23 de novembro de 2013 | 2h 07
Fernando Reinach
A cauda colorida dos pavões é resultado da competição entre pavões pelo acesso às fêmeas. Darwin descobriu e explicou essa relação. Desde então, os cientistas descobriram diversas modalidades de competição entre machos de uma mesma espécie. Por décadas a competição entre fêmeas foi ignorada pelos cientistas. Mas isso está mudando. Os cientistas estão descobrindo que as fêmeas de uma mesma espécie também competem entre si, mas de maneira mais sutil.
A revista da Royal Society de Londres publicou recentemente um volume dedicado aos diversos aspectos da competição entre as fêmeas, sejam elas de ratos, macacos ou humanos. Seja você macho ou fêmea, vale a pena ler. Aqui vão dois exemplos pinçados entre as dezenas descritas na coletânea.
Os machos geralmente competem pelo acesso às fêmeas e as fêmeas competem pelo acesso aos bens necessários para garantir a sobrevivência da prole. No caso dos Mosuo, uma tribo que vive no sudoeste da China, essa competição entre as fêmeas é muito acentuada e facilmente observada. Ao contrário de outras sociedades humanas em que, após o casamento, a mulher vai viver na tribo do marido ou o marido vai viver na tribo da mulher, entre os Mosuo nada disso acontece. Em cada casa vivem três gerações. A avó, todos seus filhos e filhas e todos os netos e netas.
Quando uma das fêmeas se casa, o marido continua vivendo com sua mãe e somente visita a esposa à noite, faz sexo e volta para casa. Dessa maneira, em cada casa vive uma única linhagem matriarcal. No cair da noite, os machos vão visitar suas esposas e voltam para dormir com a mamãe. Ou seja, os machos não ajudam em nada a criação dos filhos, que fica a cargo dos habitantes da casa da fêmea.
Estudando essa tribo, os cientistas descobriram que a competição entre irmãs é ferrenha. Apesar de todas as mulheres que vivem em uma casa serem casadas e receberem visitas dos maridos, foi observado que as filhas mais velhas de uma casa acabam tendo mais sucesso reprodutivo, ou seja, um número maior de seus filhos chega à idade reprodutiva.
O que os cientistas descobriram é que, no caso dos Mosuo, as fêmeas mais velhas conspiram contra as mais novas para atrair os homens que visitam a casa toda noite, engravidam mais frequentemente e mais cedo, e também trabalham mais na lavoura, garantindo assim uma fração maior do alimento para seus filhos. As caçulas, coitadas, têm seus maridos roubados em muitas noites e, quando engravidam, não conseguem produzir o alimento necessário para garantir a sobrevivência dos filhos. O caso dos Mosuo demonstra que a vida em um matriarcado pode ser competitiva e violenta.
Na grande maioria das sociedades humanas, e também nos chipanzés e nos gorilas, o que ocorre após o casamento é que é a mulher que vai morar na casa (ou grupo no caso dos macacos) da família do marido. Chegando ao novo lar, a recém-casada, em vez de competir com as irmãs, compete com as outras fêmeas do grupo. Mas quem é essa outra fêmea, se todas as filhas casadas foram morar com seus maridos? Adivinhou? A sogra. A sogra e suas filhas solteiras.
Mas não pense que, nas sociedades ocidentais modernas, onde após o casamento o casal vai morar sozinho em uma nova habitação, a competição entre as fêmeas esmoreceu. Em um experimento curioso, os cientistas chamaram pares de mulheres recém-casadas (que não se conheciam) para discutir com um cientista do sexo masculino a relação delas com seus maridos. O que elas não sabiam é que o verdadeiro experimento ocorreria no intervalo da discussão. No início do intervalo, o cientista saía da sala, enquanto as voluntárias tomavam um lanche. Durante o lanche, entrava na sala uma outra cientista, agora do sexo feminino, perguntando onde estava o cientista que havia saído da sala. Obtida a resposta, a cientista saía da sala. A discussão entre as duas voluntárias após a saída da cientista fêmea era gravada e filmada. Mas falta explicar um detalhe. Em metade das entrevistas, a cientista fêmea que entrava na sala vestia somente uma calça comprida e uma camiseta. Na outra metade das entrevistas, a mesma cientista vestia uma provocante minissaia, blusa decotada e botas. De resto, a interação entre a visitante e as voluntárias era idêntica.
O que os cientistas observaram é que a fêmea de calça e camiseta não provocava uma mudança na conversa e nunca despertava reações agressivas. Já a mesma mulher, de minissaia, causava quase sempre uma mudança na conversa entre as voluntárias que geralmente passavam a falar mal da visitante, muitas vezes insinuando suas más intenções com o entrevistador, comentando o mau gosto de suas roupas, enfim, denegrindo sua imagem. Os cientistas concluíram (você concorda?) que o diálogo agressivo e crítico entre as voluntárias após a visita da "vamp" é uma manifestação do espírito competitivo e agressivo das mulheres. Elas estariam tentando "proteger e não perder a posse" do macho que estava conduzindo a entrevista. A "vamp" era vista como uma ameaça, e a mesma mulher, vestida discretamente, não era identificada como potencial competidora. Observe que essas mulheres não se conheciam, eram casadas, e o macho em questão só havia passado uma hora na companhia das duas voluntárias.
Esses dois exemplos demonstram como ocorre a competição entre as fêmeas, muito mais sutil e indireta que a violência física, direta ou disfarçada, que observamos na competição entre os machos.
Essa coletânea de artigos mostra que o estudo da competição entre fêmeas ainda está na sua infância, mas já nos ajuda a entender o cisma com a sogra e a origem da fofoca.
FERNANDO REINACH É BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: FEMALE COMPETITION AND AGRESSION: INTERDISCIPLINAR PERSPECTIVES. PHIL. TRANS. R. SOC. B 368:2130073 2013
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