domingo, 7 de julho de 2024

Furos, canos e privatização da Sabesp, FSP

 Alexandra Moraes

SÃO PAULO

O que está acontecendo no processo de desestatização da Sabesp? Uma pessoa que dependesse apenas das capas da Folha para se informar acharia que não há nada de mais.

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de SP passa por aquela que, segundo a coluna Painel S.A., será a maior oferta pública de ações do ano no país. Mas os solavancos do processo, embora bem cobertos pelo jornal, não ganharam destaque proporcional na Folha.

O colunista André Roncaglia, portanto, parece ter alguma razão ao afirmar que "reportagens da Folha fizeram uma radiografia picotada" do que ele chama de "privataria tarcisiana" na Sabesp.

Roncaglia reuniu em seu texto mais recente pontos críticos do deveras estranho processo de privatização e deu revestimento irônico a eles.

"A venda de participação acionária da empresa teve a ampla concorrência... de uma empresa interessada. Indagado a este respeito, o governo Tarcísio reagiu com a novilíngua privatista: 'Não é falta de concorrência, é uma aderência ao que a gente vem colocando desde o início'."

Um homem pequenino recolhe com um copo um sinal de exclamação que sai de uma grande torneira, cujo encanamento no subsolo é ainda mais gigantesco e obscuro.
Ilustração de Carvall para ombudsman de 7 de julho de 2024 - Carvall/Folhapress

"Especializada em energia elétrica, a Equatorial conta com uma 'vasta experiência' de dois anos no setor de saneamento, 'conquistada' com a privatização do serviço no Amapá, feita pelo governo Bolsonaro em 2021, sob a batuta do atual governador carioca de São Paulo."

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"Se efetivada a operação, a Equatorial deterá 15% das ações da Sabesp, adquiridas a preços abaixo dos vigentes no mercado (R$ 67 contra R$ 75)."

Além das questões destacadas pelo colunista, havia ainda uma outra. A Folha cuidou de apurar a informação de que a presidente do conselho de administração da Sabesp tinha, até dezembro de 2023, cargo no conselho da Equatorial.

A movimentação soa especialmente atípica quando expressa na linguagem universal do dinheiro. "Ao sair da Equatorial, ela abriu mão de receber cerca de R$ 1,02 milhão por ano, enquanto na Sabesp o salário médio de um conselheiro fica na casa dos R$ 160 mil anuais", afirma a reportagem.

"Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que a presença (...) nos conselhos das duas empresas, que viriam a mostrar interesses convergentes, não é ilegal, mas é inadequada. A dupla atuação também abriu margem para executivos questionarem sobre possíveis conflitos de interesses."

Era um bom furo. Mas aparentemente não o bastante para ganhar espaço em duas das principais vitrines do jornal.

A reportagem, apesar de ter ocupado uma página inteira da edição impressa do dia 3 de julho, não foi chamada na primeira página nem foi enviada aos leitores pela notificação do celular (os "pushes"), por onde costuma ser escoada a parte da produção que o próprio jornal julga de maior interesse do leitor.

O texto, publicado na noite do dia 1º, conquistou no site da Folha uma chamada razoável, que ficou no ar durante 17 horas seguidas.

Terá sido só o acaso que fez a informação não ser levada à capa da edição impressa nem ao celular do leitor? Pode ser, mas o jornal também não salientou nesses espaços nenhuma das outras reportagens sobre estranhezas na condução do processo na Sabesp.

A concorrência de uma empresa só, a parca experiência em saneamento dessa empresa, as justificativas mal-ajambradas do governo Tarcísio de Freitas e as ações na gôndola de "próximos do vencimento", nenhum desses aspectos mereceu destaque mais robusto. Foram, ao menos, colocados entre as chamadas do site da Folha, e ficou por isso mesmo.

O incômodo foi bem expresso pelo leitor Luiz Roberto Camargo Numa de Oliveira: "O artigo do André Roncaglia sobre o processo de privatização da Sabesp reforçou minha impressão de que a Folha tem dado pouco destaque a um tema de enorme interesse do cidadão paulista e paulistano. Sei que a Folha tem posição privatista, mas, convenhamos, um pouco de luz nesse furdúncio é imposição do interesse público".

Os editoriais do jornal de fato defendem as privatizações de modo mais amplo. Mas o Manual da Redação é claro: "Na Folha, os editoriais não dirigem o noticiário".

De resto, a cobrança por esclarecimento ficou limitada, nas páginas do jornal, ao segmento ideologicamente contrário à própria privatização.

Será que liberais mais diligentes não teriam nenhum reparo a fazer à condução da desestatização na Sabesp —com cara, pinta e roupa de lambança? Ou expor argumentos que justificassem esse "look"?

A respeito do espaço dado pela Folha ao tema, o secretário de Redação Vinícius Mota afirma: "Não creio que as apurações sobre o assunto tenham sido pouco destacadas no jornal. Houve extensa exposição na home e destaque em alto de página do jornal impresso".

Mota diz, porém, que, "olhando retrospectivamente, valeria terem sido objeto de chamada na capa do jornal impresso e de push para a versão digital".

A cobertura da Folha a posicionou acima da concorrência, mas o jornal falhou no empenho em promovê-la e torná-la mais acessível ao leitor.


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