A partir do ano vem, alunos da rede estadual poderão ser retidos em três das nove séries do ensino fundamental: na 3ª, 6ª e 9ª
09 de novembro de 2013 | 2h 12
PAULO SALDAÑA - O Estado de S.Paulo
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou ontem uma reforma no sistema de progressão continuada das escolas estaduais. A partir do ano vem, o número de séries em que os estudantes podem ser reprovados vai aumentar. A decisão foi anunciada quatro meses depois de o prefeito Fernando Haddad (PT) promover alteração semelhante na rede municipal.
Os alunos da rede estadual de São Paulo poderão ser reprovados em três das nove séries do ensino fundamental: no 3.º, 6.º e 9.º anos. Até este ano, a retenção era prevista em apenas dois momentos, no 5.º e no 9.º anos. No caso da cidade de São Paulo, a mudança, aprovada depois de consulta popular, prevê possibilidade de reprovação em cinco momentos.
Aumentar o número de ciclos sempre foi uma decisão delicada pelo receio de crescimento nas taxas de reprovação. Uma série de estudos mostra que a retenção é o primeiro passo para o abandono escolar.
O secretário estadual de Educação, Herman Voorwald, afirmou ontem que, apesar de aumentar a possibilidade de reprovação, não espera alta nas taxas. "Não entendo que isso vá aumentar a reprovação. Entendo que crescerá a responsabilidade do aluno e do professor e a necessidade de (indicar) reforço." Segundo Voorwald, o sistema de recuperação já existente e os investimentos do Estado na contratação de professores vão colaborar com a medida.
Alckmin também negou que a ideia seja reprovar mais. "A reprovação cria na criança a cultura do fracasso. Por outro lado, não se pode ficar cinco anos sem reprovação. Esses três ciclos me parecem um aperfeiçoamento, a ideia não é reprovar."
Segundo o governo, as alterações são fruto de estudos e consultas à rede iniciados em 2011. O governador negou que a reforma municipal promovida por Haddad neste ano tenha sido levada em conta na decisão da mudança. "(A decisão da Prefeitura) não teve nenhuma interferência porque isso vem sendo discutido há dois anos com a rede. É fruto de um longo debate com os professores", disse.
Aval. Para a professora Maria Izabel Noronha, presidente da Apeoesp, maior sindicato da categoria, a mudança é bem-vinda. "Era necessário mudar. Se o que está implementado não deu respostas, não tem tido um resultado que aponte uma melhor forma de aprendizagem, temos de pensar no que foi feito", disse ela. "Eu não resumo tudo a poder repetir. O que está em questão é a oportunidade que os alunos terão de aprender."
O professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Cipriano Luckesi, especialista em progressão, discorda. "É só um malabarismo. Esquecem de investir em qualidade do ensino, que significa investimento no professor e na formação e em melhores condições", afirma Luckesi. "A reprovação não vai necessariamente aumentar, mas também não vai diminuir."
O governo também anunciou alterações na forma de avaliar os alunos. A partir de 2014, a avaliação diagnóstica ocorrerá ao final de cada bimestre. Os professores terão de fazer um relatório personalizado de aprendizado por aluno e um cardápio de ações para as dificuldades. Na reforma anunciada por Haddad, o foco na avaliação bimestral também foi um dos pontos.
É positivo alterar a organização dos ciclos?
09 de novembro de 2013 | 2h 12
O Estado de S.Paulo
Não
Se a educação é um direito, não tem cabimento reprovar. O ciclo é uma proposta de organização que respeita o ritmo de desenvolvimento de cada aluno. Assim, no limite com essa concepção, deveríamos ter um ciclo de nove anos.
A princípio, não há justificativas para ciclos menores. O ciclo maior inibe a reprovação, porque ela não resolve o problema do aluno e da educação e representa um impacto forte na autoestima do aluno. Estudos mostram que ele tem chances de reprovar de novo, e maiores taxas de retenção induzem à evasão. Assim, toda proposta que induza ou crie brechas para reprovação é um retrocesso.
O problema não é aprovar ou reprovar, mas entender por que a ação pedagógica não está funcionado. O desafio é enfrentar as dificuldades e não reintroduzir a reprovação. O que precisamos é de políticas que garantam que as crianças aprendam.
A rejeição que se tem aos ciclos é que, muitas vezes, ele foi decretado, imposto aos professores, sem que houvesse preocupação em mostrar a estes que isso implicaria em mudar a lógica de funcionamento das escolas na perspectiva de garantir a todos o aprendizado.
*Romualdo Portela é professor da Faculdade de Educação da USP.
Sim
É interessante que a organização dos ciclos em um sistema automático não dure um tempo muito longo, como anunciou agora o governo de São Paulo. Não por evitar que o aluno seja sempre aprovado, porque não se deve buscar a reprovação.
Essa organização possibilita que haja uma medição periódica para aumentar o compromisso do sistema com o resultado e o sucesso dos alunos. Com dois ciclos mais longos, há o risco de o sistema não prestar atenção no aluno durante os anos e, se constatar lá no fim que ele não aprendeu, pode não dar mais tempo para recuperá-lo. Dessa forma, o fato de ter avaliações mais frequentes, como também anunciado, colabora com o compromisso do sistema com o aprendizado dos alunos - contanto que a ferramenta seja vista como mecanismo de acompanhamento para corrigir alguma fragilidade, e não para punição.
Em relação ao ciclo de alfabetização, entendo que é bom que isso aconteça, que haja esse foco. Mas é importante que não tenha reprovação do menino que está ingressando, porque as crianças não chegam à escola com a mesma maturidade. É bom que se tenha flexibilidade por parte das escolas e professores.
*José Fernandes Lima é presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE).
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