentes e conhecidos dão suporte uns aos outros e ajudam na transição.
Os 2,7 milhões de paulistas longe de São Paulo são responsáveis pelas maiores colônias de forasteiros em cinco estados: Ceará, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná. Nisso, só encontram rivais nos mineiros. Os 4,4 milhões de nativos das Gerais que moram fora de Minas formam as maiores comunidades exóticas de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Distrito Federal e Goiás.
Entre emigrantes e imigrantes, o Sudeste perdeu 228 mil pessoas na década passada. De hospitaleira, a região passou a exportadora de gente. Fora a migração de retorno dos nordestinos, os principais destinos dos “exportados” foram o Sul (dos paulistas para Santa Catarina a paranaenses repatriados) e o Centro-Oeste.
Embora tenham perdido parte de seu magnetismo demográfico, as fronteiras agrícolas de Goiás e Mato Grosso e o entorno de Brasília ainda atraem muitos imigrantes inter-regionais. O Norte reverteu sua tradição de atrator de migrantes e perdeu mais gente do que recebeu na segunda metade da dácada passada. Pode ajudar a conter a devastação da Amazônia.
A redução da migração interna é uma oportunidade. Com mais igualdade de renda, novas gerações têm melhores chances de sucesso naquilo que a de Lula não conseguiu: diminuir também a disparidade educacional entre Nordeste e Sudeste, ter mais meninos em escolas aprendendo coisas difíceis e necessárias.

Entre governos, o velho golpe da ''pirâmide''


Marco Antonio Rocha - O Estado de S.Paulo
Foi realmente engraçado ler no noticiário da última sexta-feira que o governo chinês, por meio do seu Ministério das Relações Exteriores, teria exortado o governo americano a agir com responsabilidade em relação ao problema que tem pela frente: o de como, e com que, pagar os papagaios que vencem daqui a um mês - no caso dos EUA, da ordem de US$ 134 bilhões.
"Esperamos que o governo americano adote políticas responsáveis e medidas que garantam os interesses dos investidores", dizia o porta-voz chinês designado para passar um pito em Tio Sam.
O problema é que o governo americano (o Executivo) está no limite do endividamento permitido pelo Congresso. Uma dividazinha para ninguém botar defeito e que mata de inveja todos os maiores caloteiros e sonegadores de impostos brasileiros: mais de US$ 14,3 trilhões.
Para continuar pagando o que deve e até para manter várias despesas correntes, Mr. Obama não tem mais dinheiro e não pode se endividar mais do que já se endividou. Por isso, os financistas do mundo inteiro prendem a respiração e ficam imaginando que, se o Congresso dos EUA não aprovar uma licença especial para que o Executivo aumente o endividamento, este não terá outra saída, a não ser o velho refrão: devo, não nego, pago quando puder! Como já fez, por exemplo, o governo argentino; como está fazendo, em parte, o da Grécia; e como, de repente, os de Portugal, Itália e Irlanda eventualmente também podem fazer - ou seja, passar o calote.
A diferença é que o calote dos EUA, além de astronômico, é contra o mundo inteiro. Os dos outros são, em geral, muito limitados, ou só contra os EUA e agências internacionais de crédito, FMI e Bird, por exemplo.
É claro que o governo da China se mostra inquieto, pois é o maior credor do governo dos EUA - um papagaio de US$ 1,15 trilhão, até agora. E, considerando que o governo chinês está mergulhado num astronômico programa de investimentos que não pode parar, se os EUA suspenderem a dívida que têm com a China, esta terá de parar de pagar também os seus credores ou suspender os seus investimentos, o que pode prejudicar até o Brasil, eventualmente.
Mas, se olharmos mais para trás, vamos verificar que há muito tempo o mundo inteiro exorta o governo americano a ser mais responsável. Não é de hoje que este se refestela num déficit fiscal irresponsável, num déficit de comércio externo irresponsável, e os cobre todos com dinheiro tomado emprestado, do seu público interno e do público externo, por meio dos títulos do seu Tesouro, num endividamento crescentemente irresponsável.
