quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Corregedor do TJ de São Paulo adverte para o “risco intolerável” da reeleição

José Renato Nalini, candidato à Presidência do maior tribunal estadual do País, vê conflito entre quem “tem a chave do cofre” e, ao mesmo tempo, “pede votos”
por Fausto Macedo
“É conveniente uma reeleição? Se ela for legal, o Presidente pode continuar a presidir, dispor da chave do cofre e de todo o elenco de suas atribuições, imensas num regime presidencialista, e simultaneamente pedir votos? Pessoalmente me posiciono contra a reeleição. Não deu certo no Brasil.”
O alerta é do desembargador José Renato Nalini, corregedor geral do Tribunal de Justiça de São Paulo. “A reeleição precisa ser amplamente discutida. Não houve oportunidade de manifestação do Órgão Especial, nem existe certeza sobre sua viabilidade constitucional e legal.”
Nesta quarta feira, 13, termina o prazo de inscrições para a eleição no TJ paulista, a maior Corte estadual do País, com 360 desembargadores, 50 mil servidores, 2,4 mil juízes.
Grande impasse marca o pleito, que ocorrerá a 4 de dezembro.
O impasse tem nome: reeleição.
O atual presidente, desembargador Ivan Sartori, não se inscreveu para concorrer a novo mandato de dois anos. Mas ele ainda pode se inscrever. Há tempo. O caminho está aberto, se Sartori quiser buscar a recondução.
A polêmica que agita os bastidores da Corte paulista gira em torno de uma Resolução, a 606/13, que o Órgão Especial do TJ aprovou na sessão de 7 de agosto.  O Órgão Especial é formado por 25 desembargadores, os 12 mais antigos da Corte, e 12 eleitos. Preside o colegiado o próprio presidente do TJ.
A 606/13 permite a todos os desembargadores se candidatarem aos cargos de direção. Não há restrições, portanto quem está no poder, é este o caso de Sartori, pode tentar se manter na cadeira mais alta. Contra a Resolução 606 insurgiu-se o desembargador José Damião Cogan, que foi ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com pedido de providências.
Ganhou no CNJ – por maioria, os conselheiros derrubaram a 606/13 – mas perdeu no Supremo Tribunal Federal, onde o ministro Ricardo Lewandowski deu liminar em mandado de segurançaajuizado pela Procuradoria Geral do Estado restabelecendo o texto aprovado pelo Órgão Especial do TJ.
José Renato Nalini, o corregedor-geral, foi o primeiro a se inscrever para a Presidência.
Nalini é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais (PUC-Campinas, 1971), obteve o Mestrado (USP,1992) e Doutorado em Direito Constitucional (USP, 2000). Foi membro do Ministério Público do Estado de São Paulo (1973-76).
Ingressou na magistratura em 1976 e foi presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo (2002/2004). Foi eleito Corregedor Geral da Justiça para o Estado de São Paulo no biênio 2012/2013. O pleito no Tribunal de Justiça de São Paulo é disciplinado pelo Regimento Interno.
Seu principal trunfo é o grande prestígio no mundo da toga.  Nessa entrevista ao Estado ele fala de suas metas e do extraordinário desafio que o aguarda. Fala, também, da reeleição:
Estado: Quais são suas metas se eleito Presidente do TJ paulista?
José Renato Nalini: O Tribunal de São Paulo é o maior do mundo. Se isso é impressionante, não é menor o privilégio de contar com quadros pessoais providos de erudição, conhecimento em múltiplas áreas, entusiasmo e vontade de transformar a realidade. Conto com a participação de todos para uma gestão baseada no diálogo e sem personalismo. Não se pode reinventar a roda, porque os projetos estão em andamento, há núcleos estratégicos prevendo missões que ultrapassam os períodos eleitorais e metas a serem cumpridas. Não apenas as estabelecidas em São Paulo, mas aquelas propostas pelo Conselho Nacional de Justiça, que integra o Poder Judiciário e com o qual é preciso conviver, colaborar e influenciar no melhor sentido. Pretendo continuar todas as iniciativas exitosas e inovar na abertura efetiva de diálogo com os parceiros, com a sociedade civil e com a Universidade. Aliás, tudo isso já foi iniciado no desempenho da Corregedoria, que se trans formou de maneira evidente nestes últimos anos.
Estado: Quais são os principais desafios do cargo que pretende ocupar?
