O GLOBO - 21/11
Para FHC, o Brasil vive uma profunda crise urbana, e o povo quer mudanças urgentes
“Se tivesse 15 anos a menos, eu seria candidato à Presidência”, disse Fernando Henrique Cardoso durante o almoço. “Viajaria o país inteiro, falaria a pobres e ricos, estudantes e professores, para ouvir, dialogar e agitar ideias, que é o que mais falta hoje no Brasil.” Para o ex-presidente, só com uma discussão séria de novas ideias, ou então com uma crise mais profunda do que a ocorrida em junho, a nação poderá avançar.
Na manhã do almoço, na semana passada, Fernando Henrique Cardoso recebeu exames mostrando que curara a diverticulite que o atacara numa viagem ao Peru. A inflamação intestinal, provocada por alimentos condimentados, derivados de leite e vinho branco, havia sido contraída uma semana antes em Bordeaux, na França, onde comera sempre em restaurantes. O presidente estava mais esguio e com ótima aparência, mas a dieta o levara a marcar a conversa no seu apartamento, em Higienópolis, e a brincar: “hoje não comeremos bem” — o que não foi verdade, felizmente. “Como me sinto disposto, não percebo que tenho 82 anos e preciso diminuir o ritmo das viagens”, disse.
O gume da sua análise continua incisivo. Ele pensa que o sistema político, que trava a modernização republicana, só será reformado devido a pressões vindas de fora. “Os integrantes da política institucional passaram a ter como objetivo único ganhar eleições”, disse. “Há uma exaustão de ideias que precisa ser encarada, e fazer uma campanha presidencial com esse objetivo seria uma contribuição; pena que não tenha mais idade para a empreitada.”
Ele não teme outra crise social. Embora não a deseje, acha que ela será benéfica caso seja radical e tenha consequências. Nos eventos de junho, ficou claro para ele que o Brasil vive uma crise urbana profunda: “Nunca foi tão difícil viver nas metrópoles. Tanto o pobre que anda de ônibus como o rico que fica com o carro retido em engarrafamentos vivem o problema todos os dias. E eles não se sentem representados nem veem como essas dificuldades serão vencidas”.
O seu candidato nas eleições do próximo ano é o do PSDB, Aécio Neves, em quem ele vê um político que sabe mandar e administrar. Fernando Henrique tem bom diálogo com Dilma Rousseff, que o trata com afabilidade. “De vez em quando ela fica de mal comigo pelo que escrevo em jornais, o que é bobagem porque nunca faço ataques pessoais”, disse. “Há pouco ela insistiu que eu fosse à exumação do presidente João Goulart, e infelizmente estou meio de molho e não pude ir.” Quanto a Eduardo Campos, não tem opinião formada.
“As pesquisas atuais mostram que os três candidatos postos galvanizam menos que Lula, Serra e Marina”, afirmou. A questão para todos os candidatos é o que dirão a um povo que quer mudanças urgentes. Seria necessário, no seu entender, que os candidatos elaborassem propostas factíveis para melhorar com rapidez o transporte urbano, o atendimento da saúde e as escolas.
Ele não enxerga no horizonte imediato um tumulto internacional que bata com força no Brasil. “O fim do euro não veio, a economia americana se recupera e a China segue crescendo”, observou. “Ainda assim, ao contrário do que imaginou o governo, a decadência americana não será rápida, e a China levará tempo para adquirir um papel preponderante.”
O presidente pretende se afastar paulatinamente das lides partidárias. Fará isso com o fito de aumentar a sua participação enquanto intelectual público. E está disposto a dizer coisas que, bem sabe, poderão desagradar não só o Planalto como o Congresso, governadores e parlamentares de todos os níveis da federação. “Há fadiga de materiais e interesses encastelados em todos os cantos do Estado”, afirmou. “Para defender mudanças em situações assentadas, é melhor falar de fora, sem se beneficiar com o que aconteça ou deixe de acontecer”, disse.
O debate intelectual de propostas para o Brasil o levará, em médio prazo, a reduzir a interlocução internacional. Ele precisa de mais tempo para pensar e escrever. Só na manhã do almoço, havia recebido telefonemas de Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas, da rainha Sílvia, da Suécia, e do filho do empresário mais rico do México, Carlos Slim, os dois últimos de passagem por São Paulo. Fernando Henrique convidou-os a irem à sua casa: “São relações pessoais, fico sem jeito de nem chamá-los para um café”.
FHC fez um pequeno tour de la propriété antes das despedidas. O apartamento tem janelas amplas, que dão para as encostas do Pacaembu e o alto das Perdizes. O mobiliário é de sobriedade modernista e os quadros, de bons pintores nacionais. O escritório é o de um intelectual em ação: computador ligado, livros por todos os cantos e revistas especializadas abertas sobre a escrivaninha.