A China tornou-se sócia da irresponsabilidade com a maneira esperta que inventou para financiar o seu desenvolvimento. Mantém há muito tempo sua moeda depreciada - contrariando as admoestações e solicitações do mundo inteiro -, de modo que suas mercadorias se tornaram bem baratas para os compradores estrangeiros, principalmente americanos. Além do mais, graças a isso também, investidores estrangeiros puderam montar grandes negócios na China com menos capital do que precisariam em seus próprios países - canoa na qual embarcaram dezenas de empresas americanas, inclusive.
A China acumulou, desse modo, imensas reservas em moeda estrangeira, mas não as internaliza, para não criar inflação no seu mercado. Gasta as reservas, ou boa parte delas, na compra de títulos do Tesouro americano, ou seja, financia com as reservas conquistadas por meio do superávit com os EUA os déficits dos EUA. No fundo, é a famosa roda da fortuna, ou o golpe da Pirâmide entre governos: você aplica o seu dinheiro comigo que eu te pago com o dinheiro que você aplicou... y así pasan los dias, hasta cuándo, hasta cuándo??, perguntaria Osvaldo Farrés, talvez, no seu antigo bolero.
De modo que por aí se vê que a nenhum dos dois é dado reprochar o outro falando de irresponsabilidade.
É difícil especular sobre o possível desfecho desse imbroglio entre o Executivo americano e seus congressistas. Uma coisa, porém, é certa: como sempre, o que está em jogo nessa disputa não são os interesses dos países emergentes, ou subdesenvolvidos, dos operários da Grécia ou da Espanha, dos estudantes do Chile ou do povo americano. Nem mesmo os interesses dos governos das outras grandes potências mundiais: Japão, Alemanha, França, Inglaterra, etc.
O que está em jogo é a próxima batalha eleitoral nos EUA: o interesse provinciano do Partido Republicano de derrotar os Democratas, e o de Obama de ser reeleito e derrotar os Republicanos.
A história é conhecida. Há mais de 60 anos o governo Roosevelt assumiu com o mundo um compromisso que tornou o dólar a principal moeda, o lastro de todas as outras. Esse compromisso deu aos EUA mais poder de longo prazo do que a vitória na guerra. Mas era um compromisso que exigia, da parte dos EUA, antes de tudo, respeito por sua própria moeda, e não a sua utilização como pé de cabra das finanças internacionais, que é como as lideranças americanas passaram a vê-la desde então. Infelizmente, não há outra com igual importância.
JORNALISTA
E-MAIL: MARCOANTONIO.ROCHA@GRUPOESTADO.COM.BR 

Será preciso aumentar a Cfem?


Paulo R. Haddad - O Estado de S.Paulo
O governo federal manifestou sua intenção de dobrar o valor da Cfem (o royalty dos minérios), além de dar tratamento tributário especial aos grandes projetos de investimento em mineração (bauxita, minério de ferro, manganês). Particularmente, a Cfem do minério de ferro sairia, em geral, de 2% para 4%. A legítima pressão para essa elevação da alíquota está vindo de movimentos políticos dos municípios mineradores e de suas associações. Os prefeitos desses municípios têm comumente utilizado dois argumentos inspirados nos valores das elevadas alíquotas do royalty do petróleo no Brasil e nos valores do royalty de muitos minérios equivalentes praticados em outros países.
Deve-se enfatizar que não se podem igualar estruturas de mercado de substâncias com características, propriedades e finalidades tão diferentes como os minerais metálicos e não metálicos em relação aos minerais energéticos (petróleo e gás natural e, em menor importância, carvão mineral, turfa, urânio e outros radioativos).
