Quanto custa o mito
Bolsonaro não dá sinal de se importar com crise; mercado se irrita com Guedes
A pororoca no mercado financeiro parece feia, mas as baixas por ora são apenas espuma. A reincidência do governo em erros, despropósitos e arruaças é lama.
Menos de 24 horas depois de ficar explícito que não dispõe de coalizão partidária para sobreviver no Congresso, Jair Bolsonaro voltou a provocar parlamentares e discórdia. Em entrevista na TV, fez comentários de escarninho colegial sobre o presidente da Câmara. Em resposta, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que Bolsonaro está "brincando de presidir o Brasil". Nas redes insociáveis, voltou a incitar rixas ideológicas sinistras (1964).
No Congresso, não houve tentativa organizada de criar uma mesa de conversa para valer entre governo e parlamentares. No DEM, há gente empenhada em levar Bolsonaro para a luz mínima da política, como Ronaldo Caiado, governador de Goiás. Será um esforço em vão caso Bolsonaro não crie uma equipe, no governo e no Congresso, experiente e com poderes de organizar uma coalizão, o que significa ceder à "velha política".
Como se não bastasse, causou má impressão a audiência do ministro Paulo Guedes (Economia) na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
Para os senadores, mesmo os simpáticos a reformas, Guedes se comportou de modo "arrogante", "agressivo", "ignorante dos modos da política" e "desavisado" por levantar a hipótese de que pode deixar o governo caso as reformas sejam bloqueadas. Trata-se de possibilidade óbvia, mas isso não se antecipa em público.
No mais, gente da praça do mercado se irrita loucamente com Guedes porque o ministro "não controla" Bolsonaro. "O mito saiu caro", diz um financista.
A maioria dos preços desabou no mercado financeiro, em parte por reação estereotipada, em parte porque o clima na finança mundial não está bom, faz semanas.
Os maus humores podem se dissipar em dias, sem deixar efeito na economia real, mera espuma. Mas a persistência de condições financeiras degradadas por uns dois meses deve multiplicar vetores de estagnação.
Por exemplo, a confiança de empresários e consumidores está em queda, provavelmente devido à frustração das promessas de recuperação econômica. O tumulto político pode engrenar um círculo vicioso.
É difícil entender ou encontrar alguém que explique os objetivos de Bolsonaro.
Um general conselheiro acredita que o presidente espera com otimismo exagerado ver o Congresso "se dobrar às necessidades do país", mas que vai se tornar mais maleável aos poucos.
Visto de fora, Bolsonaro e seu núcleo puro, filhos e assessores, não parecem diferentes da campanha: vieram para "quebrar o sistema". Trata-se de uma crença rude, entre fantástica e autoritária, de que governará "fora do mecanismo", apoiado por pressão popular permanente.
A paranoia parece, no entanto, agravada, em particular pela opinião pública de elite cada vez mais favorável ao vice-presidente, Hamilton Mourão.
Por ora, não parece haver força que demova Bolsonaro. No Congresso, não há ordem, recursos ou impulsos para tirar a política do impasse, o que em tese não é difícil.
Não há racha essencial na elite econômica, que quase toda colaborou com a vitória de Bolsonaro, na crença de que o capitão seria "business as usual", com um tempero amargo de ferocidade inócuo em termos materiais, "reformas" etc.
Assim, um mero acordo de divisão de poder do governo com alguns partidos resolveria a parada. Mas Bolsonaro acha que é uma revolução.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
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