03/07/2016 02h00
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No último mês, dois
garotos, de 10 e 11 anos, foram mortos em confronto com a polícia. As duas
crianças vinham de famílias carentes, com muitos irmãos.
Segunda esta Folha, pesquisa recente do Ministério Público de São
Paulo sugere que a falta da figura paterna, caso de uma das famílias, pode
explicar parte do problema do envolvimento de crianças e adolescentes com a
criminalidade. Essa constatação, claro, não exime a polícia pelo uso de força
desproporcional, resultando em mortes desnecessárias.
O sociólogo Jessé
Souza, até recentemente presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada), sugere, em dois volumes escritos com diversos colaboradores –"A
Ralé Brasileira: Quem É e Como Vive" e "Os Batalhadores
Brasileiros"–, que o ambiente doméstico representa fortíssimo fator
perpetuador da pobreza.
Segundo Jessé,
"a família típica da 'ralé' é monoparental, com mudanças frequentes do
membro masculino, enfrenta problemas sérios de alcoolismo e de abuso sexual
sistemático e é caracterizada por uma cisão que corta essa classe ao meio entre
pobres honestos e pobres delinquentes".
Já os batalhadores,
que conseguiram melhorar de vida, internalizaram as "disposições nada
óbvias do mundo do trabalho moderno: disciplina, autocontrole e comportamento e
pensamento prospectivo".
Diferentemente do que
se imagina, "essas disposições têm que ser aprendidas, embora seu
aprendizado seja difícil e desafiador e não esteja ao alcance de todas as classes"
(citações de "Os Batalhadores", páginas 50 e 51).
Pensadores liberais,
como Eugênio Gudin e Carlos Langoni, sempre identificaram a enorme importância
que a educação tem para o desenvolvimento econômico.
Diferentemente deles,
os economistas heterodoxos ou estruturalistas nunca conseguiram enxergar nenhum
papel da educação para o desenvolvimento econômico. Celso Furtado, por exemplo,
apesar de ter se dedicado ao tema por 40 anos e em 30 livros, em nenhum momento
associou desenvolvimento à educação.
Nos últimos anos,
consolidou-se o entendimento de que um sistema público de educação de qualidade
é um dos elementos principais para o desenvolvimento econômico e a equidade.
Mais recentemente, a
economia acadêmica vem reconhecendo a enorme importância dos primeiros anos de
vida e de um ambiente doméstico estruturado para preparar a criança para a
escola formal.
James Heckman, Prêmio
Nobel de Economia e professor da Universidade de Chicago, tem acumulado
conjunto impressionante de evidências nessa direção. O leitor interessado pode
consultar o link heckmanequation.org/blog ou a página do economista brasileiro
Flávio Cunha (flaviocunha.com).
Sabe-se que, nos
primeiros anos de vida, as habilidades cognitivas, essencialmente pensamento
analítico, e as não cognitivas, esforço e persistência, capacidade de suportar
frustração, autoestima etc., são desenvolvidas. Se o ambiente doméstico nos
primeiros anos de vida não for propício para o desenvolvimento desse conjunto
de capacidades, o desempenho escolar será comprometido.
Assim, o maior
desafio de nossa sociedade será desenhar políticas públicas que retirem a
"ralé", 1/3 da população aproximadamente, segundo Jessé, da armadilha
de pobreza em que se encontra.
Sinal auspicioso é
que a esquerda parece ter descoberto algo que a direita já sabia há muito tempo.
E nada fez para mudar, enquanto esteve
no poder. O grifo é nosso!
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