Nos municípios onde ocorre a lavra em terra do petróleo e do gás natural, ou naqueles que confrontam com plataformas marítimas ou têm instalações de embarque ou desembarque de petróleo e gás natural, as possibilidades de serem beneficiados com os royalties pagos pelo petróleo e gás natural são bastante estáveis. Também o número de municípios beneficiados pelos pagamentos de royalties do petróleo tende a ser maior do que pela Cfem, de acordo com as regras estabelecidas pela legislação tributária.
O Brasil é um importante produtor mundial de minérios metálicos, mas com uma participação que não lhe garante soberania consolidada em políticas de preços e quantidades no mercado mundial para esses materiais.
O mercado mundial de minérios é muito competitivo, e custos menores - tanto de operação, manutenção e reposição quanto de transporte - e a busca de qualidade do minério com o acompanhamento contínuo de novas tecnologias e materiais que alteram a demanda dos compradores nacionais e mundiais têm de ser constantemente analisados e avaliados, para que a atividade mantenha uma participação (market share) expressiva no mercado mundial.
Assim, uma elevação da carga tributária dos minérios metálicos do Brasil, que deve ser analisada não em termos do faturamento da indústria, mas do impacto sobre a sua margem de lucro, pode afetar fortemente sua competitividade global.
Além do mais, essa competitividade não é afetada apenas pelas alíquotas de um imposto específico, mas pela carga tributária total paga pela mineração. De que adianta afirmar que o royalty do minério de ferro no país A ou B é de 7%, se a carga tributária total que incide sobre esse produto naquele país é pouco mais da metade da carga tributária total equivalente no Brasil? Na verdade, essa é a realidade que se observa para oito minérios de maior expressão econômica, quando se compara a posição brasileira entre os 21 principais produtores mundiais desses minérios, em que a nossa carga tributária é a maior do mundo.
Por outro lado, estaria ocorrendo uma crise fiscal nos municípios mineradores do Brasil a ponto de haver, por parte do governo federal, alguma ação compensatória de emergência por meio da elevação das alíquotas da Cfem? A consultoria Phorum tem levantado os indicadores de sustentabilidade fiscal dos 25 principais municípios mineradores de Minas Gerais e dos 10 principais municípios mineradores do Pará. Os resultados obtidos para os últimos oito anos, utilizando informações da Secretaria do Tesouro Nacional e de balanços, mostram que a situação fiscal desses municípios é bastante equilibrada e sólida, salvo as exceções de má gestão recorrente de alguns municípios ou da notória corrupção administrativa em poucos outros. E mostram que muitos desses municípios se destacam em seus respectivos Estados entre os de melhores indicadores de desenvolvimento humano.
Numa perspectiva do equilíbrio macroeconômico do Brasil, o governo federal deve estar atento para o fato de que, nos dez primeiros anos deste século, o setor de "minérios e seus concentrados" acumulou US$ 104 bilhões de nossas reservas cambiais. Apenas no ano de 2010, o superávit na balança comercial desse setor foi de US$ 29,5 bilhões. E a mineração está realizando novos e grandes projetos de investimento que ultrapassam a casa de US$ 60 bilhões.
Entretanto, em razão do caráter efêmero da mineração (com graus diversos de sobrevivência física e econômica, por tipo e qualidade do minério), uma menor qualidade do minério, carga tributária e custos elevados e crescentes significam uma vida útil cada vez menor para as empresas dessa indústria, bem como riscos econômicos com crescimento exponencial, que podem ameaçar e limitar a sobrevivência dos seus empreendimentos.
Dadas tais circunstâncias, a negociação e a cooperação público-privada rendem mais e melhores frutos do que uma disputa predatória. E, assim, a mal pensada ideia de aumentar significativamente a Cfem nos lembra o ditado muito citado aqui, nas Gerais: "Devagar com o andor, que o santo é de barro".
PROFESSOR DO IBMEC-MG, FOI MINISTRO DA FAZENDA E DO PLANEJAMENTO DO GOVERNO ITAMAR FRANCO