sábado, 30 de março de 2019

A rede pública de ensino deve priorizar o método fônico de alfabetização? Sim/não


Alfabetizar com método



Crianças em escola paulistana construtivista que utiliza o método fônico em sala de aula - Fernando Donasci - mar.17/Folhapress
João Batista Oliveira
A maioria das escolas brasileiras não consegue alfabetizar seus alunos. Alguns se alfabetizam, enquanto a maioria fica à margem.

Os entendidos concordam que o problema da alfabetização —como os problemas do ensino— não se limita a um fator específico, como salários, professores, materiais ou métodos.

No caso da alfabetização, a questão do método é importante e tem sido alvo de intensos arroubos e destemperos verbais. Três grupos divergem em aspectos importantes da questão.

O primeiro é formado por pesquisadores e profissionais que trabalham com base em evidências acumuladas sob o guarda-chuva da “Ciência Cognitiva da Leitura”.

Esse grupo reconhece que o ensino da alfabetização deve ser feito de forma sistemática e explícita, com sequência, materiais e métodos próprios; e, portanto, em paralelo, mas não ao mesmo tempo que o ensino de outros componentes linguísticos —como a redação, o estudo do vocabulário ou a compreensão de textos.

A razão para isso se encontra nas limitações do cérebro em processar informações e na importância do uso consistente de regras para identificar as palavras —se o aluno aprende a ler ora usando as regras de decodificação, ora adivinhando a palavra pela forma ou pelo contexto, ele nunca será um bom leitor.
Isso já foi bem estabelecido por pesquisas rigorosas desde 1981. Esse grupo apoia suas convicções em evidências e resultados consolidados há mais de 20 anos.

Trata-se de uma tese vencedora em todo o mundo. A proposta é adotada em todos os países desenvolvidos que utilizam o Sistema Alfabético de Escrita —todos, sem exceção, além de Cuba.
O segundo grupo é formado sobretudo por educadores e especialistas em estudos da língua, que advogam o ensino contextualizado da alfabetização: o ponto de partida é o texto, não a palavra ou o sistema alfabético.

Esse grupo reconhece a importância dos métodos fônicos, mas não reconhece a necessidade de seu ensino sistemático e explícito. Apoia suas convicções em princípios teóricos e não se preocupa em apresentar evidências. É a tese vencedora no Brasil há mais de 40 anos, patrocinada pelo MEC e pelas faculdades de educação em todo o país —e os resultados estão aí.

O terceiro grupo é formado por pessoas e instituições que compartilham a visão teórica do segundo grupo, mas ignoram as evidências científicas sobre a importância do método fônico, minimizam a relevância de métodos, advogam o uso de métodos mistos e não apresentam resultados de seu trabalho. Com essas pessoas e instituições é impossível dialogar.

Um simples exemplo ajuda a entender a diferença prática entre essas visões sobre o lugar da alfabetização no ensino escolar. Quando ensinamos os fundamentos básicos do balé, as crianças não começam dançando “O Lago dos Cisnes”.

Elas aprendem primeiro os fundamentos, de forma linear, sem ambiguidades. Ninguém aprende a se equilibrar “do seu jeito”.

É treino pesado na barra, com foco na técnica. Aos poucos, vão se tornando capazes de articular movimentos e adquirir um repertório de habilidades fundamentais para participar de atividades mais integradas —fazendo “pontas” em apresentações escolares, ainda sem muita ideia do todo, mas absorvendo o contexto. Tudo a seu tempo e em seu devido lugar.

É isso que propõe a Ciência Cognitiva da Leitura. É a isso que resistem nossos educadores. Para eles importa a teoria, não as evidências.
João Batista Oliveira
Psicólogo e doutor em educação, preside o Instituto Alfa e Beto, que desenvolveu o Programa Alfa e Beto de Alfabetização

Além de um método

O professor de Ciências Ivonilton Fonseca dá aula na rede pública do Rio de Janeiro; ele concilia aulas em laboratório com curiosidades históricas de alimentos usados nos experimentos - Raquel Cunha - 23.mai.17/Folhapress
Alessio Costa Lima
Depois de quatro anos de discussões sobre a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), estados e municípios chegaram à fase de revisão, construção e aprovação de currículos. Com a homologação desses documentos, as escolas deverão discutir seus projetos de política pedagógica com as comunidades.

O currículo deve adequar as proposições da base à realidade local, respeitando o contexto, a diversidade e as características dos estudantes, segundo o artigo 8º da resolução 2/2017 CP/CNE, que instituiu a BNCC. 

Quanto às metodologias e estratégias didático-pedagógicas, o inciso 3 do artigo 8º explica que elas devem ser diversificadas e aplicadas com conteúdos complementares de maneira a respeitar os ritmos de cada conjunto de alunos, sua cultura, suas famílias e seus grupos sociais. 

Tal premissa vale da educação infantil ao último ano do ensino fundamental, o que inclui, também, a questão de definição dos métodos de alfabetização.

Em 2018, 5.763.169 crianças estavam matriculadas nos 1º e 2º anos do ensino fundamental. Dessas, 3.839.514 estavam sob a responsabilidade das redes municipais de ensino. Imaginem decretar que, a partir de agora, todas essas crianças, das 5.568 redes municipais de ensino do país, deverão ser alfabetizadas apenas por um determinado método, ou “prioritariamente” por um método de alfabetização, independentemente de seus méritos e/ou limitações.

É sempre importante relembrar que a Constituição Federal determina que o ensino será ministrado com base no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.

Compreendemos que a definição de um método de alfabetização representa uma série de escolhas referentes a didáticas; organização do tempo e espaço escolar; conhecimentos, habilidades, atitudes, valores, aprendizagens essenciais a serem desenvolvidas; seleção de materiais pedagógicos; processo de avaliação; entre outras. Tal definição se dá, de maneira coletiva, considerando o currículo da rede e o projeto político-pedagógico da escola, mas, principalmente, por meio do conhecimento e da vivência do professor sobre a aprendizagem de seus alunos. 

O importante para o professor e para o gestor é garantir o direito à educação, à alfabetização e à aprendizagem das crianças. E não cumprir à risca a exigência legal por um determinado método, ou sua imposição por meio de uma política pública nacional, desrespeitando e ferindo a autonomia pedagógica do professor, resguardada pelos princípios da educação.

A alfabetização, em toda a sua complexidade, é constituída por um conjunto de saberes. Assim, o conflito entre concepções e métodos não pode deixar que o objetivo maior não seja alcançado: garantir a aprendizagem e alfabetizar as crianças. 

Entendemos que o melhor método de alfabetização é aquele utilizado com segurança pelo professor e que leve os seus alunos à aprendizagem.

 A nossa experiência aponta que não é o método específico isolado que garante o sucesso de aprendizagem, mas, sim, o conjunto de fatores que circunscreve o processo de alfabetização, tais como: as condições de trabalho ofertadas; materiais didáticos e pedagógicos adequados e suficientes; professores devidamente habilitados e qualificados; acompanhamento pedagógico e processos de avaliação. 

Por isso, é preciso pensar em políticas de Estado democráticas, dialogadas, participativas, integradas e de maneira continuada, buscando avançar sempre.
Alessio Costa Lima
Presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação)







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