Carlos Kawall
O nosso PIB (Produto Interno Bruto) caiu mais de 7% em termos acumulados entre 2015 e 2016. Nos últimos dois anos, recuperamos pouco mais de dois pontos percentuais. O desemprego ainda está em torno de 12%, caindo pouco além de um ponto percentual desde o pico há dois anos. Movimento muito, mas muito lento.
Mas por que a economia cresce tão pouco, especialmente com juros tão baixos e câmbio competitivo? Até aqui, predominaram explicações concentradas em choques de oferta (Lava Jato, greve dos caminhoneiros, por exemplo), queda da confiança ou aperto das condições financeiras.
Estas duas últimas de fato pioraram muito em meados do ano passado, mas não estiveram sempre em níveis negativos ao longo dos últimos dois anos. E, recentemente, voltaram para terreno mais positivo. Mas é justamente quando os dados relativos à atividade econômica e emprego voltaram a decepcionar.
Entendemos que é o caso de buscar a explicação no grau de estímulo da política econômica. Há três anos, houve uma ruptura no padrão de crescimento do gasto público, tanto federal como no caso dos governos subnacionais, em particular grandes Estados. Estimamos que isso possa ter reduzido a taxa estrutural de juros para algo como 3,3%, ante o valor de 4% que usávamos até então.
Isso significa dizer que a Selic “neutra”, incorporando a expectativa de inflação de longo prazo (a meta de 3,75% já fixada para 2021), estaria mais próxima de 7% do que de 8%. A Selic hoje, a 6,5%, estaria, assim, ligeiramente abaixo do equilíbrio, pouco estimulando a economia.
Frente à impossibilidade de se buscar acionar a política fiscal, caberia à política monetária introduzir estímulo adicional. Passamos a prever corte de juros no terceiro trimestre deste ano, com a Selic atingindo 5,5%, condicionado à aprovação de uma reforma da Previdência robusta.
É possível que estejamos errados. O cálculo da taxa de equilíbrio é incerto, e suas hipóteses, discutíveis. Mas não é necessário, neste momento, ter clarividência quanto à ela.
Empiricamente, sabemos que a economia tem crescimento medíocre e a inflaçãocontinua bem comportada, sistematicamente abaixo da meta, sobretudo quanto a seus núcleos. O regime de metas de inflação, nesse caso, sugere juro mais baixo na presença de expectativas ancoradas, buscando acelerar o crescimento.
A velocidade em que a recuperação se processa tem também consequências muito importantes para o mercado de trabalho, particularmente para os jovens que nele ingressaram há pouco tempo. Quanto mais lenta a recuperação, mais tempo essas pessoas ficam longe de condições adequadas de empregabilidade. Perdem habilidades e experiência, o que afeta sua renda futura e seu padrão de vida. Há inclusive consequências negativas para o crescimento potencial da economia no médio e longo prazos.
Julgamos que na reunião do Copom da semana que vem o Banco Central eliminará a assimetria na direção de risco inflacionário, podendo rever para baixo sua previsão para o crescimento do PIB na semana seguinte, na divulgação do Relatório de Inflação.
E, com a Previdência aprovada, ao menos na Câmara, o BC poderá avaliar qual o risco que deverá correr: não reduzir juros e arriscar mais um ano de crescimento lento e inflação baixa ou cortar a Selic e arriscar uma recuperação mais rápida e a inflação voltando.
Globalmente, está claro que o primeiro risco é o que mais tem preocupado. Por isso, julgamos que a queda de juros é o cenário mais provável.
Carlos Kawall
Economista-chefe do Banco Safra, ex-secretário Nacional do Tesouro (2006, governo Lula) e professor do mestrado profissional da Escola de Economia de São Paulo da FGV
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Roberto Luis Troster
É fato, o efeito prático da redução da Selic para estimular a economia brasileira foi imperceptível. Desde outubro de 2016, quando a taxa estava em 14,25% e começou a ser reduzida até 6,5%, alguns juros cobrados diminuíram, mas não na mesma proporção, e outros aumentaram.
O efeito líquido da política de crédito foi negativo. A relação crédito/PIB caiu 3% e os números de cidadãos e de empresas com anotações de atrasos de pagamento bateram novos recordes históricos negativos, com impactos perversos no crescimento e no emprego do país.
Até os bancos foram prejudicados. As perdas de crédito foram superiores aos seus lucros. Dito de outra forma: teriam duplicado sua rentabilidade sem as perdas com a inadimplência.
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O crédito anêmico é consequência de uma assimetria perversa na intermediação no Brasil. Os aplicadores têm tratamentos diferentes dos tomadores. São protegidos com exigências de transparência, da necessidade de certificação, da fiscalização e punição de distorções, de regras de precificação precisas e da tributação baixa. Há uma preocupação institucional para tornar o sistema seguro e gerar confiança aos depositantes.
O mesmo não acontece para os tomadores. Falta transparência, as informações são complexas e incompletas. Usa-se taxa mês e taxa ano, dias úteis e dias corridos, com ou sem impostos, incluindo ou não a taxa de abertura de crédito. O resultado é que apenas cidadãos com conhecimentos sofisticados podem aferir o custo efetivo das operações.
Não existem regras de precificação e a escolha de linhas de crédito é restrita por algumas instituições, que podem mudar suas taxas intempestivamente, o que em momentos de apertos de liquidez induzem a escolhas erradas e a altas de inadimplência no médio prazo.
A tributação é elevada, regressiva e complexa. Cobra-se proporcionalmente mais quanto menor for a operação e mais alta for a taxa. Para qualquer nível de juros e de inadimplência, a arrecadação de impostos é maior do que a parte dos bancos. Há situações em que mais da metade dos juros pagos vão para o governo. É uma política tributária extrativista do crédito.
A proteção contra abusos é praticamente inexistente. Há instituições cobrando mais de 500% ao ano em algumas modalidades. Uma prática que só pode gerar uma inadimplência elevada, fazendo com que bons pagadores paguem pelos maus e com perda nos valores de ativos dados em garantias.
Essas distorções e outras fazem com que o Brasil tenha uma relação crédito/PIB inferior à que tinha há quatro décadas, muito abaixo de seu potencial atual. Sua correção daria um impulso à atividade econômica e aumentaria a legitimidade e rentabilidade dos bancos.
Mais transparência, indução ao crédito responsável, certificação de operadores de crédito, escolha do consumidor na seleção de linhas e regras de precificação claras podem ser adotadas pelo conjunto das instituições sem necessidade de aprovação do Executivo ou do Legislativo.
O Banco Central poderia rever normas que tiram eficiência do sistema, como os maiores depósitos compulsórios do mundo, e algumas restrições operacionais desnecessárias. Uma calibração de alíquotas pela Receita Federal aumentaria a arrecadação e tornaria a tributação mais justa e eficiente.
Enfim, dá para estimular a economia com o crédito sem baixar a Selic. Para tanto, é imperioso mudar o paradigma de intermediação no Brasil. Há um grande potencial a ser usufruído.
Roberto Luis Troster
Doutor em economia e consultor, ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)
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