O discurso do Google está alinhado com a nova postura do Vale do Silício
07/06/2019 | 05h00
Por Pedro Doria - O Estado de S.Paulo
Críticos vêm se queixando de que quem consome conteúdo político na plataforma é rapidamente apresentado a vídeos com discurso de ódio
Na última quarta, o YouTube anunciou uma mudança de impacto em suas políticas internas. Canais ou mesmo vídeos individuais que promovam a superioridade de um grupo humano sobre o outro, e que usem este argumento para justificar preconceito de alguma forma, serão extirpados do sistema. Enquanto o anúncio era feito, o vice-presidente de política global, e responsável geral pelo Jurídico do Google, estava a caminho do Brasil para o evento anual da companhia no País.
“Estamos fazendo uma aposta nos quatro Rs”, explica Kent Walker. “Remover conteúdo radical, Reduzir a recomendação de conteúdo fronteiriço, Reconhecer fontes com autoridade sobre cada tema, e Premiar, permitindo monetização, aquilo que contribui para a melhora do ambiente.” Premiar, em inglês, é Reward.
Walker, que também é membro do prestigioso Council of Foreign Relations, é quem costuma depor perante o Congresso americano para explicar as políticas da empresa. A mudança que ele aponta é grande e atinge a lógica de como o YouTube funciona. Críticos vêm se queixando de que quem consome conteúdo político na plataforma é rapidamente apresentado a vídeos com discurso de ódio, ou carregados de teorias conspiratórias, e tudo recomendado pelo próprio sistema. Como uma das principais fontes de informação do mundo online, o YouTube estaria assim contribuindo para o aumento do número de radicais em democracias. Agora, os piores serão removidos. Os outros não serão recomendados, assim como não haverá mais incentivo financeiro.
Não é um equilíbrio fácil. Afinal, à direita surgem outros críticos. Estes sugerem que não só o Google, mas todas as empresas do Vale, se portam de maneira cínica. Que, no fim, quem perde espaço é sempre a direita. Acusam censura. “O que dizemos, sempre, é que se num caso pareceu partidário, preste atenção nos casos do outro lado.” Os critérios do que pode ou não, defende Walker, são públicos. E os algoritmos são cegos, equações matemáticas que encontram o que buscam independentemente da cor das bandeiras.
“Metade dos funcionários do Google são engenheiros. Nossos processos internos todos são baseados em análise de dados e nosso trabalho é levar estes dados a quem toma decisões.” A decisão pode ser sobre onde jantar hoje à noite. Mas pode ser, também, como regular as novas tecnologias. O discurso do vice-presidente do Google está alinhado com a nova postura do Vale do Silício: sob pressão de parlamentos mundo afora, também perante as crescentes turbulências políticas, agora defende regulação.
“Aumentou muito a quantidade de informação circulando no mundo e isso transforma as estruturas sociais”, ele reflete. “É natural que venham novas leis para nos ajustar a esta realidade. Quando eu era pequeno, tinha acesso a um jornal, três canais de TV e a revista Time uma vez por semana. Meus filhos, com o Google Tradutor, podem ler qualquer jornal do mundo.”
Quando democracias surgiram, informação circulava de duas formas. Ou alguém falava — e aí só um número pequeno de pessoas podia ouvir. Ou algo era impresso, e embora alcançasse um público maior, a digestão do conteúdo era naturalmente lenta. O século 20 apresentou o rádio e a TV, permitindo que uma pessoa falando pudesse alcançar multidões instantaneamente. O tempo das redes sociais muda muito o jogo. “Tínhamos modelos para pensar sobre comunicação de um para muitos ou de um para um, agora estamos perante uma conversa de muitos para muitos que ocorre d
e forma persistente.”
e forma persistente.”
Os efeitos, na economia e na política, já estão sendo sentidos. Encontrar um novo equilíbrio não será fácil. Ou rápido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário