Na canção de Caetano, a letra diz "nada nos bolsos ou nas mãos eu quero seguir vivendo". Seria bom se assim fosse, mas não é.
A cada ano, milhões de horas de cidadãos e funcionários públicos são gastas com a tarefa de manter a papelada pessoal em dia.
A caminhada contra o vento é numa estrada com várias cabinas de pedágio (repartições). Prevalece a lógica de um povo para servir o governo, em vez de um governo para o povo. As raízes das dificuldades são históricas. O Brasil tem dimensões continentais e, ao longo do tempo, foram estabelecidos os controles considerados mais adequados para cada época e propósito.
Adicionando-os aos já existentes, sempre aumentando a parafernália.
Não é um problema nacional, apenas. A burocracia no mundo inteiro é avessa a mudanças, inflexível, ineficiente, tem uma tendência a se autoperpetuar e a apresentar disfunções como falta de comunicação entre os diversos órgãos e obsolescência dos controles.
Estatísticas do Banco Mundial mostram que o Brasil é um dos países em que é mais complicado contratar empregados, produzir, vender e cobrar. Exigências burocráticas inadequadas aumentam custos e diminuem a competitividade das empresas sediadas aqui. A produtividade pessoal também é afetada.
Não há estudos sobre o impacto da papelada necessária para o dia a dia, mas é razoável afirmar que atrapalha e muito. A inclusão econômica básica de um cidadão demanda necessariamente a carteira de trabalho, o RG, o CIC, o PIS, o título de eleitor e o certificado de reservista (se for homem). Algumas profissões demandam ainda o registro nos respectivos conselhos regionais.
Cada cidadão tem de cinco a sete números diferentes para ser identificado. Mesmo assim, sua segurança é frágil. Há poucas semanas, um jornalista da Folha conseguiu emitir nove RGs em diferentes unidades da Federação. Mostrou que o controle é fraco. Também é deficiente. Abundam relatos de pessoas pressas por engano e de prejuízos causados por homônimos.
Agravando o quadro, o processo é trabalhoso. Quando um cidadão muda seus dados cadastrais, como endereço ou estado civil, tem que informar a todos os órgãos (Receita, Justiça Eleitoral etc.). É uma peregrinação de repartição em repartição.
É um sistema antiquado, disperso em órgãos públicos diferentes, com registros de informação que não se comunicam entre si e que depende da datiloscopia (impressões digitais em papel) para identificação.
A recomendação é a construção de um cadastro nacional, usando biometria, que permita uma caracterização pessoal imediata. Cada cidadão teria um único número para se identificar e este seria usado por todos os órgãos públicos para fins específicos (eleições, benefícios etc.). Isso geraria ganhos de produtividade para toda a população e para o governo.
O direito à identidade é, ou pelo menos deveria ser, um direito básico, um bem em si mesmo. Mas é custoso, demorado e inseguro. Há avanços tecnológicos que permitiriam corrigir as distorções rapidamente, com benefícios palpáveis para todos. Por que não, por que não...
ROBERTO LUIS TROSTER, 63, é doutor em economia. Foi professor da USP e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)
robertotroster@uol.com.br
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