Para FHC, o Brasil vive uma profunda crise urbana, e o povo quer mudanças urgentes
“Se tivesse 15 anos a menos, eu seria candidato à Presidência”, disse Fernando Henrique Cardoso durante o almoço. “Viajaria o país inteiro, falaria a pobres e ricos, estudantes e professores, para ouvir, dialogar e agitar ideias, que é o que mais falta hoje no Brasil.” Para o ex-presidente, só com uma discussão séria de novas ideias, ou então com uma crise mais profunda do que a ocorrida em junho, a nação poderá avançar.
Na manhã do almoço, na semana passada, Fernando Henrique Cardoso recebeu exames mostrando que curara a diverticulite que o atacara numa viagem ao Peru. A inflamação intestinal, provocada por alimentos condimentados, derivados de leite e vinho branco, havia sido contraída uma semana antes em Bordeaux, na França, onde comera sempre em restaurantes. O presidente estava mais esguio e com ótima aparência, mas a dieta o levara a marcar a conversa no seu apartamento, em Higienópolis, e a brincar: “hoje não comeremos bem” — o que não foi verdade, felizmente. “Como me sinto disposto, não percebo que tenho 82 anos e preciso diminuir o ritmo das viagens”, disse.
O gume da sua análise continua incisivo. Ele pensa que o sistema político, que trava a modernização republicana, só será reformado devido a pressões vindas de fora. “Os integrantes da política institucional passaram a ter como objetivo único ganhar eleições”, disse. “Há uma exaustão de ideias que precisa ser encarada, e fazer uma campanha presidencial com esse objetivo seria uma contribuição; pena que não tenha mais idade para a empreitada.”
Ele não teme outra crise social. Embora não a deseje, acha que ela será benéfica caso seja radical e tenha consequências. Nos eventos de junho, ficou claro para ele que o Brasil vive uma crise urbana profunda: “Nunca foi tão difícil viver nas metrópoles. Tanto o pobre que anda de ônibus como o rico que fica com o carro retido em engarrafamentos vivem o problema todos os dias. E eles não se sentem representados nem veem como essas dificuldades serão vencidas”.
O seu candidato nas eleições do próximo ano é o do PSDB, Aécio Neves, em quem ele vê um político que sabe mandar e administrar. Fernando Henrique tem bom diálogo com Dilma Rousseff, que o trata com afabilidade. “De vez em quando ela fica de mal comigo pelo que escrevo em jornais, o que é bobagem porque nunca faço ataques pessoais”, disse. “Há pouco ela insistiu que eu fosse à exumação do presidente João Goulart, e infelizmente estou meio de molho e não pude ir.” Quanto a Eduardo Campos, não tem opinião formada.
“As pesquisas atuais mostram que os três candidatos postos galvanizam menos que Lula, Serra e Marina”, afirmou. A questão para todos os candidatos é o que dirão a um povo que quer mudanças urgentes. Seria necessário, no seu entender, que os candidatos elaborassem propostas factíveis para melhorar com rapidez o transporte urbano, o atendimento da saúde e as escolas.
Ele não enxerga no horizonte imediato um tumulto internacional que bata com força no Brasil. “O fim do euro não veio, a economia americana se recupera e a China segue crescendo”, observou. “Ainda assim, ao contrário do que imaginou o governo, a decadência americana não será rápida, e a China levará tempo para adquirir um papel preponderante.”
O presidente pretende se afastar paulatinamente das lides partidárias. Fará isso com o fito de aumentar a sua participação enquanto intelectual público. E está disposto a dizer coisas que, bem sabe, poderão desagradar não só o Planalto como o Congresso, governadores e parlamentares de todos os níveis da federação. “Há fadiga de materiais e interesses encastelados em todos os cantos do Estado”, afirmou. “Para defender mudanças em situações assentadas, é melhor falar de fora, sem se beneficiar com o que aconteça ou deixe de acontecer”, disse.
O debate intelectual de propostas para o Brasil o levará, em médio prazo, a reduzir a interlocução internacional. Ele precisa de mais tempo para pensar e escrever. Só na manhã do almoço, havia recebido telefonemas de Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas, da rainha Sílvia, da Suécia, e do filho do empresário mais rico do México, Carlos Slim, os dois últimos de passagem por São Paulo. Fernando Henrique convidou-os a irem à sua casa: “São relações pessoais, fico sem jeito de nem chamá-los para um café”.
FHC fez um pequeno tour de la propriété antes das despedidas. O apartamento tem janelas amplas, que dão para as encostas do Pacaembu e o alto das Perdizes. O mobiliário é de sobriedade modernista e os quadros, de bons pintores nacionais. O escritório é o de um intelectual em ação: computador ligado, livros por todos os cantos e revistas especializadas abertas sobre a escrivaninha.
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