Após onda de fechamento de postos, publicações cogitam recriar a função
Nesta semana fui a Nova York para o congresso internacional de ombudsmans e as conversas que presenciei poderiam ter ocorrido em muitas das redações brasileiras.
Sob o tema "Jornalismo em um mundo polarizado", o encontro reuniu na Universidade de Columbia cerca de 35 profissionais de 27 de países tão díspares como Índia, Suíça, Estados Unidos, Canadá, Zimbábue, Argentina, África do Sul, México e Brasil.
A desconfiança em relação à mídia foi o ponto central do debate. Uma questão explorada com mais timidez —mas presente em cada entrelinha das conversas— foi a a perda de força do papel do ombudsman nos grandes jornais.
Por que num mundo no qual a imprensa está sendo colocada em xeque, importantes periódicos decidiram simplesmente abrir mão dessa ponte entre o jornal e o leitor?
No mais, entre relatos sobre furos e histórias falsas, foi possível perceber que não só os ombudsmans mas a imprensa como um todo estão no divã.
Essa descrença em relação aos veículos de comunicação, que pode ter como origem a crise econômica mundial de 2008, a proliferação de vozes proporcionada pelas redes sociais ou até o mau humor das pessoas com as instituições em geral, está colocando a indústria para pensar.
Como superar esse quadro exigiu debates mais longos, sem respostas definitivas.
No geral, o grupo vive experiências com seus leitores parecidas e tem questionamentos similares.
Foi ponto pacífico a percepção de que é tarefa do ombudsman deixar claro ao leitor que a imparcialidade no jornalismo não engloba direitos e evidências científicas.
Nesse cenário polarizado, é comum ouvir pedidos de tratamento equânime em casos nos quais ele simplesmente não se aplica.
Um exemplo citado mais de uma vez é que não há como ter um debate equilibrado entre cientistas e defensores do terraplanismo. Ou tentar dar o mesmo peso ao outro lado de quem defende a redução de direitos de uma minoria (ou de uma maioria sem acesso ao poder).
Outro ponto abordado foi a importância do papel do ombudsman nos esforços para explicar o processo jornalístico— muitas vezes obscuro para o leitor.
Falou-se do cuidado com a precisão da língua e do entendimento de que, embora erros devam ser evitados, corrigi-los rapidamente é sempre o melhor remédio.
O papel do leitor nesse esforço para aperfeiçoar o trabalho jornalístico também fez parte do debate.
Kyle Pope, editor da revista Columbia Journalism Review, apresentou em vídeo um projeto que mostra a reação de leitores ao se depararem com publicações falsas.
Uma banca foi montada num ponto movimentado de Nova York com jornais e revistas com títulos como o "Texas agora é território mexicano" ou "há analgésico na água que você bebe".
As pessoas paravam diante da banca entre curiosas e perplexas. O objetivo é mostrar que, sim, os leitores também podem se responsabilizar pelas informações que consomem. E, se isso é feito no papel, por que não nas redes sociais?
Voltando à função de ombudsman, há quem diga que, após a popularização das redes sociais, em especial o Twitter, não haveria mais razão para existir um representante dos leitores.
O jornal The New York times criou a posição em 2003, logo após o caso Jason Blair —repórter descoberto ao contar histórias falsas.
O jornal manteve a função até 2017, quando, em meio a insatisfações com a última representante dos leitores, decidiu eliminar a posição.
Mas casos como o de Blair seguem acontecendo.
No evento na Universidade de Columbia, um ombudsman suíço contou história semelhante ocorrida na alemã Der Spiegel, revista que enfrentou recentemente o problema.
Um repórter passou cerca de dez dias numa cidadezinha americana e escreveu uma reportagem sobre como os moradores decidiram apoiar Donald Trump, levados pela raiva com a economia e a imigração. Nada era verdade.
O curioso é que, segundo o ombudsman suíço, a revista foi avisada via Twitter de que a história parecia ser falsa, mas ninguém respondeu aos posts.
Um ex-ombudsman americano com quem conversei acredita que a decisão do Times e de outros jornais de grande circulação tem menos a ver com os custos de manter a posição e mais com o fato de que ter alguém fazendo esse trabalho acaba sendo uma amolação para o jornal.
Agora, para evitar que casos como o da reportagem sobre as eleições de Trump se repitam, periódicos na Alemanha refazem o caminho do The New York Times e cogitam contratar um ombudsman.
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