ENTREVISTA
João Paulo dos Reis Velloso, ex-ministro do Planejamento, coordenador do Fórum Nacional / Instituto Nacional de Altos Estudos
Num constante diálogo entre o passado e o futuro, o economista João Paulo dos Reis Velloso completou 80 anos na semana passada. Ministro do Planejamento nos governos de Emílio Garrastazu Médici e de Ernesto Geisel, entre 1969 e 1979, Reis Velloso experimentou a euforia do milagre brasileiro e a frustração da crise do petróleo em sua década de poder. Fundador e primeiro presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), não quis se aventurar na política partidária, mas se integrou à democracia numa espécie de militância por um projeto de País.
À frente do seu Fórum Nacional, não deixa faltar sugestões. Com a fala pausada que lhe é característica, não costuma ouvir recusas a um convite para os debates que organiza. Respeitado por economistas de todas as tendências, faz questão de registrar o telefonema recebido do ex-ministro da Fazenda Delfim Netto no dia do seu aniversário. Logo depois de receber o Estado para uma entrevista, abre os braços para receber outros parabéns, dessa vez da atriz Fernanda Montenegro, que o espera em sua antessala atendendo ao seu chamado para pensar alternativas econômicas para o teatro.
Apaixonado pelas artes, planeja para o livro que está escrevendo o mesmo título de um filme. Em A solidão do corredor de longa distância, retoma o preciso diagnóstico de que o Brasil ainda não conseguiu subir no pódio do desenvolvimento.
Por que o título do novo livro?
O Brasil era um corredor (solitário), mas isso não foi suficiente para nos tornar um país desenvolvido. A China ainda não havia acordado. Era preciso continuar correndo àquele ritmo. Só que depois houve uma transição, de 1979 a 1984, e em 1985 tivemos o início da geração que nunca viu o País crescer em termos de renda per capita. Houve o plano Cruzado e depois a inflação bárbara. Logo em seguida veio o choque dos choques, o plano Collor. Felizmente, veio o plano Real e o Brasil fez do combate à inflação num valor universal. Crescimento e desenvolvimento, que são coisas diferentes, também devem ser valores universais.
Isso não aconteceu com o Plano Real?
Nos anos 90, houve importantes transformações, abertura da economia, métodos modernos de administração de empresas, mas não havia estratégia de desenvolvimento. (O ex-secretário de Estado americano Henry) Kissinger disse: "Países que não têm grandes concepções estão destinados ao fracasso". Nós tivemos três presidentes com grandes concepções: Getúlio Vargas, Juscelino (Kubitschek) e (Ernesto) Geisel. Não havia relação entre eles, inclusive no governo Geisel nós criticávamos certas coisas do Vargas e o Plano de Metas do JK, mas neles havia um projeto de Brasil. Outros foram governos de transição que fizeram mudanças suficientes para prosseguir naquela trajetória do corredor de longa distância. Por isso o Brasil não chegou a se tornar desenvolvido.
Por que não inclui Lula?
O governo Lula é uma coisa diferente. Ali é "Lula é nosso". As classes de mais baixa renda acham que o Lula está do lado deles, não foi só o Bolsa Família. Com Getúlio também era assim. Quando ele morreu, as forças que o apoiavam certamente perderiam a eleição. Se a UDN tivesse ficado quietinha, teria ganhado a eleição, mas cometeu a bobagem de forçar a barra e o Getúlio, que queria entrar para a História, se suicidou. No dia da morte dele, a situação mudou inteiramente. O Rio, lembro-me bem, estava repleto de gente nas ruas, chorando. Porque o Getúlio é nosso, se dizia. Assim é com Lula.
E o projeto de nação?
Vejo, como já disse, uma espécie de recriação do crescimento, mas é preciso vir agora uma nova grande concepção, definir o que será esse quarto grande projeto de Brasil. É o que digo ao governo.
