Casamentos entre grandes montadoras globais têm seus episódios pitorescos. No Brasil, na Autolatina, união regional entre Volkswagen e Ford, aconteceu a guerra do papel.
Antigos funcionários contam que os alemães utilizavam folhas A4 em seus documentos, enquanto os americanos adotavam o padrão carta. Foi o suficiente para que comunicados que precisavam da aprovação urgente de altos executivos voltassem sem assinatura, seja por birra, vaidade ou qualquer outra baixeza humana.
O problema foi mais longe. Os furadores de papel da Ford também seguiam o padrão dos Estados Unidos. As marcações não se encaixavam nas pastas da Volkswagen.
Como cada montadora era responsável por alguns departamentos dentro da gestão compartilhada, era normal que uma ou outra fornecesse suprimentos específicos. Os americanos, por motivo não esclarecido, eram os responsáveis pelos furadores.
Inconformado, um dirigente da Volkswagen pediu ao departamento de engenharia que construísse seu próprio equipamento para resolver aquele problema. E lá foram alguns dos mais gabaritados profissionais da época desenvolver um prosaico furador de acordo com as normas alemãs.
Vale lembrar que eram tempos pré-internet: a guerra do papel ocorreu na virada da década de 1980 para 1990. Havia muito mais papel em circulação dentro das corporações.
Histórias como essa são hoje contadas aos risos, mas revelam o quanto é difícil unir duas culturas muito diferentes ao redor de um negócio bilionário. Os interesses em comum são contaminados por bile e pecados capitais.
O caso recente envolvendo a aliança global entre Renault e Nissan é outro exemplo do choque de nacionalidades, com mais drama do que comédia.
O ex-executivo Carlos Ghosn, que passou 106 dias preso e foi solto ao pagar fiança equivalente a R$ 33 milhões, é acusado sob suspeita de má conduta financeira. Por trás de questões mundanas que poderiam ter levado o homem ao erro —ele nega qualquer ilícito—, há o desencontro entre Paris e Tóquio.
Ficou evidente o quanto os japoneses se sentem aviltados com o que consideram ser petulância dos franceses, que demonstram pleno interesse em transformar a aliança em fusão. A Nissan quer manter uma certa distância, mesmo que isso signifique perda de dinheiro para ambas as partes.
A queda de Ghosn representa essa insatisfação. Sem ele, o casamento pleno não deverá mais ocorrer, embora haja tantos interesses envolvidos que dificilmente haverá uma separação.
Em uma época de muitas alternativas para mobilidade e necessidade de investir em tecnologias menos poluentes, nenhuma fabricante será capaz de sobreviver sem parcerias. Volks e Ford se uniram novamente, agora em nível mundial. Felizmente, não se usa mais tanto papel quanto nos tempos da Autolatina.
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