domingo, 24 de novembro de 2013

Darwinismo carcerário


24 de novembro de 2013 | 2h 17

Renato Janine Ribeiro - O Estado de S.Paulo
A prisão significa coisas diferentes para Dirceu e Genoino. Ambos estiveram presos na ditadura, contra a qual bravamente lutaram, e veem a atual sentença como uma repetição da primeira. Mas Dirceu tem a pele curtida. Genoino, depois de lutar no Araguaia, se converteu à democracia parlamentar. Acreditou firmemente num preceito da teoria democrática, que é: os conflitos são legítimos na política, mas a democracia converte o inimigo em adversário, elimina o elemento de guerra, não admite a destruição do oponente. Fez amizade com adversários. Deve ser duro ver que adversários com quem dialogava, como FHC, se tornaram inimigos, querem seu encarceramento. É como se anos de empenho numa política democrática - da qual, entre 1985 e 2002, foi uma das estrelas - resultassem em nada. É mais que a ruína de um projeto pessoal, ou a condenação, por corrupção, de um homem pobre. Deve ser devastador. Pior, é emblemático do clima de ódio que tomou conta de nossa política. Porque, se a política for guerra, de que adiantará termos hoje dois, talvez três, partidos melhores que nossa média histórica? Se PT, PSDB e a Rede se matarem entre si, de que valerá a qualidade interna de cada um deles?
Dirceu não deve acreditar muito que a democracia reduza a temperatura dos conflitos, que substitua (como eu creio) inimigos por adversários. Por isso, resiste melhor. Para ele, a segunda prisão não é uma humilhação. É continuação da primeira. Assim, pode ter planos afirmativos - escrever um livro, fazer mestrado, brincar com a filhinha, ajudar Genoino preso. Poderá sair da cadeia como exemplo de superação. Contra as adversidades, luta. Genoino tem agora um projeto de negação: não morrer. Está reduzido ao que Agamben chamava de "a vida nua", puro corpo que tenta sobreviver.
Veja-se como foram votar em 2012. Genoino foi vaiado na seção eleitoral, voltou para casa, finalmente votou, a alto custo pessoal. Dirceu chegou às urnas com dezenas de militantes; ninguém se atreveu a lhe dizer gracinhas. Tem o estofo do Executivo. Genoino parece dar-se melhor no clima de reconhecimento recíproco que está na essência da democracia, da civilidade, do Parlamento. Dirceu é do poder. Perder faz parte, não acaba com o jogo. Genoino é da limitação ao poder.
O balanço é triste, não só porque toda condenação e toda punição é triste, mas porque perdeu quem apostou no reconhecimento do outro, do diferente, do divergente. Não é a questão de Genoino ser inocente ou não. O que esteve em questão esses dias foi sua sobrevivência física - e muitos pediram que morresse. Quem pede isso não só rompe com a democracia e os direitos humanos, como sai da humanidade. Nesse campo mais conflituoso, a postura de Dirceu funciona melhor do que a de Genoino. O custo disso para nossa convivência política será alto.

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Renato Janine Ribeiro, Professor titular de Ética e Filosofia Política da USP, é autor de A Sociedade Contra o Social-O Alto Culta da Vida Pública no Brasil (Companhia das Letras) 

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