Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
21 de junho de 2019 | 03h00
O Código de Processo Penal é claro e a jurisprudência dos tribunais superiores, pacífica: antes de decretar a prisão preventiva, o juiz precisa comprovar a efetiva necessidade da medida no caso concreto. No entanto, continua sendo frequente a decretação de prisões preventivas sem uma adequada fundamentação, o que agride profundamente as liberdades e garantias fundamentais previstas na Constituição.
Recentemente, ao julgar dois habeas corpus, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminares em favor de investigados na Operação Pão Nosso, substituindo a prisão preventiva por medidas cautelares alternativas. A operação investiga supostas fraudes em licitações e crimes de peculato que teriam ocorrido na administração estadual do Rio de Janeiro, durante o governo de Sérgio Cabral.
Como se sabe, decisões com esse teor não são casos isolados. Tornou-se habitual que o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedam liberdade a pessoas que estão presas preventivamente, aplicando, em substituição à prisão, as medidas cautelares alternativas previstas na legislação.
“A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”, diz o art. 282, § 6.º do Código de Processo Penal. Ou seja, para aplicar a prisão preventiva dentro da lei, o juiz precisa explicar por que considera que as outras medidas cautelares seriam insuficientes no caso em pauta. Em julgamento de habeas corpus impetrado em favor de Michel Temer, o ministro do STJ Rogerio Schietti Cruz lembrou que “não se pode falar em mera conveniência da restrição de liberdade, mas em efetiva necessidade da medida cautelar mais grave”.
O Código de Processo Penal elenca as medidas cautelares diversas da prisão: o comparecimento periódico em juízo, a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares “quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações”, a proibição de manter contato com determinada pessoa, a proibição de ausentar-se da comarca respectiva, o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, a suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira “quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”, a fiança, a monitoração eletrônica e até a internação provisória do acusado “nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração”. Isso está na Lei 12.403/2011, que trouxe uma nova sistemática para as medidas cautelares no processo penal.
Tem-se assim uma situação inusitada. O Congresso Nacional reformou a lei processual penal, para fazer constar expressamente as medidas cautelares diversas da prisão. Os tribunais superiores reconheceram a constitucionalidade e a validade desses novos dispositivos, aplicando-os cotidianamente. No entanto, as instâncias inferiores do Poder Judiciário continuam atuando, em muitos e muitos casos, como se a prisão preventiva fosse a única medida cautelar existente para proteger a ordem pública e econômica ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Quando a Justiça ignora a possibilidade de aplicar outras medidas menos gravosas que a prisão, ela se torna abusiva, já que descumpre a lei. Em um Estado Democrático de Direito, a prisão não pode ser um capricho do juiz, aplicável conforme suas idiossincrasias. A prisão preventiva também não pode se transformar numa medida usada genericamente contra pessoas suspeitas de crimes graves. A Constituição e a lei processual penal proíbem expressamente essa prática.
Se toda decisão judicial deve ser fundamentada, a decisão que determina a prisão preventiva deve ser ainda mais rigorosamente fundamentada - na lei e nos fatos. Não cabem apreciações genéricas. O regime constitucional é o da liberdade, e não o da arbitrariedade.
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