Falta um mínimo de empatia a certos governantes
Clóvis Rossi
SÃO PAULO
Kirsty Johnston, repórter investigativa de The New Zealand Herald, mergulhou no mundo sinistro da extrema direita e publicou, já faz quase dois anos, extensa reportagem que seu jornal recuperou no dia seguinte aos atentados em Christchurch.
Kirsty constatou que a alt-right, o apelido mais suave para a extrema direita, vinha crescendo no país, inspirada “por acontecimentos além-mar, incluindo a eleição de Trump".
Acrescentava a repórter: “Eles [a alt-right] acreditam em conceitos como genocídio dos brancos e marxismo cultural —uma teoria conspiratória que proclama que marxistas se infiltraram no Ocidente para destruir valores cristãos e substituí-los por feminismo, multiculturalismo, direitos dos gays e ateísmo".
Se você conheceu nos últimos 12 meses, pouco mais ou menos, gente com idênticas crenças não é mera coincidência.
A alt-right está presente nestes tristes trópicos, como constatou nesta Folha, na terça-feira (19) o notável colunista Joel Pinheiro da Fonseca(não é marxista, é um impecável liberal): “É em espaços assim [submundo da internet dedicado ao discurso de ódio] que se gestou a alt-right americana e a própria extrema direita brasileira que agora chega ao poder”.
A alt-right americana tem como guru um certo Steve Bannon, que foi conselheiro de Donald Trump na campanha e nos primeiros meses de governo e é, até hoje, o ídolo dos Bolsonaros.
O problema com discursos assim é que palavras podem matar ou, pelo menos, induzir a matar pessoas desestruturadas psicologicamente.
É por isso que David Leonhardt, editor da newsletter de Opinião do New York Times, escreveu, na sua coluna de segunda-feira (18): “O presidente Trump continua encorajando tanto a violência como o nacionalismo branco —e a violência do nacionalismo branco está crescendo. Não é uma coincidência. Ele [Trump] não merece ser culpado por qualquer ataque específico. Mas merece ser culpado por usar o maior púlpito de bullying do mundo para corroer nossa democracia e a segurança pública. Ele está se engajando em comportamento que tem assustadores ecos históricos e efeitos no mundo real".
Há um segundo comportamento desagradável em Trump: ele jamais demonstra empatia com vítimas de qualquer natureza. É o exato oposto de Jacinda Ardern, a primeira-ministra neozelandesa, que chegou a dar uma lição de moral a Trump quando este perguntou o que os EUA poderiam fazer para ajudar depois dos ataques em Christchurch.
Respondeu Ardern: Trump podia mostrar “simpatía e amor por todas as comunidades muçulmanas”.
A jovem primeira-ministra (38 anos) disse, em entrevista coletiva, que os atentados atingiram a Nova Zelândia por representar “a diversidade, a bondade e a compaixão” e por ser “o lar daqueles que compartem esses valores e refúgio para aqueles que o necessitem".
Se houvesse mais Arderns e menos Trumps (e outros que você pode escolher), o mundo seria menos sombrio.
Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.
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