Felipe Resk, O Estado de S.Paulo
23 de março de 2019 | 21h41
Atualizado 24 de março de 2019 | 13h53
Atualizado 24 de março de 2019 | 13h53
SÃO PAULO - O incêndio na véspera do cumprimento do mandado judicial não interferiu na ação da Prefeitura de São Paulo de reintegração de posse na manhã deste domingo, 24, na Favela do Cimento, no entorno do Viaduto Bresser, na Mooca, Zona Leste de São Paulo
A reintegração teve início às 6h. Segundo a Prefeitura, 215 pessoas moravam no local, entre elas 66 crianças, e a maioria das famílias já havia deixado voluntariamente o local antes do incêdio de sábado, 23, à noite. As famílias participaram de audiências de conciliação entre os dias 18 e 22, quando ficou definida a oferta de acolhimento na rede do município.
Ainda pela manhã, a Secretaria de Assistência Social informou que 42 famílias aceitaram deixar o local e foram abrigadas em centros de acolhimento ou casa de parentes. Além disso, três famílias aceitaram passagens de ônibus para retornarem às sua cidades de origem.
“Os assistentes sociais da Prefeitura vão continuar conversando diariamente com as pessoas que não aceitaram ir para nossos centros de acolhimento. Não existe prazo definido para as pessoas permanecerem nos centros de acolhimento.", disse a Prefeitura em nota divulgada nesse domingo, 24.
As pessoas que não aceitaram ir para abrigos continuam nas ruas do entorno da ex-favela, no bairro da Mooca. Moradores relataram ação truculenta da polícia momentos após o incêndio. "Teve bala de borracha, tem gente com marcas pelo corpo", disse o Padre Julio Lancellotti - que esteve no local e acompanhou a reintegração de posse. A polícia negou qualquer confronto ou ação violenta.
Incêndio
Na véspera do cumprimento da reintegração de posse determinada pela Justiça, um incêndio de grandes proporções atingiu a Favela do Cimento, às margens da Radial Leste, zona leste de São Paulo, na noite de sábado, 23. Até o momento, não há notícia de feridos.
O incêndio começou por volta das 19h30, segundo a Polícia Militar. "Eu estava dormindo. Acordei assustado com o barulho da fiação estralando, dando curto-circuito por causa do fogo. Já estava consumindo tudo", conta o catador Mizael Ataíde, de 30 anos. Há oito meses, ele saiu da cidade de Contagem, em Minas, para morar na capital paulista, onde conheceu a mulher, Cláudia dos Santos, de 33.
O incêndio aumentou rapidamente, contam. Ainda assim, o casal conseguiu retirar do barraco a geladeira, o fogão e um colchão, que encostaram na parede de um posto de gasolina desativado. Outros móveis se perderam, assim como as roupas. "Vou passar a noite aqui, não temos para onde ir", diz Ataíde. "Não sei se vou conseguir cozinhar, a comida queimou toda", relatou Cláudia.
Ao todo, 20 viaturas e cerca de 70 homens do Corpo de Bombeiros foram acionados para apagar o fogo, trabalho que durou cerca de duas horas. A causa do incêndio ainda é desconhecida. No local, no entanto, policiais comentavam que um grupo de moradores, revoltados com a reintegração, teria posto fogo nos barracos.
"A gente já não tem nada, ia tacar foco nos nossos próprios bagulhos?", contesta o estivador Bartolomeu Carvalho, de 45 anos, morador da Favela do Cimento desde 2015. "Eu sei que não é certo morar aqui, que a gente estava aí ilegal, mas é por falta de opção: não temos para onde ir."
Segundo relata, Carvalho acordou às 4h30 para trabalhar: tinha três descargas de mercadoria programadas para fazer em diferentes pontos de São Paulo. Quando chegou em casa, mais de 14 horas de trabalho depois, viu o fogaréu. "Foi um susto", diz.
A mulher e a filha de 8 anos já haviam saído nesta semana para dormir na casa de um parente. "São mais de 15 pessoas morando lá na casa da minha sogra, não cabe mais ninguém", afirma Bartolomeu. "Eu deveria ter tirado o resto das minhas coisas hoje, mas se eu perder um dia de trabalho deixo de ganhar R$ 40. Não posso, tenho minha família para cuidar."
O fogo destruiu a maior parte dos barracos. Nas calçadas, foram abandonados móveis queimados, ainda fumegando, metais retorcidos e entulhos. Durante o incêndio, o Viaduto Bresser ficou bloqueado por viaturas da Força Tática da PM. A via foi liberada para o tráfego de veículos por volta das 21h10.
Fogo começou cerca de 1h após encaminhamento de famílias, diz secretário
Em nota divulgada na sexta-feira, 22, a Prefeitura de São Paulo informou que cumpriria no domingo a ordem judicial de reintegração de posse da área. A decisão é da juíza Maria Gabriela Pavlopoulos Spaolonzi, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP). A gestão municipal também afirmou ter disponibilizado 20 caminhões e 10 vans para auxílio no transporte das famílias, além de deslocamento para atendimento aos centros de acolhida.
Por volta das 22 horas, chegaram ao local dois secretários da gestão Bruno Covas(PSDB): o coronel José Roberto Rodrigues de Oliveira, da Segurança Urbana, e José Antonio de Almeida Castro, de Assistência e Desenvolvimento Social. Eles foram acompanhar o trabalho de rescaldo dos Bombeiros e de agentes sociais com os desabrigados.
"Estávamos trabalhando nesta operação (de retirada da comunidade) há meses. Durante toda a última semana estavam sendo realizadas audiências de conciliação", afirmou Castro. Segundo o secretário, 35 famílias haviam sido encaminhadas para abrigos da Prefeitura só neste sábado, com vagas adaptadas ao perfil familiar e também para solteiros.
"Infelizmente, um pouco mais de um hora do fim deste encaminhamento, o local estava praticamente vazio, se iniciou este fogo", afirmou o secretário. "A gente fica muito triste com o ocorrido. Todo a operação da Prefeitura tinha justamente este objetivo: de prevenir uma tragédia", disse.
Segundo Castro, a favela era considerada de "extrema vulnerabilidade". Entre os perigos para os moradores, o secretário citou violência, riscos de acidente pela proximidade com a Radial Leste, além de ligações clandestinas de eletricidade nos barracos. A retirada de entulho e limpeza da área devem ser realizadas pela Prefeitura neste domingo, após o encerramento do rescaldo dos Bombeiros.
Questionado pelo Estado se havia informação de que o incêndio seria criminoso, Castro respondeu que não poderia se manifestar sobre o tema, por ser competência da polícia. "Destacamos que a Prefeitura está com suas equipes mobilizadas para qualquer pessoa que esteja precisando de acolhimento."
Colaborou: Gilberto Amendola e Laíssa Barros
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