 Nalini: Responder à sociedade que tem mais de 20 milhões de processos em curso em São Paulo, submetidos à apreciação de 2.400 magistrados e para cuja solução trabalham quase 50 mil servidores, além dos parceiros: Ministério Público, Advogados, Defensores Públicos, Polícia Judiciária e Polícia Militar. Fazer com que o Município contribua mais com a administração da Justiça, pois é uma das entidades da Federação e não possui Justiça Municipal. Os munícipes são atendidos pela Justiça Estadual. Propiciar aos quadros pessoais condições materiais e psicológicas de enfrentar essa missão. Fazer com que a sociedade, que redescobriu a Justiça e o facilitado acesso a ela, se satisfaça com a atuação cada vez mais eficiente do Poder Judiciário. Dialogar constantemente, levar a sério a participação democrática na administração da Justiça, demonstrar aos demais Poderes e à sociedade que o Judiciário precisa de meios para bem servir. Consolidar o processo eletrônico sanado das naturais deficiências do noviciado, aperfeiçoando-o cada vez mais.
Desembargador considera importante debater a reeleição no TJ-SP. Foto: Divulgação
Estado: O que falta para a Justiça se desvencilhar do rótulo ‘tarda, mas não falha’?
 Nalini: Não resistir à criatividade, às inovações, à implantação de estratégias e técnicas exitosas na iniciativa privada. Utilizar de forma intensa toda a tecnologia disponível. Fazer com que a Universidade, o empresariado, as lideranças e inteligências participem de um grande projeto de Reforma do Judiciário, pois ainda não se produziu a profunda reforma estrutural da Justiça. Tudo está a ser repensado. Desde a formação jurídica eminentemente adversarial, que precisa trilhar as sendas da conciliação, da negociação, da mediação e de outras dezenas de alternativas à litigância. Até à simplificação de trâmites, à implementação das boas práticas, ao estímulo a uma criatividade que produza efeitos concretos na performance da Justiça. Há inúmeras iniciativas de efervescência criativa no próprio âmbito do Judiciário, conforme verifiquei ao visitar todas as Comarcas, para isso contando com o inestimável auxílio de meus pares. É preciso um amplo trabalho de coordenação de todas elas, para a sua disseminação por todo o Estado e para suscitar outros focos de modernização e aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.
Estado: O que o fez se inscrever para disputar a Presidência do TJ?
 Nalini: É um caminho natural para quem já presidiu o saudoso e extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, o maior Tribunal Criminal do Mundo, em seguida ao exercício da Vice-Presidência. Para quem foi eleito em 2011 para as difíceis funções da Corregedoria Geral da Justiça, o órgão de fiscalização, controle e disciplina de 2.400 magistrados, quase 50 mil funcionários, milhares de cartórios, presídios e outros estabelecimentos. Visitei mais de mil serventias extrajudiciais, parceiras que se encarregam de grande parte da jurisdição voluntária, dialoguei com magistrados, servidores e todos os que precisaram da Corregedoria. Tenho convicção de poder contribuir para fazer com que o Tribunal de Justiça de São Paulo continue sua trajetória e seja a cada dia mais eficiente, a servir de bom exemplo do adequado funcionamento da Justiça num Brasil que tanto precisa dela.
Estado:  O sr. é contra ou a favor da reeleição para os cargos de direção dos tribunais?
Nalini: A reeleição precisa ser amplamente discutida. Não houve oportunidade de manifestação do Órgão Especial, nem existe certeza sobre sua viabilidade constitucional e legal. Ninguém ainda confirmou que o artigo 102 da Lei Orgânica da Magistratura (Loman) tenha sido revogado ou não recepcionado pela Carta Cidadã. Por isso, há uma preliminar a ser examinada: é possível uma reeleição num Tribunal? Depois virão as outras questões. É conveniente uma reeleição? Se ela for legal, o Presidente pode continuar a presidir, dispor da chave do cofre e de todo o elenco de suas atribuições, imensas num regime presidencialista, e simultaneamente pedir votos? Pessoalmente me posiciono contra a reeleição. Não deu certo no Brasil. Basta verificar os segundos mandatos. Num Tribunal com 360 desembargadores, é no mínimo ingênuo acreditar-se que os demais 359 não tenham condições de continuar uma boa gestão. Frustra a legítima expectativa de to dos os outros de também contribuírem para a administração do Tribunal, como mandatários de seus pares, estimulando projetos pessoais que são incensados por todos aqueles ávidos por cortejar o poder. Ninguém é insubstituível e a alternância no poder é regra republicana que volta a ser discutida até no âmbito das eleições político-partidárias nacionais. Uma reeleição sem ampla discussão prévia e o aval das instâncias superiores, às quais incumbe a disciplina do Judiciário, a uniformidade da aplicação da lei federal e, principalmente, a guarda precípua da Constituição, parece um risco intolerável para um Tribunal com a história e a dimensão do TJ de São Paulo.

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