A presidente Dilma poderá entrar na sua lista tríplice, apresentando um quarto projeto de País? Eu proponho que o atual governo seja o quarto com uma grande concepção de Brasil, porque temos as condições de fazer isso agora. Não há país no mundo que tenha as grandes oportunidades que o Brasil tem, em setores intensivos em recursos naturais e em grandes tecnologias do século 21. E há outra coisa, que é a economia do conhecimento. Tenho ali 30 livros sobre isso e fiz um modelo para o Brasil com duas dimensões. Primeiro, levar o conhecimento sob todas as formas a todos os setores da economia, para que não haja mais setores primários, de baixo conteúdo tecnológico. Hoje, é por isso que o agronegócio é supercompetitivo e aguenta até a taxa de câmbio que nós temos. Segundo, levar o conhecimento a todos os segmentos da sociedade, para evitar as exclusões. É fazer a inclusão digital, universalizar a educação de boa qualidade. É preciso usar a economia do conhecimento para aproveitar as oportunidades.
Vê no governo Dilma a capacidade de aproveitá-las?
Muitas dessas oportunidades já estão sendo aproveitadas, parcialmente. Quero que seja em grande escala. Por exemplo, o pré-sal. Será muito melhor aproveitado se for feito um complexo industrial em torno dele. O mesmo é a agroindústria. E o Brasil já tem a melhor matriz energética do mundo, com o potencial hidroelétrico e os biocombustíveis. Precisamos ainda desenvolver um transporte de massas à base de trilhos, que é o que se faz em toda parte do mundo. Essa base de ônibus é uma invenção brasileira, não existe em lugar nenhum.
Por falar nisso, o senhor é a favor do trem-bala?
Se você tem a ponte aérea, que leva trinta a quarenta minutos, isso não é competitivo. Vai custar uma fortuna. Acho que realmente é um trem fantasma. E pior: vai ocupar o leito da Leopoldina (linha férrea do Rio), em lugar de uma linha de metrô ou um trem de subúrbio.
O senhor é conselheiro do BNDES, que tem sido muito criticado. O banco está cumprindo seu papel no aproveitamento das oportunidades que o senhor cita?
Isso você tem de perguntar a eles. A função do conselho é dar orientações gerais, mas acredito que a diretoria do BNDES está consciente do que deve fazer. Quero deixar claro que considero importante apoiar os grandes grupos brasileiros para se internacionalizarem. Estamos em uma economia globalizada. Se você não tem grandes empresas, você não é competitivo. Agora isso não tem a ver com empresas que funcionam internamente...
Como supermercados, por exemplo?
Isso aí vocês se entendam com o BNDES, mas ele desistiu nesse caso (fusão Pão de Açúcar e Carrefour). O BNDES examina, pode aprovar ou não. Agora a ideia em si de apoiar empresas brasileiras a se internacionalizarem é importante. Em certos setores, como o de Tecnologia da Informação, um dos grandes problemas do Brasil é não ter grandes empresas. É preciso ter, para que sejam competitivas no mundo globalizado. O que os livros chamam de oligopólios competitivos.
Por que o senhor tem incluído temas como "sentido da vida" e "busca da felicidade" no Fórum Nacional?
O desenvolvimento é global ou não existe. É um desenvolvimento humanista, como aquele humanismo renascentista: econômico, social, político, ambiental, cultural e, eu acrescento, espiritual para quem quiser. O conhecimento é muito importante. Cria oportunidades e aumenta a liberdade do homem, dá mais alternativas. A cultura transforma. Quando fizemos um fórum com dez líderes de favelas, todas pediram cultura. O favelado é o sem Estado. De um lado, não há lei e ordem. Do outro, não há social. Tem de haver UPP, mas também centro de inclusão social, com qualificação para o trabalho, apoio a busca de oportunidades. E tudo isso para quê? Aquilo que você mencionou: o sentido da vida é a busca da felicidade.