Texto proposto pela deputada Janaína Paschoal divide opinião de especialistas e deputados. Parlamentares querem mais tempo para discutir emendas ao projeto.
Por Marina Pinhoni, G1 SP — São Paulo
Mulheres grávidas — Foto: IStock
A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) adiou para agosto a votação do projeto de lei que garante para grávidas a opção de parto cesariano pelo Sistema Único de Saúde (SUS) sem a necessidade de uma recomendação médica para a cirurgia, a partir da 39ª semana de gestação. O texto também prevê o direito a anestesia no parto normal.
A votação ocorreria nesta quarta-feira (26), mas emendas foram apresentadas e líderes dos partidos concordaram que não haveria tempo hábil para discuti-las antes do recesso parlamentar de julho, de acordo com a assessoria de imprensa da Casa.
Os deputados entram em recesso depois que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) for aprovada e o texto começou a ser analisado em plenário nesta quarta. A Casa deve retomar as votações em 1º de agosto.
De autoria da deputada Janaína Paschoal (PSL), a proposta tem causado polêmica entre entidades da área de saúde e os parlamentares da Casa. O Brasil possui a segunda maior taxa de cesáreas do mundo, com 55,6%, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a taxa ideal deveria oscilar entre 10% e 15%.
A deputada argumenta que existe uma “ditadura do parto normal” e diz que o objetivo é garantir o direito de autonomia para mulheres de baixa renda que utilizam o sistema público de saúde, uma vez que a opção de escolher pela cesárea sem indicação só é possível na rede privada.
“Se você chega na maternidade com 40 semanas e fala que quer fazer cesariana, que está sentindo que o filho não está se mexendo, te fazem esperar 20 horas padecendo de dor sem anestesia porque o parto normal é protocolo. Esse projeto nasce do acompanhamento de situação concretas. Os bebês estão morrendo por asfixia, mulheres morrendo por alguma cesariana de emergência, há casos de paralisia cerebral”, afirma Janaína Paschoal ao G1.
Para a presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), Rossana Francisco, a falta uma discussão mais profunda sobre o projeto pode levar ao efeito contrário ao desejado, provocando uma elevação das mortes e complicações no parto por cesáreas desnecessárias. A Sogesp emitiu uma nota se opondo ao PL da maneira como está por falta de clareza e embasamento científico.
“Está sendo colocado como justificativa que a mulher pede uma cesárea, a cesárea não é feita, e ela morre, o filho dela morre. Mas não existe nenhum embasamento técnico que justifique isso. A gente tem que separar uma situação que pode ser de má assistência de outra situação que seria falta de acesso a cesáreas indicadas. E o projeto não fala de cesáreas indicadas, mas sim das eletivas (escolhidas pela mulher)”, afirma Rossana.
Já o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), se posicionou a favor do projeto
“O Cremesp entende que a avaliação de qualidade da assistência perinatal é multifatorial e não deve se basear nos ‘índices ideais de cesáreas’, desconsiderando as indicações médicas e a vontade materna. Por isso, defende projetos de lei como o de nº 435/2019, da deputada Janaina Paschoal. (...) O Cremesp tem instruído e julgado vários processos ético-profissionais em que os eventos adversos foram decorrentes da demora em se realizar cesariana e pelas complicações da insistência em ultimar partos vaginais”, diz texto divulgado pelo conselho.
A taxa geral de cesáreas do Brasil é de 55%, mas a distribuição não é a mesma entre os sistemas públicos e privados. Enquanto a taxa de cesáreas do SUS é de 40%, o número dos procedimentos realizados pelos planos de saúde chega a 84%.
O aumento das cirurgias no mundo fez com que a OMS publicasse, em 2018, um guia para incentivar a diminuição das taxas. A organização reconhece que a cesariana é efetiva para salvar a vida de mãe e bebê, mas somente quando é indicada por razões médicas como complicações, hemorragias, sofrimento fetal ou posição anormal do bebê.
Segundo a OMS, a cesárea também representa riscos como uma recuperação mais complicada para a mãe e problemas nos partos seguintes. Pode causar complicações significativas e às vezes permanentes, assim como sequelas ou morte, especialmente em locais sem infraestrutura.
Caráter de urgência
Outra crítica feita ao projeto é a velocidade com que ele está sendo tratado na Casa. A aprovação do caráter de urgência faz com que a proposta não passe por discussões em Comissões como as de Saúde e a da Mulher, por exemplo, o que aconteceria na tramitação normal. Ele foi proposto no dia 10 de abril, passou pelo Congresso de Comissões e já está pronto para ser votado em plenário.
"Precisamos debater este tema tecnicamente, sem precipitações, com a presença da sociedade civil, entidades e movimentos", afirma a deputada da oposição Beth Sahão (PT), que convocou uma audiência pública sobre o tema no último dia 19.
Esse é um dos pontos também levantados pela presidente da Sogesp, que afirma que o projeto pode ser positivo caso seja melhor discutido e alterações sejam feitas, como a garantia de que a escolha ocorra apenas no pré-natal orientado, e não na hora do parto. Ela também vê como positiva a possibilidade de anestesia no parto normal.
“A autonomia da mulher tem que ser exercida com uma discussão durante o pré-natal para que você consiga ter tempo de explicar quais são os riscos, quais são os benefícios disso que a gente chama de cesárea a pedido”, diz Rossana.
Janaína Paschoal afirma que, antes de apresentar o projeto, visitou várias entidades e recebeu profissionais de saúde para tratar do assunto. A deputada também diz que conversou com os colegas da Casa para ouvir sugestões, mas que algumas delas descaracterizariam o texto.
Questionada sobre o motivo do regime de urgência, a deputada afirmou que este é seu projeto prioritário na Casa.
“A urgência é que as mulheres estão morrendo, os bebes estão morrendo, os bebes estão ficando com paralisia cerebral. A realidade é que o projeto já vem tarde, eu só apresentei agora porque só sou deputada agora. O presidente da Assembleia criou um grupo em que ficou estabelecido que cada deputado teria como direito escolher entre seus projetos aquele que ele considera mais importante. Esse é o meu mais urgente”, afirma.
O que estabelece o projeto de lei:
- A parturiente tem direito à cesariana eletiva, devendo ser respeitada em sua autonomia.
- A cesariana eletiva só será realizada a partir de 39 semanas de gestação, após ter sido conscientizada e informada acerca dos benefícios do parto normal e riscos de sucessivas cesarianas.
- A parturiente que opta ter seu filho por parto normal, apresentando condições clínicas para tanto, também deve ser respeitada em sua autonomia. Garante-se o direito à analgesia.
- Na eventualidade de a opção da parturiente pela cesariana não ser observada, ficará o médico obrigado a registrar as razões em prontuário.
- Nas maternidades e hospitais será afixada placa com os seguintes dizeres: “Constitui direito da parturiente escolher cesariana, a partir da trigésima nona semana de gestação”.
- Sempre poderá o médico, em divergindo da opção feita pela parturiente, encaminhá-la para outro profissional.
- As despesas, decorrentes da execução desta lei, correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
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